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Carta revela detalhes de chantagem de advogado contra juiz Marcelo Bretas

VEJA teve acesso à íntegra do documento. Magistrado foi afastado recentemente pelo Conselho Nacional de Justiça

Por Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 31 mar 2023, 10h14 - Publicado em 31 mar 2023, 06h00

Responsável pela Operação Lava-Jato no Rio de Janeiro, o juiz Marcelo Bretas vive desde o fim de 2015, quando assumiu o primeiro caso derivado do escândalo de corrupção na Petrobras, diferentes níveis de estresse. Diante do sucesso e dos desdobramentos das investigações, ele foi orientado a suspender a ida a locais públicos e reforçou sua escolta policial. Eram os áureos tempos, quando Bretas vestiu a toga de herói e saiu prendendo figurões da república apenas com a tinta de sua caneta. Mas o tempo passou, veio a Vaza-­Jato revelando que diversos limites haviam sido ultrapassados e os problemas foram ganhando outra dimensão.

Afastado do cargo em fevereiro passado por ordem do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que apura indícios de irregularidades na condução dos processos, sabe-se agora que o magistrado foi alvo, já na derrocada da operação, de uma chantagem impressionante. Em 2020, Bretas recebeu uma carta anônima de alguém que se dizia prejudicado por sua atuação, cobrava a realização de certos compromissos assumidos, pedia favores estranhos e ameaçava, se não fosse atendido, revelar segredos que destruiriam a carreira do juiz. O autor, de fato, cumpriu a promessa.

VEJA teve acesso à íntegra da carta. Em poder da Polícia Federal e do Ministério Público, ela foi enviada a 7ª Vara Federal Criminal do Rio, de onde o juiz analisava os processos que levaram à cadeia nomes como o ex-presidente Michel Temer e o ex-governador Sérgio Cabral. O teor das ameaças permaneceu mais de dois anos em sigilo e foi usado pelo CNJ como prova contra o juiz. No texto, o autor afirmava ter informações de que o magistrado direcionou investigações para atingir alvos predeterminados, tentou envolver ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) nas irregularidades e manipulou casos específicos para atender interesses políticos e pessoais. Talvez por um ato falho, o chantagista disse que um dia já havia considerado Bretas como “um herói” e que havia salvado a vida do juiz mais de uma vez. Não foi difícil identificá-lo.

INTIMIDAÇÃO - Nythalmar Dias: “Imagine se todos souberem tudo que sei”
INTIMIDAÇÃO - Nythalmar Dias: “Imagine se todos souberem tudo que sei” (Marcos Tristão/.)

No ápice da Operação Lava-Jato, enquanto governadores, ex-governadores e autoridades do Rio de Janeiro estavam sendo presas, Nythalmar Dias Ferreira Filho, um advogado desconhecido nos meios jurídicos, passou a chamar a atenção das grandes bancas pelo calibre dos clientes que começou a representar e por uma coincidência — todos eram empresários famosos e políticos influentes envolvidos nos casos que transcorriam na 7ª Vara. Cobrava honorários milionários. Em troca, oferecia uma suposta proximidade com o juiz Marcelo Bretas. Para mostrar que não era blefe, o advogado fornecia detalhes das investigações, tinha informações sobre depoimentos de testemunhas e mostrava documentos sigilosos. Também prometia tratamento judicial privilegiado.

Em certo momento, a partir de denúncias de alguns dos potenciais clientes, o advogado passou a ser formalmente investigado e, por conta disso, segundo consta, começou a chantagear o juiz. Na carta, Nythalmar relata episódios que insinuavam uma ligação muito próxima entre os dois. Ao cobrar lealdade de Bretas, o defensor diz que deu mostras da “consideração pessoal” com o magistrado, ao informá-lo, por exemplo, sobre um esquema que Sérgio Cabral havia montado para vasculhar a vida dele e de seus familiares. O ex-governador, descobriu-se depois, realmente levantou informações da vida do juiz para tentar constrangê-lo.

O tom de chantagem fica ainda mais evidente em outro trecho da missiva. Em setembro de 2020, Bretas foi punido pela Justiça por participar de uma solenidade ao lado do então presidente Jair Bolsonaro. O episódio foi usado pelo advogado para claramente emparedar o juiz. “Lembre-se que o encontro com o presidente foi suficiente para puni-lo. Imagine se todos souberem tudo que sei, com as provas que tenho. Será o fim de suas — juiz e procuradores da FT (força-tarefa da Lava-­Jato) — carreiras, trabalhos, imagens, famílias. Ou seja, tudo pelo que vocês lutam será destruído da mesma forma que vocês fizeram comigo com mentiras, abuso de poder e ilegalidade, por mera vaidade.”

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MENSAGENS - Gilmar: o ministro do STF foi citado como um alvo do juiz
MENSAGENS - Gilmar: o ministro do STF foi citado como um alvo do juiz (Mateus Bonomi/AGIF/AFP)

No documento, Bretas também é pressionado por supostamente patrocinar uma atuação deliberada contra o mais notório crítico da operação, o ministro Gilmar Mendes. “Tenho um grande acervo de tratativas, inclusive as mensagens do Messenger e Facebook, onde o senhor age contra o ministro Gilmar Mendes, o qual tenho certeza que (…) gostaria de ter acesso”, afirma. Nythalmar não diz a que estava se referindo. Em seguida, enumera evidências de que o juiz pressionava os investigados para obter confissões. “Gravei há três anos aquela conversa para provar para o Cavendish que ele podia confessar, pois sabia da importância dessa confissão para a manutenção da Lava-Jato nas suas mãos”, relata.

O empreiteiro Fernando Cavendish, cliente de Nythalmar, foi preso, condenado, tornou-se delator e responde aos processos em liberdade. Bretas, de acordo com o advogado, teria prometido “aliviar” a pena do empresário em troca da colaboração. Na carta, Nythalmar não apresentou provas das acusações. Identificado posteriormente como autor da chantagem, ele mesmo se tornou um delator. Entre as evidências que enumerou para sustentar suas denúncias, estão gravações de conversas com o juiz da Operação Lava-­Jato. Quem teve acesso garante que o material é realmente comprometedor. Além dos diálogos, duas outras delações enviadas ao CNJ corroboram a estranha relação que havia entre o advogado e o magistrado. Caso sejam comprovadas, no final do processo, elas podem resultar na aposentadoria compulsória de Bretas. Mesmo que isso não aconteça, a toga de herói — definitivamente — já não lhe dá superpoderes.

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Publicado em VEJA de 5 de abril de 2023, edição nº 2835

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