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Bolsonaro visita Israel sob perspectiva de mudança em política externa

Viagem também deve ser usada para agradar setores evangélicos do Congresso e impulsionar campanha pela reeleição de Benjamin Netanyahu

Por Julia Braun, de Jerusalém
Atualizado em 30 mar 2019, 17h43 - Publicado em 30 mar 2019, 13h39
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  • O presidente Jair Bolsonaro desembarca neste domingo, 31, em Israel para uma visita de consolidação da aliança de seu governo com o de Benjamin Netanyahu. O resultado dessa agenda poderá mudar bruscamente a política externa do Brasil e, em especial, suas relações com os países do Oriente Médio.

    Bolsonaro anunciou antes mesmo de tomar posse suas intenções de transferir a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, gesto que representa o reconhecimento da cidade santa como capital israelense e que desconsidera o pleito de soberania palestina sobre sua porção oriental.

    Após muitas críticas, o governo brasileiro deixou o tema em banho-maria até as vésperas da viagem, quando o presidente anunciou que pretende abrir apenas um escritório de negócios em Jerusalém, em vez da emblemática transfência da embaixada. A medida parece ter sido a saída encontrada por seu círculo mais próximo para agradar seus aliados domésticos, em especial a bancada evangélica do Congresso, sem ferir gravemente as relações comerciais com o mundo árabe.

    Porém, ainda que de forma de forma menos brusca, a viagem a Israel promete ser a consolidação da mudança anunciada pelo governo Bolsonaro para a política externa brasileira.

    Segundo Rubens Ricupero, diretor do Departamento de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), as primeiras visitas de um chefe de Estado são carregadas de simbolismo. No caso do Brasil, tiveram como principal destino a Argentina nos últimos governos, como meio de assinalar o compromisso do país com o Mercosul e a América do Sul.

    Na gestão de Jair Bolsonaro, essa conotação perdeu sentido. O presidente escolheu três destinos com o signo da extrema-direita: Estados Unidos, Israel e Chile (embora menos radical que os anteriores). “A visita a um governo israelense muito combatido e isolado segue uma ótica puramente ideológica”, afirmou Ricupero.

    A indicação de que não haverá anúncio da transferência da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém tem um componente tranquilizador, especialmente para a área econômico-comercial. Mas a decisão de abrir um escritório de negócios na cidade santa, para Ricupero, ainda trará prejuízo. Para o ex-ministro da Fazenda e ex-secretário-geral da Agência das nações Unidas para o Comérico e o Desenvolvimento (Unctad), melhor seria a escolha, por exemplo, de um escritório de cooperação em irrigação ou de um instituto cultural.

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    Para José Augusto Guilhon Albuquerque, professor emérito de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, a escolha de Jerusalém como destino para uma de suas primeiras viagens internacionais do presidente pode trazer o isolamento do governo Bolsonaro em longo prazo.

    “Em qualquer outro momento, a viagem a Israel seria perfeitamente adequada, embora não prioritária. Mas, neste momento e nesta ordem – a segunda viagem bilateral, depois dos Estados Unidos – é inadequada”, diz. “O mundo muçulmano é extremamente importante comercial e politicamente. Dar um tapa na cara dos países muçulmanos sem provocação deles é um ato inútil e com consequências nada agradáveis”, completa Guilhon Albuquerque.

    A transferência da embaixada é um gesto de reconhecimento da soberania de Israel sobre Jerusalém, uma questão que divide árabes e israelenses no conflito no Oriente Médio, além da própria comunidade internacional.

    Os palestinos reivindicam a porção oriental da cidade como capital de seu futuro Estado, mas os israelenses a consideram indivisível. Pelo plano de partilha da Palestina, de 1947, a cidade deveria ter status internacional, mas Israel tomou a parte ocidental na guerra de 1948. Anexada pela Jordânia, a porção do Oriente de Jerusalém foi ocupada por Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967.

    Atualmente, a maior parte dos países mantém suas embaixadas em Tel Aviv, com exceção dos Estados Unidos e da Guatemala. Honduras e Romênia anunciaram nesta semana a intenção de transferir sua representação diplomática para Jerusalém.

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    Rubens Barbosa, que serviu como embaixador do Brasil em Washington, afirma que ainda é cedo para falar em alteração brusca na política externa, mas reconhece que há uma mudança de ênfase no posicionamento em relação a Israel e ao mundo árabe.

    Há uma semana, o governo brasileiro votou contra a resolução que condenava Israel por suas ofensivas militares contra os palestinos e aos territórios ocupados no Conselho de Direitos Humanos da ONU. No passado, o país foi favorável a decisões semelhantes e, em 2018, chegou inclusive a apoiar a criação da comissão de investigação sobre a repressão na fronteira de Israel com a Faixa de Gaza.

    O Brasil sempre pleiteou uma solução de dois Estados para o conflito entre israelenses e palestinos, que propõe a criação de dois Estados separados – um judeu e o outro árabe.

    “A política brasileira em relação à região deve ser mantida. Seria uma surpresa e uma grande responsabilidade para o governo atual se os 60 anos de política externa (desde a criação do Estado de Israel em 1948) fossem mudados agora”, afirma Barbosa.

    Já a Confederação Israelita do Brasil (Conib) vê com bons olhos a nova postura do governo brasileiro. “Uma visão mais equilibrada dos conflitos na região contribuirá para se chegar a soluções justas. A capital de Israel fica em Jerusalém, e um movimento do Brasil no reconhecimento desse fato é positivo”, afirmou o órgão em comunicado.

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    Em sua viagem a Israel, em 2010, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou a Cirsjordânia e passou também pela Jordânia. Desta vez, Bolsonaro se restringirá aos territórios sob controle israelense.

    Para muitos, a viagem a Israel também é uma forma encontrada pelo líder brasileiro de agradar setores religiosos, especialmente os evangélicos, do país. Jerusalém é sagrada não só para judeus e muçulmanos, mas também para os cristãos. A peregrinação de brasileiros à cidade sagrada cresceu nas últimas décadas por iniciativa das denominações pentecostais, em especial da Igreja Universal do Reino de Deus.

    Na Cidade Velha está a Via Crucis e a Basílica do Santo Sepulcro. De acordo com a tradição cristã, foi entre suas muralhas que Jesus foi condenado, crucificado e sepultado. A basílica é administrada e repartida entre as igrejas Católica Romana, Católica Ortodoxa, Armênia, Ortodoxa Copta, Ortodoxa Siríaca e a Igreja Ortodoxa Etíope.

    Apoio a Netanyahu

    Do ponto de vista do governo de Israel, a visita de Jair Bolsonaro fortalece a campanha pela reeleição do  primeiro-ministro Benjamin Netanyahu em 9 de abril. O premiê concorre com margem estreita de vantagem. É suspeito de ter cometido suborno e tem contra si três acusações de corrupção que envolvem benefícios a empresas privadas. As denúncias enfraqueceram Netanyahu a ponto de fazer sua derrota possível, depois de 10 anos no poder.

    Em busca de apoio, o israelense viajou aos Estados Unidos na semana passada e conseguiu a assinatura de Donald Trump em um documento que reconhece a soberania de Israel sobre as Colinas de Golã, conquistadas pelo país durante a Guerra dos Seis Dias em 1967. A anexação da região, em 1981, nunca foi assentida pela ONU.

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    Agora, o primeiro-ministro israelense busca demonstrar que tem a aprovação do Brasil, terceira maior comunidade judaica das Américas, para sua reeleição. O governo de Netanyahu quer a transferência da embaixada brasileira para Jerusalém e deve pressionar Bolsonaro durante a visita para que a mudança seja anunciada antes da eleição.

    Ainda que tenha dito que a instalação de um escritório de negócios é a opção mais provável neste momento, o líder brasileiro não descartou definitivamente essa hipótese. E, como se viu nos três primeiros meses deste ano, nada é impossível para o novo governo.

    O cientista político e professor da Universidade de São Paulo José Álvaro Moisés explica que a influência de Bolsonaro pode ser importante para Netanyahu no período eleitoral, já que há um grande número judeus brasileiros vivendo em Israel.

    Mundo árabe

    Quando o Brasil anunciou sua intenção de transferir a embaixada para Jerusalém, no ano passado, países árabes condenaram a decisão imediatamente. A Liga Árabe declarou, na ocasião, que se o plano fosse mantido, a região tomaria as “medidas políticas, diplomáticas e econômicas necessárias” diante de um ato considerado como “ilegal”. Já o governo do Irã afirmou que tal medida “não vai ajudar a paz, a estabilidade, a segurança e a recuperação dos direitos do povo palestino”.

    As ameaças não tardaram de virar realidade. A Arábia Saudita, maior consumidora de aves importadas do Brasil, alegou questões sanitárias para impor barreiras. Os Emirados Árabes Unidos enviaram sua mensagem logo no dia da posse de Bolsonaro, ao enviar sua ministra de Segurança Alimentar, Marian Mehairi.

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    O setor agrícola teme reflexos negativos nas exportações com a decisão. Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) mostram que, em 2018, o Brasil exportou para o Oriente Médio — excluído Israel — um total de 9,4 bilhões de dólares em produtos. O Irã foi o maior importador de bens brasileiros da região e é o 23º maior mercado mundial do Brasil, com 2,26 bilhões de dólares. Já Israel importou 321 milhões de dólares no mesmo período, o que coloca o país em 65º lugar no ranking de compradores do Brasil.

    O Brasil também é um dos maiores exportadores de carne Halal do mundo, e esse comércio pode enfrentar problemas se Bolsonaro irritar os países árabes com a transferência da embaixada. Isso poderia afetar fortemente as exportações para os principais mercados do Oriente Médio das empresas BRF e JBS.

    Os alimentos Halal são aqueles permitidos pela religião islâmica. Entre as carnes, os muçulmanos só comem frango ou carne bovina se o animal tiver sido degolado com o corpo voltado à cidade sagrada de Meca, ainda vivo, e pelas mãos de um muçulmano praticante, geralmente árabe.

    Antes do abate de cada animal, o degolador pede autorização a Deus, em árabe ou persa, como forma de mostrar obediência e agradecimento pelo alimento. Peixes são considerados Halal por natureza, porque saem da água vivos. Já os suínos são considerados impuros e proibidos pelo modo como se alimentam.

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