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As gravações que marcaram a Lava Jato e as suas consequências

Novo áudio de Joesley Batista, que pode comprometer o futuro dos acordos de colaboração da JBS, entrou para a galeria de grandes sucessos da operação

Por Guilherme Venaglia
Atualizado em 12 set 2017, 18h53 - Publicado em 8 set 2017, 07h10
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  • Era o plano quase perfeito. Joesley Batista gravou o presidente da República e um dos mais influentes senadores do país, segundo colocado nas eleições presidenciais de 2014, em diálogos comprometedores. Ele tinha pego “o [poder] Executivo”. Mesmo que não pegasse “o [poder] Judiciário”, como agora se sabe que era a sua pretensão, já tinha o suficiente para que a Procuradoria-Geral da República (PGR) aceitasse a sua delação e lhe concedesse imunidade total, sem sofrer qualquer tipo de novo processo.

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    A ironia do destino é que o recurso que garantiu a Joesley benefícios que nenhum delator obteve foi, justamente, o que pode derrubá-lo. Uma gravação, entregue junto com a complementação da sua delação, mostrou ao Brasil o empresário e Ricardo Saud, diretor de Relações Institucionais da JBS, em uma conversa cheia de planos pouco republicanos para se livrar da Justiça. O principal é a insinuação de que Marcelo Miller, ex-procurador e hoje advogado, que atuou no escritório responsável pela leniência da empresa, tenha ajudado os delatores quando ainda estava nas fileiras do Ministério Público, um crime não confessado na delação.

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    Essa é apenas mais uma vez em que a Operação Lava Jato é revirada do dia para a noite por uma gravação bombástica. Nesta discoteca, hits de sucesso revelam os detalhes sórdidos da vida política do Brasil, extraídos por recursos variados, de grampos até gravadores estrategicamente escondidos. A tecla rec já foi apertada tantas vezes que foi difícil selecionar quais faixas ganharam um espaço no álbum de grandes sucessos dos três anos da maior investigação contra a corrupção da história do país. São áudios que contêm os mais diversos tópicos, de fugas em barcos pela América do Sul até sangrias estancadas, passando por termos de posse enviados e pelo aviso: “Tem que manter isso aí, viu?”. A seleção você acompanha ao longo desta reportagem.

    Com as últimas flechas do procurador-geral Rodrigo Janot, que pretende levar nomes como o senador Romero Jucá (PMDB-RR) e os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, ambos do PT, ao banco dos réus mais algumas vezes, o resultado final é que todos os áudios abaixo resultaram em investigações criminais em andamento na Justiça. Como isso vai acabar é difícil prever, mas já é possível dizer que, a partir da Lava Jato, a preocupação dos políticos brasileiros com possíveis áudios indesejados aumentou consideravelmente. O maior exemplo é o próprio presidente Michel Temer (PMDB): em seu escritório, um bloqueador de celular distorce gravações. Tem tudo para virar hit.

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    Faixa 1 – “Tem que ir embora”, por Delcídio do Amaral, Bernardo Cerveró & Edson Ribeiro

    Em 21 de novembro de 2015, o então senador Delcídio do Amaral, na época filiado ao PT e líder do governo da presidente Dilma Rousseff, acordou com a visita indesejável da Polícia Federal. Uma gravação, feita por Bernardo Cerveró, mostra Delcídio em uma conversa com o advogado Edson Ribeiro e seu chefe de gabinete, Diogo Ferreira. Era uma combinação para evitar a delação premiada do pai de Bernardo, o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. O áudio justificou um pedido de prisão em flagrante contra o ex-senador.

    Em uma hora e trinta e cinco minutos de conversa, os quatro tratam de diversas formas pelas quais Nestor poderia ser preservado da Justiça, desde fugir em um barco, como é possível ler e ouvir abaixo, até fazer uma delação fake, em que o então senador não fosse citado. Como recompensa, o político garantiria o futuro da família Cerveró: 50.000 reais de mesada, fora um acerto para que o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, desse outros quatro milhões. Esteves também chegou a ser preso por causa da gravação.

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    No mesmo dia, cumprindo o regimento, a continuação da prisão de Delcídio foi à votação no plenário do Senado, mas ele não contou com a boa vontade dos hoje ex-colegas: ficou preso e, em maio de 2016, teve o mandato cassado. Desprestigiado e sem previsão de deixar a cadeia, o ex-senador fechou um acordo de delação e atribuiu ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a ordem para mandar calar o ex-diretor da Petrobras. Foi para a prisão domiciliar.

    Não colou. Concluídas as investigações, o MPF pediu a absolvição de Lula e de Esteves. O procurador Ivan Cláudio Marx afirma que Delcídio mentiu e pede a anulação da sua delação premiada, o que pode devolvê-lo para o regime fechado em breve. O envolvimento do agora polêmico Marcelo Miller na orientação à Bernardo Cerveró deve ser o recurso para que o ex-senador e o pecuarista José Carlos Bumlai, segundo informa a coluna Radar On-Line, tentem agora anular a validade da gravação.

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    Faixa 2 – “Tchau, querida”, por Lula & Dilma

    Em 16 de março de 2016, a então presidente da República Dilma Rousseff (PT) enfrentava um processo de impeachment e passava a realmente considerar a hipótese de ser cassada. Para se salvar, anunciou uma jogada de mestre: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiria a Casa Civil. Na função, usaria toda a sua popularidade e trânsito no Congresso para garantir que Dilma continuasse à frente do governo.

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    No mesmo dia, o juiz Sergio Moro tomou a decisão errada (assumida na sentença em que viria a condenar Lula mais de um ano depois) de divulgar uma polêmica gravação. Dilma telefonara para Lula e informou que o “Bessias”, uma referência ao ex-subchefe da Casa Civil Jorge Messias, estava a caminho de seu apartamento, “com um documento, que é o termo de posse”. Lula deveria tê-lo “em caso de necessidade”.

    Os trechos deram margem para que ganhasse força a interpretação de que o ex-presidente teria sido nomeado para ganhar foro privilegiado e ter o processo tirado das mãos de Moro, na primeira instância, passando a tramitar no Supremo Tribunal Federal (STF). A controvérsia em torno da divulgação diz respeito ao fato de ter sido feita após o fim da autorização judicial para a interceptação telefônica, o que a tornava inválida judicialmente. O caso também se tornou uma das principais alegações do petista de que o juiz atua de forma parcial contra ele.

    O que Dilma também não esperava era a chuva de liminares concedidas por juízes pelo país impedindo que Lula assumisse o cargo, alegando que os ex-presidentes estariam cometendo o crime de obstrução à Justiça. A confusão jurídica só foi resolvida provisoriamente pelo Supremo, onde o relator, ministro Gilmar Mendes, concedeu uma liminar decidindo que o petista não poderia ser ministro.

    Nesta semana, o inquérito que apurava as circunstâncias da nomeação voltou a andar e a notícia foi ruim para Dilma e Lula. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, decidiu denunciá-los por obstrução de Justiça, entendendo que, de fato, a então presidente agiu de má-fé ao colocar o padrinho político no cargo. O caso agora tramita no mesmo STF, que nunca deu uma sentença definitiva sobre a chegada de Lula ao cargo.

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    Faixa 3 – “Estancar a sangria”, por Romero Jucá & Sérgio Machado

    Figura de ótimo trânsito entre o PSDB e o PMDB, o ex-senador e ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado mostrou que aprendeu a lição de Bernardo Cerveró: gravar interlocutores em diálogos criminosos é um bom caminho para conseguir um bom acordo com o MPF, a mesma fonte na qual Joesley beberia cerca de um ano depois.

    Em uma das gravações que Machado entregou aos procuradores e que lhe renderam uma prisão domiciliar, ele conversa com o senador Romero Jucá (PMDB-RR) sobre uma ajuda para que sobrevivesse às investigações da Justiça. Na conversa, o senador defende o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff “para poder estancar essa sangria”. Ao ouvir o ex-presidente da Transpetro falar em “um grande acordo nacional”, Jucá se anima e adianta “com o Supremo, com tudo”, delimitando as investigações da Lava Jato onde elas estavam.

    Quando as gravações vieram a público, o objetivo do peemedebista estava se concretizando: Dilma estava afastada, Michel Temer havia assumido e ele, Jucá, era o ministro do Planejamento. O novo homem-forte do governo. Era. Em uma época em que acusações de corrupção contra ministros ainda causavam constrangimento, caiu do cargo e voltou ao Congresso.

    Ele ficou sem a coroa, mas não sem poder: tornou-se líder do governo no Senado e continua como o principal articulador do presidente no Legislativo. É mais um dos alvos das flechas de Janot: mesmo com um relatório da Polícia Federal que não viu indícios concretos de crime por parte do senador, ele foi denunciado por tentativa de obstrução a Justiça.

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    Faixa 4 – “Tem que manter isso aí”, por Joesley Batista & Michel Temer

    Em 17 de maio de 2017, o jornal O Globo publicou que o presidente Michel Temer (PMDB) tinha sido gravado pelo empresário Joesley Batista consentindo com o pagamento de propinas em troca do silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e do doleiro Lúcio Funaro.

    O caso gerou a maior crise política do governo de Temer e levou aliados e oposição a cogitarem a renúncia do presidente. Com o passar dos dias e a liberação do áudio, no entanto, Temer foi recuperando força e conseguindo retomar o controle da situação.

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    A gravação aproximou o presidente do precipício em duas situações: aumentou a pressão para que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassasse a chapa eleita em 2014, ele incluso, e gerou uma denúncia, apresentada pelo procurador-geral Rodrigo Janot. Como Temer é presidente da República, só poderia se tornar réu, o que acarretaria seu afastamento do cargo, com autorização da Câmara.

    E ela não veio. Em 2 de agosto, deputados votaram e rejeitaram a licença para que o presidente fosse processado, por 263 a 247 votos. Eram necessários 342 para que a denúncia, que trata do trecho em que o presidente supostamente teria indicado o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) para intermediar negociações ilícitas, prosseguisse. A denúncia agora fica suspensa e só pode ser retomada quando Temer desocupar o Palácio do Planalto, o que deve acontecer em janeiro de 2019.

    A expectativa é que até o final do seu mandato, no próximo dia 17, Janot utilize o trecho que diz respeito a Cunha e Funaro para acusar o presidente de obstrução a Justiça, por supostamente ter tentado atrapalhar o sucesso das investigações. Funaro, é bom lembrar, fechou o acordo de delação que, segundo Joesley Batista, Temer queria evitar.

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    Faixa 5 – “Tem que ser um que a gente mata”, por Joesley Batista & Aécio Neves

    Michel Temer não foi o único que Joesley Batista gravou. Em um outro áudio que faz parte da sua delação, o empresário conversa com o senador Aécio Neves (PSDB-MG) sobre um repasse de 2 milhões de reais. Segundo Joesley, trata-se de propina. Para Aécio, o pagamento pela compra de um apartamento de sua mãe, no Rio de Janeiro.

    Eles combinam sobre o formato da entrega do valor. No final, acertam que Frederico Pacheco de Medeiros, o Fred, primo do tucano, encontrará um “menino” de Joesley para receber o valor. Depois, esse pagamento é filmado em uma ação controlada realizada pela Polícia Federal.

    Um dos trechos que mais geraram polêmica do diálogo é aquele em que Aécio ironiza a segurança que tem em colocar o primo para receber o dinheiro: “Tem que ser um que a gente mata antes de fazer delação”. No dia seguinte à divulgação da gravação, a Polícia Federal prendeu Fred e a irmã do senador, a jornalista Andrea Neves.

    O próprio Aécio escapou da prisão apenas porque o relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, considerou que não se tratava de um flagrante, pré-condição para que um senador em exercício vá para trás das grades, assim como Delcídio. O ministro também determinou a abertura de um inquérito, ainda não concluído.

    Se não mandou prender, Fachin, por outro lado, decidiu afastar Aécio Neves do Congresso. No mesmo dia, afastou-se da presidência do PSDB. Com a mudança de relator e o processo nas mãos do ministro Marco Aurélio Mello, ele conseguiu reassumir o mandato. O partido, no entanto, continua sob a condução do senador Tasso Jereissati.

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    Faixa 6 – “Nós não vamos ser presos”, por Joesley Batista & Ricardo Saud

    A conversa entre Joesley Batista e Ricardo Saud, a gravação mais recente a vir a público, é uma que o empresário provavelmente gostaria de nunca ter ouvido. Entregue para a PGR como um complemento da colaboração anterior, o áudio provocou a abertura de um inquérito de revisão da delação premiada da dupla.

    No trecho destacado abaixo, os delatores dão a entender que Marcelo Miller já estava atuando em favor da JBS antes mesmo de deixar o Ministério Público Federal, possivelmente tentando influenciar Rodrigo Janot a buscar uma colaboração da empresa. As suspeitas levantadas pelo procurador-geral em entrevista coletiva causaram alvoroço e tem tudo, como defenderam ministros do STF, para causar ao menos a suspensão temporária dos benefícios obtidos pelos colaboradores.

    Sem imunidade, basta que o Ministério Público peça e que o relator, ministro Edson Fachin, autorize, para que eles sejam presos. Se, de fato, Joesley Batista, Ricardo Saud e os demais delatores da JBS omitiram informações na delação é difícil de dizer nesse momento. O que é certo, no entanto, é que a gravação, repleta de palavras de baixo calão, menções sexuais indevidas e arrogância, tem tudo para impedir a profecia do empresário: “Nós vamos sair lá na frente. Nós vamos sair amigos de todo mundo. E nós não vamos ser presos. Pronto. E nós vamos salvar a empresa”.

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