“Dona Michelle, dona Michelle”, gritava a cerimonialista do Palácio do Planalto enquanto a primeira-dama corria em direção aos elevadores no fundo do Salão Nobre, tentando escapar de intermináveis sessões de fotos. “O jantar, o jantar”, respondia Michelle Bolsonaro. Corria para a sala onde estava o vestido longo que usaria na recepção no Palácio Itamaraty, cerca de uma hora depois. No caminho, passou por um soldado dos Dragões da Independência — a guarda cerimonial da Presidência. Parou e tocou o capacete do jovem militar, tentando, sem sucesso, provocar nele alguma reação. “Ele é bravo!”, disse, sorrindo — e continuou seu curso. Foi alcançada em seguida por duas cerimonialistas e orientada a voltar ao Salão Nobre, onde era requisitada. Nos poucos segundos da fuga frustrada, a primeira-dama quebrou três protocolos: saiu desacompanhada, ignorou obrigações cerimoniais e tentou distrair um dragão em serviço. Não foram as primeiras quebras protocolares do dia.
Rompendo a tradição de primeiras-damas que cumprem só função decorativa, Michelle discursou no parlatório do Planalto — e em libras, a linguagem de sinais: evangélica, ela trabalha em um grupo voltado para surdos na Igreja Batista Atitude, no Rio de Janeiro. “Gostaria de modo muito especial de dirigir-me à comunidade surda, às pessoas com deficiência e a todos aqueles que se sentem esquecidos. Vocês serão valorizados”, disse Michelle, em sinais, enquanto Adriana Ramos, sua amiga, traduzia a fala ao microfone, com a voz embargada. Bolsonaro, logo atrás, estava visivelmente comovido. Nova quebra de protocolo: cedendo ao apelo do público, que entoava “beija, beija”, Michelle lascou dois selinhos no marido. A Praça dos Três Poderes vibrou.
A participação de Michelle não constava da programação da posse, mas a ideia de falar aos eleitores rondava a cabeça da primeira-dama havia tempo. Ao planejar o vestido para o primeiro dia do ano, ela fez um pedido especial à estilista Marie Lafayette: que a roupa permitisse a movimentação dos braços e dos ombros. “Eu sabia que ela ia fazer um discurso”, disse Marie Lafayette a VEJA. Ela também desenhou o longo preto de renda francesa que a primeira-dama usou no Itamaraty. O valor das peças não foi divulgado. No futuro, serão leiloadas, em prol de alguma instituição de caridade à escolha de Michelle.
A primeira-dama, de 36 anos, nasceu e foi criada em Ceilândia, cidade localizada na periferia de Brasília. Veio de família humilde: o pai, hoje aposentado, era motorista de ônibus; a mãe, dona de casa. Michelle trabalhou em um supermercado e como vendedora em uma loja de roupa popular. Em 2006, trocou o comércio pelo posto de secretária em um gabinete na Câmara dos Deputados. Foi então que conheceu Bolsonaro, com quem está há onze anos — o casal tem uma filha, Laura, de 8 anos. Dos filhos de relações anteriores do marido, Michelle se dá especialmente bem com Carlos, vereador no Rio de Janeiro, o único a tê-la aceitado desde o início como mulher do pai. Com Jair Renan, filho de Ana Cristina Valle, a segunda esposa, os laços são menos estreitos. De mudança para Brasília, Jair Renan, estudante de direito, não viverá com o pai e a madrasta no Palácio da Alvorada — a pedido dela.
Rosangela Moro, advogada e mulher do ministro da Justiça, maravilhou-se com a primeira-dama: “Ela é naturalmente linda, e suas atitudes a tornam única, admirável, querida por todos”, disse a VEJA. Michelle ocupou com graça parte do espaço do marido nos festejos, o que talvez ajude a desvanecer a pesada fama de machista que Bolsonaro conquistou com tantas declarações infelizes. Mas ela já cometeu gafes involuntárias, típicas da inexperiência de quem nunca esteve sob holofotes. Ao ser entrevistada sobre declarações misóginas do marido, replicou que ele não era preconceituoso com nordestinos — demonstrando desconhecer o que é misoginia. É o tipo de deslize que importa pouco na Barra, onde ela morava no Rio, ou em Ceilândia. Nas cercanias da Esplanada, porém, atiça as viúvas das gestões passadas. Caberá a Michelle modular o timbre de sua espontaneidade.
Publicado em VEJA de 9 de janeiro de 2019, edição nº 2616