Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Às vésperas da nova legislatura, Lula patina para montar base parlamentar

Somados os deputados de partidos que o apoiaram, Lula teria 282 votos, insuficientes até para aprovar emenda à Constituição - e são muitos os descontentes

Por João Pedroso de Campos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 21 jan 2023, 08h00

Para sair vitorioso na mais acirrada eleição presidencial desde a redemocratização do país, Luiz Inácio Lula da Silva teve de caminhar em direção ao centro e ampliar o palanque para receber políticos de mais de quinze partidos, da esquerda à direita. Apesar disso, saiu das urnas longe de ter maioria no Congresso. Antes da posse, já teve o desafio de articular a aprovação de uma mudança na Constituição que flexibilizou o teto de gastos para garantir recursos a programas sociais, uma das principais promessas eleitorais. Só conseguiu porque teve a ajuda de deputados de partidos fora da esquerda, muitos deles aliados de Jair Bolsonaro na eleição. Depois dessa primeira sinalização do que poderia vir a ser uma base parlamentar, Lula cedeu espaços no governo a siglas que nem o apoiaram na campanha, como União Brasil e PSD, em troca de aliança política. Tudo isso, no entanto, não garantiu ao petista um céu de brigadeiro no novo Congresso, que inicia o seu mandato no dia 1° de fevereiro. Pelo contrário, já é possível ouvir as primeiras trovoadas.

Uma simples “conta de padaria” já mostra o tamanho da encrenca: somados os deputados de todos os partidos que têm ministérios e de outros que o apoiaram formalmente na campanha, Lula teria 282 votos, insuficientes até para aprovar uma emenda à Constituição, que demanda 308 apoios. Mas o cálculo não é tão simples, e o saldo é ainda pior, porque partidos importantes que aceitaram posições na máquina federal não estão fechados com o governo. Parte das bancadas na Câmara de União e PSD está insatisfeita, enquanto legendas menores que acompanharam Lula desde o primeiro turno e foram alijadas da Esplanada estão à espera de algum agrado — leia-se cargos, em especial no segundo escalão, que começa a ser dividido.

Um dos nós desse tipo de negociação é que não basta entregar uma pasta a um político de determinado partido. O ministro deve ter representatividade suficiente para garantir votos de parlamentares de sua sigla. Além disso, indicar alguém ligado à bancada da Câmara não se confunde com contemplar os senadores da mesma legenda (e vice-versa). Entre os novos inquilinos da Esplanada, o União é o mais bem-acabado exemplo de articulação que deu errado. Membros da bancada de 59 deputados estimam que um terço, no máximo, é governista. Uma declaração de independência, já ensaiada algumas vezes, deve ocorrer em breve.

Continua após a publicidade

Embora o governo atribua ao partido as indicações dos ministros Juscelino Filho (Comunicações), Daniela Carneiro (Turismo) e Waldez Góes (Integração Nacional), os descontentes dizem que as tratativas passaram pelo líder do partido no Senado, Davi Alcolumbre (AP), sem que ele falasse pela sigla. Juscelino e Daniela, apesar de serem deputados, não têm densidade política, enquanto Waldez, aliado de Alcolumbre e filiado ao PDT, ocupou o ministério depois de o líder do União na Câmara, Elmar Nascimento, ter sido barrado pelo PT. Ainda agravaram o ambiente as revelações de que Daniela tem ligações com milicianos em Belford Roxo (RJ), cidade onde seu marido, Waguinho, é prefeito. “O governo teve oportunidade de fazer uma aliança, um casamento de papel passado, mas preferiu ter o partido como ‘amante’ ”, ironiza Nascimento. O União Brasil não é o único aliado que embarcou no governo de última hora e com um pé dentro e outro fora da canoa. As frustrações também atingem parte da bancada do PSD, que viu o deputado André de Paula (PE) ser nomeado para a pasta da Pesca. “Esse ministério só atende às regiões Norte e Sul do país”, reclama um deputado do Sudeste, que faz questão de comparar o porte do ministério oferecido aos deputados pessedistas ao das pastas ocupadas pelo PSD do Senado: Agricultura (Carlos Fávaro) e Minas e Energia (Alexandre Silveira).

DE FORA - Janones: após atuação na eleição, Avante queria lugar na Esplanada -
DE FORA - Janones: após atuação na eleição, Avante queria lugar na Esplanada – (Mauro Pimentel/AFP)

O desconforto atinge também aqueles que botaram os dois pés na canoa lulista ainda no primeiro turno, mas ficaram fora da festa por ser considerados passageiros de segunda classe — ou seja, pequenos demais. O maior deles, o Avante (sete deputados), é quem mais ajudou Lula na campanha, por meio do deputado André Janones (MG) nas redes sociais. O partido queria um ministério (Turismo, Pesca ou Secretaria de Comunicação), mas saiu de mãos abanando. Outro aliado de primeira hora descontente é o Solidariedade, cujo principal líder, Paulinho da Força, ficou sem mandato e sem cargo. Além disso, viu rivais no sindicalismo como Luiz Marinho (Trabalho) e Carlos Lupi (Previdência) ganharem ministérios — o prêmio de consolação pode ser um cargo no Sebrae ou na Ceagesp. No PV, nem a ida de Leandro Grass para o Iphan acalmou a bancada. “A negociação não passou por nós, foi feita diretamente pelo Leandro. Agora o que vier será a sobra da sobra, de terceiro ou quarto escalão”, diz um insatisfeito. Ele lembra que o PCdoB também elegeu seis deputados, mas recebeu um ministério (Ciência e Tecnologia) e uma secretaria na pasta da Saúde.

Continua após a publicidade

Com a nova legislatura batendo à porta e com o governo precisando deslanchar os seus projetos, os líderes de Lula terão de se virar com um cenário que não é o ideal: negociar cada proposta, sempre correndo o risco de pagar um preço alto dependendo da necessidade. É o tipo de relação que sempre consagrou o Centrão. No atual momento, mesmo deputados de partidos que apoiaram Bolsonaro, como PL e PP, sobretudo no Nordeste, estão na agenda de diálogo — não se descarta que apadrinhem indicações a escalões subalternos. O que não falta é cargo importante. Elmar Nascimento, o cacique preterido do União, pode ficar com a Codevasf, autarquia que toca projetos importantes no Nordeste. Entre os nanicos, estão na mesa de negociações INSS, Incra, agências reguladoras e estatais como os Correios, empresa que deveria, mas não foi privatizada no governo Bolsonaro. “Não se monta governo e base sem conviver com esses problemas, é natural que os partidos aliados façam seus pleitos”, releva o futuro líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).

SEM NADA - Paulinho: o deputado não foi reeleito e seu partido não ganhou cargo -
SEM NADA - Paulinho: o deputado não foi reeleito e seu partido não ganhou cargo – (Andre Ribeiro/Futura Press)

O chamado “presidencialismo de cooptação” não é novidade no Brasil. A troca de ministérios, cargos e emendas por apoio político tem sido regra amplamente disseminada. No caso de Lula, no entanto, o histórico de busca por apoios inclui monumentais esquemas de corrupção, como o mensalão e o petrolão. Reabilitado politicamente, o petista tem tarefas importantes a cumprir, sobretudo na economia, e precisará reforçar as negociações no Congresso para aprová-las. Embora siga a receita do passado para reunir apoios, espera-se que desta vez tudo seja feito de modo mais republicano. O começo, no entanto, já preocupa.

Continua após a publicidade

Publicado em VEJA de 25 de janeiro de 2023, edição nº 2825

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.