Muitos leitores de VEJA se habituaram, nos quase 55 anos da revista, em 2 793 edições, a começar a leitura de trás para a frente — e com especial interesse e recompensa, porque nossa última página foi sempre um dos mais nobres espaços da imprensa brasileira. Lá atrás, nas décadas de 60 e 70, o lugar ainda era destinado em letras miúdas a cotações da bolsa de valores, em tempo sem pregão eletrônico. Depois, nos anos 1980 e 1990, transformou-se num palco importante para o debate de ideias, ocupado pela seção chamada Ponto de Vista. Passearam por ali cidadãos comuns e celebridades que tinham algo a dizer, com desapego e coragem. Curiosamente, foi ágora também de personagens exóticos que ganhariam relevância com o passar dos anos.
Em 1986, um certo capitão de artilharia do Exército, Jair Messias Bolsonaro, então com 31 anos, reclamou naquele canto dos baixos salários da corporação, em artigo que resultou em prisão por “transgressão grave”, acusado de “ter ferido a ética, gerando clima de inquietação no âmbito da organização militar”. Em 1989, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, o irmão do Henfil da canção O Bêbado e a Equilibrista, homem de ideias corretas na hora certa, teve a ousadia e a grandeza de defender a permanência no Brasil do ditador paraguaio Alfredo Stroessner, que tinha sido deposto: “Tenho certeza de que o general jamais soube o que é direito de asilo; por isso eu peço que lhe seja concedido”. Em 1993, o escritor e sanitarista gaúcho Moacyr Scliar informava a seus leitores que “médico não é Deus”.
Em sua terceira encarnação, a partir dos anos 1990, o espaço chegou ao seu melhor momento ao abrigar penas extraordinárias. Inicialmente, o jornalista e escritor Roberto Pompeu de Toledo, depois o ex-diretor de VEJA J.R. Guzzo e, mais recentemente, Dora Kramer. A partir desta edição, o novo ocupante da derradeira página é o capixaba José Casado, um dos mais bem informados jornalistas da cobertura política e econômica do Brasil, de unânime respeito entre seus pares. Casado, cuja prosa calma e inteligente ecoa no que escreve, tem todas as qualidades de seus antecessores, ao reunir informação privilegiada, texto elegante e bom senso, no avesso da polarização que pôs o país numa encruzilhada ideológica. “É uma honra e imensa responsabilidade histórica ter em mãos a última página de VEJA”, diz. Como manda a dinâmica do jornalismo atual, ele obviamente manterá sua coluna em nosso site, com diversas publicações diárias, fruto de uma apuração permanente e cuidadosa. Lê-lo é obrigatório, aqui ou lá. E, se for o caso de saltar desta Carta ao Leitor para o fim da revista, que assim seja, com a certeza de ter em mãos, entre uma ponta e outra, um miolo repleto de dezenas de reportagens que representam, semanalmente, o que há de melhor na cobertura jornalística do Brasil. Boa leitura.
Publicado em VEJA de 15 de junho de 2022, edição nº 2793