A baiana Maria de Jesus Oliveira estava agitada na manhã de terça-feira 29. Apelidada de Tia Zélia em homenagem à mãe e dona de um pequeno restaurante numa vila que fica a 1 400 metros do Palácio do Planalto, ela tentava socorrer uma amiga que tem um filho com uma doença grave. A família do rapaz já havia recorrido à socióloga Rosângela da Silva, a Janja, que passou seu telefone e prometeu ajudar. O número fornecido, porém, não existia. Zélia decidiu então ligar diretamente para o presidente eleito. Um assessor informou que Lula estava em reunião, mas o recado seria imediatamente transmitido. O mesmo auxiliar retornou alguns minutos depois para dizer que o encontro com o presidente havia sido agendado e que ela não precisava se preocupar com o deslocamento. Um carro iria buscá-la na porta do restaurante dentro de dois dias — uma deferência cobiçada por muitas autoridades em Brasília, mas concedida pelo petista a pouquíssimas pessoas.
Tia Zélia é dona de um estabelecimento de chão de cimento queimado, mesas simples de madeira e toalhas coloridas que foi o palco de confabulações políticas nos governos do PT. Os escândalos do mensalão e do petrolão, que alvejaram a ambos, abateram o ânimo de muitos clientes do local, cujo movimento caiu vertiginosamente após a vitória de Jair Bolsonaro em 2018. Na pandemia, o estabelecimento só não foi à bancarrota porque Tia Zélia, que se recusa a pronunciar publicamente o nome do ex-capitão, transformou o local em uma fábrica de quentinhas. Com a vitória do PT, o local retomou o posto de ponto de encontro de próceres do partido, como o senador Jaques Wagner e a deputada Gleisi Hoffmann.
Sinais de recuperação do estabelecimento já haviam sido notados desde o início do ano, com a confirmação de que o cliente mais ilustre poderia voltar ao Palácio do Planalto. Assim, de forma gradativa, os tempos de vacas gordas — e as intermináveis rodadas de discussões petistas — começaram a voltar às mesas do restaurante, cujo cardápio varia conforme o dia da semana. O prato predileto de Lula, rabada com feijão e ovo, é servido às quintas-feiras. “Existe a possibilidade de o presidente passar aqui uma hora dessa. Em breve vou saber”, despista Tia Zélia, que já está na lista de convidados para a festa da posse. Na noite de quarta-feira 30, aliás, o restaurante estava reservado pelos petistas para a comemoração dos trinta dias da vitória.
Tia Zélia conheceu Lula em 2008, recomendada por velhos militantes que frequentavam o restaurante, e virou amiga da família. Quando o ex-presidente foi preso, em 2018, ela estava na primeira comitiva autorizada a visitá-lo em Curitiba, levando uma quentinha com rabada com pouca gordura — e ovo. A cozinheira não gosta de falar de política nem de emitir opiniões sobre a corte petista. No máximo, sai um elogio por Janja não deixar o marido engordar em demasia ou um comentário mais salgado sobre a ex-presidente Dilma Rousseff. “Veio aqui uma vez, mas não foi muito simpática”, justifica. A foto dela, com a faixa presidencial e tudo, integra a decoração kitsch de recortes de jornais e suvenires das paredes lotadas de referências a Lula no restaurante, mas apenas por que o mais famoso de seus comensais insistiu — e muito.
Neste momento de forte retomada, o restaurante também voltou a receber clientes não petistas. “Outro dia fiz mocotó e coloquei a panela em cima da mesa. O Humberto Costa, o Paulo Rocha e o Pacheco comeram tudo e adoraram”, conta Tia Zélia. Pacheco é o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), candidato à reeleição com o apoio do PT. Apesar de expor as amizades em imagens e contar histórias sobre elas, Tia Zélia é discreta. Já foi levada por Lula ao Palácio da Alvorada para preparar iguarias, mas faz mistério sobre o episódio e deixa até no ar que viu algo por lá que não a agradou. Nesta semana, ela também recebeu a visita de Lurian Lula da Silva. Acompanhada do maestro de Chico Buarque, a filha mais velha do presidente eleito foi convidá-la para o show do cantor na capital federal. A volta do amigo a Brasília esquentou de vez o movimento da modesta taberna do poder.
Publicado em VEJA de 7 de dezembro de 2022, edição nº 2818