No final do século XIX, Francesco Antonio Maria Matarazzo deixou a região de Nápoles e cruzou o Atlântico na onda de imigrantes que deixavam a Europa em busca de uma vida melhor. Trabalhou como mascate no interior de São Paulo, evoluiu para uma loja de secos e molhados e, anos depois, tinha montado um império de 360 empresas. Recebeu do rei Vitor Emanuel III, da Itália, o título de conde por sua ajuda na I Guerra, e morreu em 1937 como o homem mais rico do Brasil. Pouco tempo depois de Matarazzo, chegou aqui outro italiano, Pasquale Fittipaldi, vindo da região de Potenza. Também em São Paulo, casou-se e teve dois filhos. Um deles, Wilson, radialista conhecido como “Barão”, seria um incentivador do automobilismo e pai de Emerson e Wilsinho, pilotos que fizeram história nas pistas (o primeiro foi bicampeão de Fórmula 1) e deram início a uma dinastia que está na sua quinta geração, com Enzo Fittipaldi, de 21 anos, na Fórmula 2.
Mais de um século depois, um Matarazzo e um Fittipaldi se movem para fazer movimento inverso ao dos ancestrais: ir para a Itália na condição de senador da República. A missão do ex-vereador Andrea Matarazzo e do ex-piloto Emerson Fittipaldi não é fácil. Junto com outros dois brasileiros, os advogados Marcelo Zovico e Luciana Laspro, eles disputam uma vaga pela América do Sul no Senado italiano. Desde 2006, quando ela foi aberta, apenas um brasileiro, Fausto Longo, se sagrou vitorioso, em 2013. Para chegar lá, os candidatos precisam mobilizar pelo menos 430 000 cidadãos italianos que moram no Brasil. Eles têm até o próximo domingo, 18, para enviar os seus votos pelo correio (a votação por lá ocorrerá no dia 25).
A dificuldade é que só a Argentina tem quase o dobro de eleitores. Não por acaso, em 2018, os escolhidos acabaram sendo dois argentinos — foi a última vez que o subcontinente teve direito a dois senadores e quatro deputados. Além dos quatro brasileiros, concorrem agora oito argentinos, uma uruguaia e um venezuelano. Somente por uma obra do acaso é que a vaga atual tem como titular um brasileiro. Trata-se de Fabio Porta, deputado que assumiu a cadeira após a cassação por fraude de um dos sul-americanos eleitos (quando uma vaga no Senado é aberta, um deputado é chamado a ocupá-la).
Residentes no exterior, os senadores oriundi têm a mesma remuneração dos demais colegas, 5 400 euros por mês, e também a mesma função. “O objetivo não é só propor leis para a região que elegeu o político, e sim participar de toda a atividade legislativa italiana”, explica Fausto Longo, que foi senador por cinco anos e deputado por outros cinco. “Mas é claro que os oriundi lutam por mais atenção da Itália aos cidadãos que não moram no país”, completa. Longo afirma que se revezava, ficando vinte dias em Roma e dez dias no Brasil, já que para ocupar o cargo é necessário ter residência na Itália.
Na disputa atual pela vaga da América do Sul, os quatro brasileiros em campanha convergem na defesa da desburocratização para a obtenção da cidadania italiana (o processo pode levar quinze anos) e do maior intercâmbio cultural e educacional entre os países. O curioso é que por vezes a campanha à italiana emula a brasileira. Fittipaldi concorre pelo partido Fratelli d’Italia, criticado por seguir ideais de extrema direita e por promover Giorgia Meloni, favorita ao cargo de primeira-ministra e comparada a Benito Mussolini. O ex-piloto declarou que um dos objetivos será “mudar a imagem de fascista que o presidente Jair Bolsonaro tem na Europa”. Matarazzo, por sua vez, é filiado ao Partido Socialista Italiano — ainda que se considere um liberal na economia, o ex-ministro de FHC escolheu a legenda de esquerda por não ser contra a União Europeia nem contra a imigração. “Eu tenho experiência na vida pública e não preciso de um padrinho no Brasil”, cutuca ele, que foi vereador e secretário de Geraldo Alckmin no governo estadual e de Gilberto Kassab no municipal. A disputa tem até a “terceira via”: Zovico, advogado que trabalhou por seis anos no consulado paulista, critica os candidatos mais célebres pelo que considera ausência de propostas concretas e se vende como “nem um aventureiro nem um político profissional”. Laspro tem discurso parecido: “Não nasci em berço de ouro, sou uma simples trabalhadora”.
Na tentativa de convencer seus eleitores, os candidatos apostam em vídeos nas redes sociais e em reuniões com associações de ítalo-descendentes. Se um deles chegar ao Senado, poderá ter a companhia de nomes como o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi e a atriz Gina Lollobrigida, ambos na disputa de uma vaga. Matarazzo, de quebra, repetiria o feito do avô Angelo Andrea Matarazzo, que foi senador no Reino da Itália em 1901 e lá construiu sua residência, o Palazzo Matarazzo. A dúvida é se os sobrenomes de peso serão suficientes para o Brasil emplacar um representante no Parlamento europeu. E, mais importante, se a cadeira em Roma trará algum benefício de fato à comunidade italiana baseada por aqui.
Publicado em VEJA de 21 de setembro de 2022, edição nº 2807