A iniciativa da Câmara Municipal de São Paulo de abrir a CPI para investigar ONGs gerou uma reação que incluiu uma nota de repúdio da Arquidiocese de São Paulo e outra do presidente Lula. A instalação da comissão foi uma iniciativa do vereador Rubinho Nunes (União), que sustenta existir uma “máfia da miséria” — entidades que, segundo ele, retroalimentam a pobreza e o uso de drogas no centro da capital paulista. O alvo principal da apuração seria o padre Júlio Lancelotti.
O religioso, conhecido pelo trabalho de assistência social junto às comunidades carentes, também já esteve na mira do regime militar. Documentos sigilosos do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) mostram que, na década de 80, Lancellotti foi monitorado por suas ações nas favelas e periferias de São Paulo.
Monitoramento do trabalho de Lancelloti começou em 1982
Naquele período, o SNI produzia relatórios sobre o envolvimento do clero católico na política partidária. Os militares se preocupavam com a impulsão que os trabalhos da igreja na periferia davam a partidos políticos que faziam oposição à ditadura.
Os agentes citam publicações distribuídas por membros do clero que orientavam os eleitores a votarem em candidatos de partidos de oposição, particularmente aqueles ligados ao PT e ao PMDB, atual MDB. Um capítulo especial foi reservado para descrever a chamada “linha progressista do clero”, com destaque para as “manifestações no campo político, econômico ou social contrárias à política governamental”. O padre Lancellotti é um dos personagens deste relatório, em um capítulo que descreve a Semana Ecumênica do Menor, na qual se discutiram ações para atendimento de populações de favelas.
Militares acreditavam que trabalho social do clero católico fortalecia a esquerda
O SNI classificava como “cinismo do clero católico progressista” a negativa sobre a ingerência de seus representantes em discutir temas relacionados com as eleições. Destacava também que o objetivo dos religiosos era “mudar o regime vigente”. Um dos documentos ressalta que os padres induziam “os eleitores a votar no PT ou nos candidatos populares do PMDB”.
Para o SNI, partidos como o extinto PDS eram caracterizados pelo clero como “força dos opressores, dos exploradores e dos poderosos”. Dizia ainda que “em vários encontros, reuniões e atos litúrgicos, panfletos apontam a necessidade do povo ‘se levantar e lutar para a libertação, derrubando as estruturas existentes’”.