Carta ao Leitor: Uma dinâmica negativa
Pesquisas indicam que as eleições de 2022 serão vencidas pelo candidato que o eleitor odeia menos. Não é um bom caminho
Em 2016, os dois principais candidatos a presidente dos Estados Unidos iniciaram a disputa com índices de rejeição inéditos. As pesquisas mostravam que o republicano Donald Trump era desprezado por nada menos que 53% dos eleitores. No ranking histórico de impopularidade, só ficava atrás de David Duke, o ex-líder da organização racista Ku Klux Klan, que disputou as primárias pelo mesmo Partido Republicano em 1992 e era repudiado por 69% dos americanos. A democrata Hillary Clinton, sua adversária, também acumulava desaprovação em níveis recordes, beirando os 40%. Trump, como se sabe, venceu as eleições, depois de uma campanha agressiva, em que a troca de acusações se sobrepôs à discussão de propostas — nascia ali o primeiro caso emblemático de um fenômeno que tem se repetido em várias partes do mundo, inclusive no Brasil.
Até muito recentemente, havia um dogma entre os marqueteiros e cientistas políticos: o candidato que cruzasse a linha dos 30% de rejeição antes do início da campanha poderia ser eleitoralmente descartado. Se essa premissa ainda tivesse alguma valia, Jair Bolsonaro, Lula, Sergio Moro, João Doria e Ciro Gomes, os principais pré-candidatos a presidente da República nas eleições do ano que vem, estariam em apuros. De acordo com as pesquisas, Bolsonaro amarga índices de rejeição que se aproximam dos 70%. Lula, hoje favorito, é repudiado por 39% dos brasileiros. Sergio Moro, que entrou oficialmente na política há apenas uma semana, mobiliza uma impressionante legião de antipatizantes (cerca de 61%). Não seria exagero afirmar, portanto, caso essa tendência negativa continue, que as eleições de 2022 serão vencidas não por aquele em que o eleitor deposita esperanças de um futuro melhor, mas, sim, pelo nome que os brasileiros odeiam menos. Não é um bom caminho.
Na ânsia de entender a gênese desse fenômeno e buscar um antídoto, os partidos têm realizado levantamentos de opinião pública para compreender o humor do eleitorado. Por enquanto, há duas constatações. A primeira delas é que os brasileiros se mostram irritados e descrentes com as respostas que a classe política tem oferecido à sociedade. Quando se pergunta sobre o sentimento em relação às eleições, são comuns citações como vergonha, incerteza e medo. A outra infeliz convicção é o papel preponderante da polarização ideológica na construção desse cenário ruim. Numa dinâmica impulsionada pelas fake news e redes sociais, quem é simpatizante do candidato A abomina o candidato B, e vice-versa. Quem apoia o candidato C quase sempre detesta A e B. E quem não gosta de A, B ou C é inimigo de todos — o que cria um círculo vicioso alimentado pelo ódio. É atalho para que a emoção se sobreponha à razão. É sinônimo de empobrecimento do debate de ideias. Vale a narrativa da repulsa — e não o bom senso civilizatório.
A falta de discussões mais profundas sobre os problemas brasileiros é uma tremenda derrota. A reportagem que começa na página 26 mostra que reverter essa onda será um dos desafios seminais dos candidatos, sobretudo os da chamada terceira via. Se o tom mercurial permanecer, desperdiçaremos, mais uma vez, a oportunidade de alcançarmos uma situação econômica e social mais justa. O pleito presidencial não é uma briga de rua, uma disputa entre inimigos. Só quem se beneficia desse ambiente nervoso são os políticos que estimulam os ataques e a raiva de parte a parte. Eles, sem dúvida, ganham visibilidade, seguidores e um patamar eleitoral que pode levá-los ao segundo turno. Enquanto isso, o país inteiro perde, em permanente instabilidade, condição que afasta investimentos e pode provocar rupturas.
Publicado em VEJA de 24 de novembro de 2021, edição nº 2765