“A ideia de que é lícito assaltar o Estado faz parte da nossa cultura há mais de 500 anos”, diz Adriana Romeiro, professora de História do Brasil da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autora do livro Corrupção e poder no Brasil: uma história, séculos XVI a XVIII. O espinhoso tema deve voltar ao centro do debate político na campanha deste ano, ao lado de outra praga que assola o País há mais de quatro séculos – a fome. Tanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto o presidente Jair Bolsonaro (PL) apostam em narrativas eleitoreiras para atacar o que consideram ponto frágil do adversário – e tentar ofuscar, claro, problemas que cada um semeou no período em que ocuparam o poder.
“A gente pode falar de corrupção no Brasil desde o século XVI, desde o momento em que Cabral pisa aqui. É do DNA da nossa cultura política. A corrupção é uma tradição arraigada, mas acredito na possibilidade de mudança, de superar isso”, diz a historiadora a VEJA. O dicionário Houaiss define corrupção como “depravação de hábitos, costumes”, “devassidão”, a disposição de um funcionário público de agir em interesse próprio, sem cumprir suas funções. A origem da palavra está associada ao termo “corruptione”, que significa em latim putrefação e decomposição.
“Desde o momento que o Brasil foi descoberto, foi visto pelos portugueses como um lugar de enriquecimento, onde se podia fazer fortunas facilmente. E isso não só para os governadores, que vinham pra cá, mas a própria população achava que viver no Brasil era uma forma para alcançar fortunas, era um bom negócio”, acrescenta a professora.
Adriana Romeiro aponta que o tema da corrupção vem sendo usado como bandeira política há mais de 80 anos, desde os tempos de Getúlio Vargas – e que volta e meia surgem personagens que prometem erradicar o problema. “Temos de combater a corrupção, mas ela não é uma bandeira política adequada e legítima. Porque eu não conheço ninguém que defenda publicamente a corrupção. O que me parece é que o problema fundamental do Brasil, o que impede o Brasil de ser a nação de primeiro mundo, é a desigualdade social. Esse de fato é o câncer que está no DNA do Brasil. E muitas vezes a corrupção é uma bandeira usada para ocultar essa questão mais central, que é a desigualdade social. A corrupção provoca fome, miséria e desigualdade social.”
Um dos primeiros registros oficiais de corrupção e enriquecimento ilícito da nossa história vem de 1562, quando um grupo de vereadores da Bahia enviou uma carta para o rei de Portugal, Sebastião I, com críticas contundentes ao então governador-geral do Brasil, Mem de Sá. A administração de Sá foi marcada pela expulsão de franceses da Guanabara e a fundação da cidade do Rio de Janeiro, mas o documento levantava pontos graves que manchavam a reputação do português escolhido para administrar a colônia, que reunia cerca de 15 mil habitantes na época.
O governador era acusado de aproveitar o alto posto para se apropriar da escravização de índios e do comércio de âmbar, uma substância extraída do intestino de baleias com grande valor por conta de suas propriedades medicinais. Ao final da carta, os oficiais da câmara de Salvador chegaram a implorar ao rei que enviasse um novo governador, alguém que “fosse homem fidalgo, virtuoso e que não seja cobiçoso”. O apelo foi ignorado pela Coroa portuguesa e Mem de Sá continuou no posto. RelacionadasPolíticaRio associa Bolsonaro a combate à corrupção e Lula a emprego e rendaPolíticaOs dois temas que vão dominar embate eleitoral de petistas e bolsonaristasPolítica“Você contrataria um ex-presidiário em sua casa?”