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Leandro Karnal: “Eu sou uma pessoa sexuada”

O escritor e doutor em história revela como lidou com o furor nas redes ao assumir a união com um homem mais jovem e fala da difícil busca pela felicidade

Oferecimento de Atualizado em 4 jun 2024, 11h24 - Publicado em 3 mar 2023, 06h00
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  • Conhecido pela calma, dicção impecável e didatismo ao traduzir temas complexos das ciências humanas para as massas, Leandro Karnal, de 60 anos, que é professor e doutor em história, ampliou ainda mais sua voz como formador de opinião recentemente ao assumir um relacionamento homoafetivo. Com quase 10 milhões de seguidores nas redes, o intelectual revelou estar casado com o ator e cantor Vitor Fadul, de 27 anos e portador de autismo. Do alto de seus mais de vinte livros, que somam cerca de 1 milhão de cópias vendidas, Karnal apresenta programas na TV paga, dá palestras e cursos — e subitamente viu sua até então discretíssima vida pessoal virar tema de escrutínio na internet. Na entrevista, ele não se furta a admitir os privilégios que lhe permitiram se posicionar sexualmente em um país de pendor conservador — e fala sobre a dura busca pela felicidade em um mundo pautado pela efemeridade e pelo ódio na arena on-line.

    O senhor sempre foi muito discreto em relação à sua vida pessoal, mas em janeiro passado assumiu estar casado há quatro anos com um homem 33 anos mais novo e autista. Por que fazer esse anúncio só agora? Essa discrição nunca existiu no meu âmbito pessoal. Família e amigos sempre acompanharam todos os meus relacionamentos. Eu tenho uma certa resistência a pessoas que vivem toda a sua vida privada em público. Não gosto muito, mas atualmente parece que não se posicionar perante o grande público significa concordar com o silenciamento e a repressão. Acredito que existam milhares de pessoas que gostariam de ser mais sinceras consigo mesmas em relação à sua sexualidade. Às vezes, ver uma figura pública e bem estabelecida profissionalmente assumindo o que sente pode encorajá-las. E eu acho que a minha situação é atípica.

    Por que atípica? Em uma tacada só expus três questões demonizadas por parte da sociedade: a homoafetividade, o etarismo (preconceito com pessoas mais velhas) e o autismo. Mas estou em uma posição privilegiada. Além de ser branco, tenho uma carreira sólida e, por consequência, sou de classe média, e também moro em uma cidade cosmopolita como São Paulo. Várias outras pessoas correm o risco de perder o emprego, ser expulsas de casa, até sofrer uma agressão física caso façam o mesmo que eu.

    Como surgiu esse relacionamento entre o senhor e seu marido? Um dia fui com um amigo ver uma peça no Masp (Museu de Arte de São Paulo). Ele conhecia outra atriz que estava lá, também acompanhada de um amigo, e fomos apresentados. O Vitor havia acabado de ler um livro meu para a faculdade e puxou conversa. Logo de cara o achei interessante, bonito, comunicativo. Depois nos reencontramos, o convidei para um sarau aqui em casa e começamos a nos aproximar. Ele estava encerrando um namoro com uma menina, eu estava sozinho e aí aconteceu. Nunca planejei encontrar alguém, pelo contrário.

    A diferença de idade foi uma barreira no início? A gente brinca entre nós que o “velho” da relação é o Vitor. Ele se autodeclara com 81 anos, porque quem não quer sair, odeia barulho — inclusive por causa do autismo — e quer voltar para casa logo é sempre ele. Passou até o Carnaval estudando. Eu sou um pouquinho mais dinâmico do que isso. Mas provavelmente não me relacionaria com alguém de 27 anos, se fosse alguém que gostasse de ir para baladas, se embebedar e ouvir rock pesado todo fim de semana.

    “Namorei homens e mulheres, tenho 60 anos e não cresci em um ambiente livre de homofobia. Ouvi piadas, ironias e ataques a terceiros. Mas quero acreditar que os tempos mudaram”

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    Como o autismo afeta o relacionamento de vocês? Ele ainda não tinha diagnóstico quando nos conhecemos. E eu achava que algumas atitudes dele eram apenas excentricidades. Quando descobrimos, isso explicou por que o Vitor estuda várias línguas sem parar e de forma sistemática. Sabe falar italiano, francês, alemão, inglês, é fascinante. Se eu começasse a dar aula hoje, talvez eu fosse um professor melhor, mais compreensivo com a dislexia, o déficit de atenção, a hiperatividade e o espectro autista — casos que são muito frequentes.

    Antes de fazer o anúncio, teve receio da reação do seu público? Se eu disser que não, estarei mentindo. Já namorei homens e mulheres, tenho 60 anos e não cresci em um ambiente livre de homofobia. Ouvi piadas, músicas vexatórias, ironias e ataques a terceiros. Com o tempo, entendi que, quando não há argumentos em uma discussão, um agressor tenta atacar a moral dizendo que fulano é gay. Quero acreditar que essa desqualificação baseada na orientação sexual é menor para os jovens de hoje do que foi para a minha geração.

    O senhor mencionou relacionamentos anteriores com os dois gêneros, mas atualmente está casado com o Vitor. Não acha necessário assumir uma orientação sexual? O rótulo é uma necessidade do observador, não minha. Apontar se sou hétero, homossexual, bissexual é uma necessidade que fala de posicionamento, mas serve mais ao outro para se referir a mim. Eu sou uma pessoa sexuada — e que, neste momento, decidi me casar com um outro homem. Eu não tenho um “tipo” certo de interesse amoroso. Me encantei pela personalidade, criatividade e beleza do Vitor.

    Esperava tanta comoção nas redes sociais? Sim, por ser uma pessoa exposta na mídia. Eu esperava ataques, mas eles foram muito menores do que eu imaginava. Fiz trinta anos de psicanálise e isso me faz entender a decepção de alguns. Todos fazem críticas a si mesmos utilizando você como metáfora. As primeiras reações foram cerca de 15 000 comentários no meu post. Destes, 37 eram negativos e depois parei de contar, mas as respostas eram muito mais positivas.

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    Mas o senhor acabou rebatendo alguns desses chamados haters. Por quê? Porque tem uma função pedagógica. É de seu direito falar o que pensa, assim como é meu direito responder. Mas eu rebato haters há anos, não só agora. Acho que meus seguidores gostam de ler minhas respostas irônicas. Uma senhora me disse: “Ele poderia ser seu filho”. E eu respondi: “Bem, a senhora poderia ser minha tia”. A questão é que essa crítica não tem um argumento válido.

    Em algumas obras, o senhor aponta o Brasil como um país historicamente violento. Podemos dizer que as redes sociais pioraram isso? A violência no Brasil começou já em 1500, quando massacraram os indígenas e os expulsaram de suas terras. Ao longo de séculos, a violência foi institucionalizada. Hoje, continua sendo assim. Mas, apesar dos acontecimentos de 8 de janeiro, quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro depredaram a Praça dos Três Poderes, em Brasília, podemos dizer que as redes sociais diminuem a violência física.

    Como assim, se o país acabou de ver uma tentativa de golpe toda alimentada pelo ódio nas redes? Ao mesmo tempo que incitam a violência e a polarização, as redes funcionam como um coliseu romano, onde a população vai lá para ver os gladiadores se matarem. Se eu posso xingar uma pessoa pelas redes, isso evita o conflito ao vivo, em tese. Há exceções, mas a norma hoje é o militante de sofá, aquele que não fará nada fora de sua casa, mas que adora brigar virtualmente e ver os outros brigando lá.

    Após duas eleições que levaram o país à polarização, rompendo diversos laços, qual é o caminho para superar essas divisões? O Brasil sempre foi polarizado. Fosse na ditadura militar, ou fosse após a redemocratização. A diferença é que agora a discussão não está limitada a espaços de elite, está dentro da casa de pessoas humildes e que acreditam em notícias falsas lidas pelo celular. Atos de ódio estão sendo feitos em nome da moral e de Deus e isso é uma das coisas mais graves que nós estamos enfrentando, uma guerra de ideologias. Mas a história mostra que uma hora as pessoas acabam cansando de tanta discussão.

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    O senhor se declara ateu, mas é um grande estudioso de religiões. Como enxerga a força alcançada por ela na política nos últimos anos? A religião sendo tão envolvida na política é um horror. E isso inclui todos os tipos de governo. Em nome de um suposto bem, seres humanos usam Deus, Karl Marx, Jesus, até Judas para derrotar um inimigo. É a coisa mais triste ver pessoas que agem em nome do bem e sob esse argumento apontam um rival como a encarnação do mal, só por não concordarem com o outro.

    Então, acredita que esquerda e direita se equivalem nesse quesito atualmente? Eu convivi com o autoritarismo da esquerda nas universidades. Conheço exemplos históricos de ditaduras de esquerda que foram muito violentas. E eu sou um legalista que defende o estado democrático. Mas é claro que, quando a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) sofreu um impeachment, não houve ocupação do Congresso Nacional, muito menos quebra-quebra em Brasília, como aconteceu em janeiro. Vejo que militantes da extrema direita é que são avessos à ordem institucional.

    “Hoje, as redes sociais estimulam mais problemas de saúde mental, como depressão, síndrome do pânico, insônia. Não é à toa que tantos buscam uma fórmula para serem felizes”

    Pela internet, o senhor faz com que seus conhecimentos alcancem mais pessoas e esse trabalho costuma ser rotulado como autoajuda. O que pensa sobre as críticas a isso? Eu entendo que haja certo preconceito com o conceito de autoajuda — eu mesmo já o tive, e hoje existe uma valorização da resiliência, das pessoas demonstrarem que não precisam ser ajudadas. Apesar disso, tenho retorno enorme de pessoas dizendo que enfrentam a depressão lendo coisas minhas. Eu não quero mais publicar um artigo em francês numa revista francesa que vai ser lido por quatro pessoas. Quero e gosto de alcançar um público mais amplo.

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    Desde os primórdios da filosofia, a busca pela felicidade desperta grande interesse. Por que esse desejo persiste? Acredito que nunca estaremos satisfeitos, porque sempre nos comparamos com o outro. É por isso que o budismo prega o desapego como forma de evolução espiritual. Hoje, eu vejo que as redes sociais estimulam mais problemas de saúde mental, como depressão, síndrome do pânico, insônia. Não é à toa que tantos buscam uma fórmula para serem felizes.

    Em seu livro O Dilema do Porco-Espinho, o senhor fala sobre solidão. Como enfrentar o medo de ficar sozinho? Solidão é um mal. Eu sugiro a solitude, que é a solidão produtiva. Estar sem ninguém não significa estar sozinho. Então, é importante saber aproveitar o tempo consigo mesmo, fazendo algo de que se goste. Estamos cercados de pessoas, mas quantidade não significa qualidade: é necessário filtrar as companhias.

    A pandemia mudou o trabalho e até a forma de as pessoas se relacionarem, aumentando as interações on-li­ne. Como analisa seu impacto? A pandemia só acelerou os processos de mudança. Já fazíamos coisas on-line, e passamos a fazer com mais frequência. A princípio por obrigação — mas agora virou uma questão de conforto.

    Publicado em VEJA de 8 de março de 2023, edição nº 2831

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