Nem sempre é agradável recordar certas passagens da nossa história, mas vale o exercício para compreender as agruras e a evolução de um país. No campo dos direitos, não faltam registros deploráveis nas questões raciais, religiosas e também de gênero: até 1932, as mulheres simplesmente não podiam escolher seus governantes e parlamentares no Brasil. Conquista implementada durante o primeiro governo de Getúlio Vargas, sua participação política foi fruto da pressão de determinados grupos, com destaque para a Federação Brasileira para o Progresso Feminino, liderada pela bióloga Bertha Lutz. Mesmo assim, inicialmente o voto de mulheres era facultativo, tendo sido equiparado ao dos homens apenas em 1965.
A partir desse início tardio, a presença feminina em cargos eletivos vem sendo tímida na vida política brasileira. Na última eleição, 85% das cadeiras da Câmara foram ocupadas por homens. No Senado, o índice ficou em patamar semelhante, na ordem de mais de 80%. Evidentemente, houve avanços nas últimas décadas. Elegemos boas deputadas, prefeitas, senadoras, governadoras e até uma presidente da República (que, infelizmente, ficou devendo no campo econômico). Mas ainda é inegável o predomínio masculino nas candidaturas aos mais diversos postos em disputa, uma distorção que precisa ser corrigida e que, riscada da paisagem eleitoral, tem tudo para se traduzir em importantes benefícios para o país.
Embora a representação política não seja proporcional à sua relevância, o papel decisivo das mulheres torna-se cada vez mais evidente. Neste pleito, elas serão nada menos que 53% do total de votos. Portanto, não é exagero concluir que podem definir quem será o próximo presidente da República — não apenas por formarem a maioria, mas pelo seu alto comprometimento. Como revela a reportagem que começa na página 32, o eleitorado feminino deixou de votar de maneira semelhante aos homens e vem demonstrando características próprias nos últimos tempos, dando prioridade a temas centrais e muito bem definidos nas suas escolhas. Além disso, as mulheres sinalizam maior abertura a uma mudança de opinião. Ou seja: ao contrário de parte dos homens que a meses da eleição já tem certezas absolutas, elas vão ouvir e prestar atenção nas falas e propostas dos candidatos. São atitudes lúcidas (e, sobretudo, louváveis) de um eleitorado extremamente valioso.
Publicado em VEJA de 22 de junho de 2022, edição nº 2794