O governo de Jair Bolsonaro mal completou dois meses, mas já se mostra pródigo em fabricar e amplificar crises. Os filhos do presidente, apesar de não terem cargos na máquina pública, estiveram no centro das confusões. Carlos Bolsonaro, o Zero Dois, teve participação decisiva na demissão do ministro Gustavo Bebianno, da Secretaria-Geral, e lançou suspeitas públicas contra o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, que estaria interessado em assumir o poder. A chamada ala ideológica também não se cansa de dar tiros no pé. O governo, eleito com a promessa de combater a corrupção, ainda enfrenta constrangimentos nessa área. O PSL, partido de Bolsonaro, é investigado pelo uso de candidaturas-laranja para desviar verbas públicas. Filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, o Zero Um, é suspeito de embolsar parte do salário de seus funcionários quando era deputado estadual no Rio e de ter movimentação financeira incompatível com a renda.
O cartel de desgastes e constrangimentos não é pequeno — e seus reflexos já podem ser medidos em números. Segundo uma pesquisa encomendada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) ao Instituto MDA, o governo Bolsonaro tem a pior avaliação na estreia desde que o levantamento começou a ser feito. Sua gestão é aprovada por 38,9% dos 2002 entrevistados, porcentual que está pelo menos dez pontos abaixo dos índices registrados no início dos governos de Fernando Henrique Cardoso (57% de aprovação), Lula (56,6%) e até mesmo Dilma Rousseff (49,2%). Apesar de lanterninha no ranking, o governo Bolsonaro ainda está em fase de lua de mel com os eleitores, já que apenas 19% reprovam a nova administração, enquanto 29% a consideram regular. Para ganhar pontos no terreno da popularidade, o governo aposta em duas bandeiras: o pacote anticrime apresentado pelo ministro Sergio Moro e a reforma da Previdência, que, apesar de impopular, tende a impulsionar a economia se for aprovada.
Em tese, o Planalto tem potencial para formar maioria na Câmara e no Senado e aprovar os dois projetos. Na prática, faltam articulação política e votos. O governo Bolsonaro já foi derrotado de forma acachapante na votação de um decreto sobre sigilo de documentos públicos. Integrantes do PSL estão em guerra fratricida por nacos do poder. E os partidos do chamado Centrão, sempre dispostos a mercadejar seu apoio ao mandatário de turno, seja ele quem for, apresentaram resistências à reforma da Previdência. Ou seja: as dificuldades estão aparecendo enquanto o governo não oferece as facilidades para superá-las. Defensor das mudanças previdenciárias, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), declarou que não há votos para aprovar o texto e que já passou da hora de o presidente deixar de lado a cantilena segundo a qual rejeita a negociação com os partidos políticos. O recado é claro: desça do palanque e governe. O problema é convencê-lo a fazer isso.
E Bolsonaro tem capital político para tanto. Como aconteceu com seus antecessores no Palácio do Planalto, a imagem do presidente é melhor do que a de seu governo: Bolsonaro é aprovado por 57,5% e reprovado por 28,2% dos entrevistados. Um dos motivos disso está justamente no fato de ele não ter mudado de comportamento ao assumir o comando do país. Pelo contrário, mantém a postura e o discurso que lhe renderam a vitória na corrida presidencial. Em manifestações públicas, Bolsonaro repete o mantra do “contra tudo o que está aí” e posa para as lentes com os dedos emulando uma arma, como fez em sessão solene no Congresso. Ele também costuma publicar em redes sociais cenas prosaicas de seu dia a dia, seja preparando o café da manhã, seja lavando a própria roupa. Tudo para reforçar a imagem do homem simples, de gente como a gente, o oposto dos expoentes da velha política, que viveriam de forma nababesca e rodeados de privilégios. Chegou ao paroxismo de deixar-se fotografar, depois de uma reunião no Planalto, vestindo camiseta de futebol e calçando chinelos, ao lado de auxiliares de terno e gravata.
Para o cientista político Felipe Rosa, da consultoria ACE, apesar dos índices de aprovação registrados pelo governo Bolsonaro, ainda é cedo para dizer que sua gestão começa em desvantagem na comparação com a de seus antecessores, uma vez que os levantamentos encomendados pela CNT não foram feitos sempre no mesmo período. A pesquisa sobre o início da gestão Dilma, por exemplo, foi realizada em agosto, quando ela já surfava a onda da chamada faxina ética. Já a sondagem sobre o governo Lula saiu a campo duas semanas depois de o petista tomar posse. Felipe Rosa reconhece, no entanto, que Bolsonaro, ele próprio, vai bem, obrigado: “Os números mostram que Bolsonaro ainda é seu melhor ativo”.
Publicado em VEJA de 6 de março de 2019, edição nº 2624
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