Ao discursar na conferência do PT em Brasília em dezembro passado, evento que deu o pontapé inicial na campanha eleitoral do partido, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstrou confiança em reverter o resultado de 2020, quando a sigla não elegeu prefeito em nenhuma capital, o pior desempenho da história do petismo. “Nós poderemos ter uma extraordinária vitória nessas eleições”, profetizou a uma plateia lotada de dirigentes e candidatos. “O que eu prometo é ser um bom cabo eleitoral”, completou. A aposta se materializou na expressão “Time do Lula”, com a qual o PT anunciou seus concorrentes a prefeito — treze (número do partido) deles nas capitais. Faltando menos de duas semanas para a votação, no entanto, em apenas quatro dessas cidades o partido se mostra competitivo e em nenhuma é o favorito na corrida.
Em alguns centros importantes, o desempenho dos “craques” de Lula é decepcionante, a exemplo do que ocorre em Belo Horizonte, terceiro maior colégio eleitoral do país, onde a esquerda foi dividida para a disputa, após diversas tentativas de lançar candidatura única. O deputado Rogério Correia (PT) amarga a quinta colocação, com 6% dos votos e longe do líder, Mauro Tramonte (Republicanos), que tem 28%. Em Porto Alegre, cidade em que o PT esperava colher dividendos eleitorais após os grandes investimentos do governo federal no atendimento às vítimas das chuvas, a deputada Maria do Rosário (PT), que chegou a liderar a disputa, foi ultrapassada pelo prefeito Sebastião Melo (MDB), que abriu 17 pontos de vantagem (41% a 24%), e vê até a vaga para o segundo turno ser ameaçada por Juliana Brizola (PDT), que tem 17% e está em alta na reta final.
Os concorrentes petistas com chances reais de vitória nas capitais podem ser contados nos dedos. O principal município em que o PT é competitivo como cabeça de chapa é Fortaleza, a maior cidade do Nordeste, capital do estado governado por um petista (Elmano de Freitas) e reduto de outro cacique da sigla, o ministro Camilo Santana (Educação). O candidato do petismo, Evandro Leitão, tem 24,6%, em empate quádruplo dentro da margem de erro com André Fernandes (PL), Capitão Wagner (União Brasil) e o prefeito José Sarto (PDT). O partido também empata tecnicamente na ponta em Goiânia (Adriana Accorsi), Teresina (Fábio Novo) e Natal (Natália Bonavides). Em Manaus, Florianópolis, Campo Grande, Aracaju, Cuiabá, João Pessoa e Vitória, a possibilidade de nem chegar ao segundo turno é a hipótese mais realista.
A dificuldade para Lula é grande não apenas entre os candidatos “puro-sangue”. Nas capitais em que o PT optou por um aliado com mais chances, a situação também inspira cuidados. Na disputa mais importante, em São Paulo, a chapa que tem Guilherme Boulos (PSOL) como candidato a prefeito e a ex-ministra Marta Suplicy (PT) como vice empata tecnicamente com o prefeito Ricardo Nunes (MDB) em quase todas as simulações, o que indica ao menos a possibilidade de ir ao segundo turno. Na condição de vice, o PT ainda sonha com ir à etapa final da eleição em São Luís (com Duarte Jr., do PSB), mas vê como praticamente certos os naufrágios em Salvador (onde apoia Geraldo Junior, do MDB), Macapá (com Paulo Lemos, do PSOL) e Belém (com Edmilson Rodrigues, do PSOL) — esta última foi a única capital em que o PT conseguiu ao menos a vice-prefeitura em 2020.
A perspectiva otimista que embalava o petismo era baseada em um único alicerce: a imagem do governo Lula. A aposta até fazia sentido porque em 2004, na eleição seguinte à primeira chegada de Lula ao Palácio do Planalto, o PT elegeu prefeito em nove capitais, o melhor desempenho em sua história. A ideia era usar as realizações federais para alavancar candidaturas do partido. “As coisas que plantamos ainda não nasceram, vão nascer no ano que vem. E vocês vão estar em campanha”, avisou Lula na conferência do PT. A aposta, porém, não deu totalmente certo. Programas importantes patinam na execução, como o Novo PAC, que colocou para andar só um terço das obras previstas e é conhecido por apenas 51% da população, segundo pesquisa Quaest. Boas (mas ainda tímidas) notícias na área econômica foram ofuscadas pela fumaça das queimadas nas últimas semanas (veja a reportagem na pág. 22), em um momento delicado do processo eleitoral.
Desde a pré-campanha havia a expectativa de candidatos do PT ou de partidos aliados de que Lula atuasse como “um bom cabo eleitoral”, como havia prometido. Mas o presidente vem tendo uma atuação discreta, motivado principalmente pela sua intenção de não ir a cidades em que há disputas com candidatos de partidos que compõem sua base no Congresso. Ele participou de atos de rua da campanha de Boulos e do lançamento da candidatura de Evandro Leitão em Fortaleza — a única de um postulante do PT a ter a presença do presidente. E tudo indica que não será muita coisa além disso. Lula era esperado para comícios em São Paulo neste final de semana, o último antes do primeiro turno, mas cancelou as agendas para prestigiar a posse da presidente eleita do México, Claudia Sheinbaum.
Há a possibilidade de o presidente participar de um comício da chapa Boulos-Marta no sábado, dia 5, véspera da votação. Se não comparecer, a presença dele na reta final será limitada aos vídeos já gravados de apoio aos candidatos e a fotos com os companheiros. Apesar disso, alguns ainda não desistem de sonhar com uma surpresa de última hora. “Até o dia 5 estarei em diálogo com a equipe dele”, diz Natália Bonavides. Mesmo sem a presença física, no entanto, Lula é figura constante nas campanhas de rádio e TV. “Nossa intenção é mostrar para a população a ligação com o presidente e dizer que a parceria rende frutos”, afirma Adriana Accorsi.
A conjuntura política na qual está inserido o governo Lula 3 também ajuda a explicar a dificuldade para uma nova hegemonia petista. Para o cientista político Antonio Lavareda, presidente do conselho consultivo do Ipespe, há uma combinação de vários fatores: a ampla aliança que Lula fez com partidos, inclusive de centro-direita, para se eleger em 2022; a disposição do PT em apoiar candidaturas competitivas dessas legendas; e o crescimento das siglas de centro e direita nos municípios.
Lula também cometeu um erro sério de avaliação política. Tanto ele quanto a cúpula petista acreditavam que o embate seria com o bolsonarismo, o que não está ocorrendo. “Sinceramente, acho que vai ser outra vez Lula e Bolsonaro disputando essas eleições nos municípios”, disse o petista em dezembro. Nas capitais, no entanto, o PT perde, em sua maioria, para siglas de centro, como União Brasil e PSD. Já o PL de Jair Bolsonaro, como o PT, também tem candidatos competitivos em poucas capitais, como Fortaleza (André Fernandes), Belo Horizonte (Bruno Engler) e Aracaju (Emília Corrêa). “O PT está longe de se recuperar do dano eleitoral de 2016, quando perdeu 60% das prefeituras que havia conquistado em 2012”, avalia Lavareda. O especialista acha possível ainda o partido reagir em cidades médias e conquistar uma ou outra capital.
O reerguimento da legenda na esfera municipal é importante para o PT, mas ganha significado ainda maior para Lula. O desempenho é estratégico para os planos do petismo para 2026, quando pretende reeleger o presidente e aumentar a presença no Congresso, hoje bastante inclinado à direita. A julgar pela reta final da atual eleição, a performance, por enquanto, deixa mais dúvidas do que certezas sobre a aposta.
Publicado em VEJA de 27 de setembro de 2024, edição nº 2912