O ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública Sergio Moro prestou um longo depoimento na tarde deste sábado, 2, na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba e, após cerca de nove horas, disse a interlocutores que “fez um relato histórico de uma série de situações” envolvendo sua relação de trabalho com o presidente Jair Bolsonaro. “O depoimento foi longo, mas tranquilo”, declarou o ex-juiz da Lava-Jato. Sergio Moro informou que apresentou muitas provas que embasariam as acusações de que o presidente tentava interferir politicamente em órgãos de investigação, mas afirmou que o conteúdo completo de seus esclarecimentos virá à tona apenas quando o ministro Celso de Mello, relator do inquérito que trata das acusações de Moro no Supremo Tribunal Federal (STF), autorizar o levantamento do sigilo de suas declarações.
“Foi um depoimento longo, mas tranquilo. Fiz um relato histórico de uma série de situações”, resumiu Moro, segundo relatos obtidos por VEJA. No depoimento à Polícia Federal, ele apresentou provas e detalhou casos, como o pedido de Bolsonaro para trocar o comando da Polícia Federal no Rio de Janeiro, classificado por ele como um exemplo de tentativa da interferência presidencial em órgãos de investigação. Em entrevista publicada na última edição de VEJA, Moro afirmou que apresentaria evidências de como o governo Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal, disse que começou a detectar há tempos que a administração federal não tinha o compromisso real de combate à corrupção e declarou que não aceitava ser chamado de “mentiroso”. Neste domingo, mais cedo, afirmou, nas redes sociais: “há lealdades maiores do que as pessoais”.
Confira outros trechos da entrevista concedida pelo ex-ministro da Justiça a VEJA.
O senhor disse ter pedido uma pensão à sua família caso ‘algo acontecesse’ com o senhor no governo. Vincular a aceitação de um cargo a um benefício não é corrupção? É engraçado algumas pessoas falaram que seria um crime da minha parte, o crime de corrupção. O que externei ao presidente foi um desejo de que, se algo me acontecesse durante a gestão, como eu tinha perdido a pensão, que minha família não ficasse desamparada. Certamente teria de ser analisado juridicamente a viabilidade disso e a aprovação através de uma lei. Isso já aconteceu no passado em relação a outras figuras.
Seria um pedido para sua família receber uma pensão caso o senhor fosse assassinado? Não existe nada de impróprio nesse tipo de solicitação. É evidente que é o tipo de solicitação que eu nunca queria que fosse cumprida, mas eu também não queria deixar, tendo me exposto assim, a minha família desamparada. A condição para a pensão ser paga seria a minha morte. A possibilidade de pensão foi comentada com o presidente e com o general Heleno [Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional]. Não foi uma coisa colocada no papel ou discutida tão profundamente.
Não é corrupção passiva privilegiada? Isso é um delírio. Se fosse acontecer, seria uma proposta de lei, após a minha morte, submetida ao Congresso para ser decidida. Não tem nada de ilegal nisso, até porque teria de vir na forma de lei. Não é uma solicitação de vantagem indevida por eu ser assassinado. Ridículo.
Em agosto do ano passado, o presidente anunciou que iria trocar o comando da Superintendência da PF no Rio. O episódio foi a primeira ingerência de Bolsonaro ou houve outros antes? De interferência na Polícia Federal sim, foi o primeiro. Houve uma solicitação do presidente para a substituição do superintendente do Rio de Janeiro. Entendi que essa solicitação não era correta. No entanto, em contato com o superintendente, ele manifestou desejo de sair por razões pessoais, que eram até pretéritas a essa solicitação [do presidente]. Nessa perspectiva, eu e o diretor Valeixo construímos uma solução para o superintendente sair e providenciamos um substituto técnico.
O embate entre o senhor e a PF na ocasião incluiu a possibilidade de toda a direção da polícia sair? O pessoal se equivoca. Não é uma disputa entre o presidente e o ministro. Eu não escolhi nenhum superintendente da Polícia Federal. Escolhi um delegado para ser o diretor da Polícia Federal, que é o Maurício Valeixo, e ele teve a liberdade de escolher todos os outros superintendentes. Eu não interferi em nenhum momento. Acho isso inapropriado. O presidente afirmou publicamente que ele tinha determinado tirar o superintendente por questões de produtividade. A direção da Polícia Federal emitiu uma nota de que isso não correspondia à realidade, o presidente entendeu que isso era um confronto com ele e ameaçou publicamente demitir toda a diretoria. Nós conseguimos contornar isso com diálogo.
Se Bolsonaro interferiu, como o senhor diz, por que só pediu demissão oito meses depois? Por que eu não me demiti? Quero ser construtivo, não quero ser destrutivo. O que foi acertado com o presidente era que o substituto seria uma escolha da Polícia Federal. O presidente então deu uma declaração pública de que ele tinha escolhido o novo superintendente, o que gerou um novo problema dentro da Polícia Federal. Nós conseguimos fazer que o presidente refluísse e depois assumir o nome indicado pela própria Polícia Federal. O episódio, embora desgastante e inapropriado, conseguiu ser resolvido de uma maneira técnica.
Qual foi o motivo real do presidente para trocar o superintendente? Acho que temos isso, se for o caso, no processo. Me reservo a informar o motivo quando foi instado [pela Justiça].
O senador Flávio Bolsonaro é investigado por suspeitas de ter participado de um esquema de rachadinha quando era deputado estadual no Rio. O senhor foi cobrado a defender o senador publicamente? Não. E nem é papel do ministro da Justiça.
Voltando à PF, o senhor diz que não houve interferência sua nos trabalhos de investigação. Importante destacar, enquanto eu estive no Ministério da Justiça e da Segurança Pública, que a Polícia Federal realizou seu trabalho de maneira republicana, sem qualquer interferência indevida da minha parte. Minha compreensão era a de que é importante evitar qualquer espécie de interferência. Nunca interferi na PF. Acho inapropriado.
O ministro Alexandre de Moraes suspendeu a posse do novo diretor-geral da PF, Alexandre Ramagem, e disse que a indicação fere o princípio da impessoalidade. Não vou comentar.