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Fernando Haddad: “Temos uma pessoa perturbada na Presidência”

Candidato do PT ao governo paulista tece pesadas críticas a Jair Bolsonaro e acha que a eleição estadual será muito influenciada pela disputa nacional

Oferecimento de Atualizado em 4 jun 2024, 12h10 - Publicado em 29 abr 2022, 06h00
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  • Sao Paulo, SP 26/05/2022 Fernando Haddad. Foto Antonio Milena
    O ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad – (Antonio Milena/VEJA)

    Principal quadro do PT depois do ex-presidente Lula, o ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad avalia que o momento que o partido atravessa é muito melhor que o das duas eleições anteriores que disputou. Em 2016, no auge do cerco da Lava-Jato e na esteira do impeachment de Dilma Rousseff, ele foi derrotado por João Doria (PSDB) ainda no primeiro turno em sua tentativa de continuar na prefeitura. Em 2018, lançado candidato presidencial como estepe de Lula, protagonizou a primeira derrota nacional da legenda desde 2002, mais de 10 milhões de votos atrás de Jair Bolsonaro. Agora, porém, ele lidera as pesquisas para governador de São Paulo, estado que o PT nunca governou. Na sua visão, é enorme a chance de a polarização nacional contaminar a disputa estadual — e Lula é o seu trunfo para ganhar. A seguir, os melhores trechos da entrevista, em que também tece pesadas críticas ao atual presidente.

    Que recordação ficou das disputas tão desfavoráveis em 2016 e 2018? Em 2016, as pessoas estavam deixando o PT. Eu desconsiderei essa alternativa porque a legenda havia me dado a oportunidade de ser ministro e prefeito. E as ações contra Lula eram ridículas. Deixar o partido no momento mais difícil de sua história não seria do meu feitio. Em São Paulo, houve até requintes de crueldade, já que as duas ex-prefeitas do PT tinham saído da sigla (Luiza Erundina, pelo PSOL, e Marta Suplicy, pelo PMDB, foram suas adversárias). Eu fiquei totalmente isolado porque o PT estava isolado. Mas, mesmo assim, decidi: “Vou enfrentar”. Não dava para tomar outra atitude que não fosse aquela. Em 2018, articulei para que Jaques Wagner ou Ciro Gomes (PDT) aceitassem ser vice na chapa do Lula (até o petista ser declarado inelegível). E me dispus a ser vice do Ciro. Não achava que fossem recusar e esperei até o último minuto. No fim, não poderia dizer não a Lula e ao PT e aceitei disputar a Presidência. Ainda acho que conseguimos reagir quase a ponto de ganhar a eleição.

    Boa parte desse antipetismo de 2016 e 2018 veio com a Lava-Jato. Como avalia hoje a operação? Perderam uma oportunidade incrível de fazer um trabalho impecável. Os governos Lula e Dilma deram todos os instrumentos de combate à corrupção. Legislação, autonomia da polícia, independência do Ministério Público, fortalecimento da CGU. Quis o destino que um juiz (Sergio Moro) resolvesse fazer disso um trampolim para sua carreira política e colocar tudo a perder. A arte de combater a corrupção não está apenas em atribuir responsabilidade a culpados, mas preservar inocentes. Fiz um trabalho na prefeitura que é celebrado internacionalmente. Montei uma controladoria e combatemos a corrupção separando o joio do trigo e preservando o trigo.

    “Não existe governo Bolsonaro. Existe a agitação bolsonarista. O governo dele não tem projeto. O que existe é a agitação política, eleitoral, mas à custa da destruição do país”

    Embora Lula tenha se livrado das ações judiciais, a associação do PT com a corrupção se mantém ainda hoje. Como lidar com isso? Mas melhorou muito. Sobretudo no caso de Lula e de Dilma, melhorou demais. A Comissão de Direitos Humanos da ONU acaba de condenar o Moro internacionalmente (concluiu que ele foi parcial e que Lula teve direitos políticos desrespeitados). O que vão poder dizer?

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    Na eleição em São Paulo, existe o entendimento de que o eleitor, principalmente o do interior, é conservador e dificilmente votará no PT. Como vencer nesse cenário? Falavam que a cidade de São Paulo era conservadora e o PT venceu três vezes aqui. O interior é um desafio comunicativo. Todo mundo quer mudar a vida para melhor. A vida nessas áreas já é boa, mas ela pode mudar para melhor e de forma segura. Podemos dar mais oportunidade aos jovens, produzir mais, agregar valor à produção, à agroindústria, atrair investimentos. Estamos perdendo fábricas para outros estados, temos de reverter a desindustrialização. Podemos tudo isso, só que precisamos explicar ao morador do interior.

    Quais propostas levará a esse eleitor? O ex-governador João Doria cometeu um erro grave. Aumentou bruscamente a carga tributária em meio à pandemia e isso é indesculpável. Fui pequeno empresário até os meus 37 anos. Tinha loja de tecidos com o meu pai e uma construtora com o meu cunhado. Não é fácil você manter uma empresa. Esse aumento da carga de impostos do Doria nos fez perder postos de trabalho.

    Mas o governo dele tem dados positivos, como o fato de o PIB ter crescido mais que o do país, não? Vendem a tese de que o estado bate recorde de investimentos. Mas pode pegar a série histórica: nos três primeiros anos do governo Doria, comparando com o governo anterior, o investimento foi menor. No quarto ano, está com uma pequena chance de aumentar, mas lembrando que tem muito investimento fake, que é quando você transfere recursos do Tesouro para uma estatal ou para um município, sem ter certeza de que a estatal ou a prefeitura de fato investirão e gerarão empregos.

    Sua campanha vai ser focada nesses assuntos estaduais ou os temas serão nacionalizados? É meio impossível não ter um componente nacional na eleição em São Paulo. Temos uma pessoa perturbada na Presidência da República, totalmente desequilibrada, que chega competitiva. E o Lula é um candidato forte. O que se observa é que a soma das intenções de voto nos candidatos da terceira via está diminuindo. Já foi de 20%. Ou seja, o eleitor está se posicionando.

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    Nesse sentido, o seu maior rival em São Paulo será Tarcísio de Freitas (Republicanos), apoiado por Bolsonaro? Não saberia dizer, mas o Tarcísio nem de São Paulo é. Tem um componente ideológico muito forte na intenção de voto em relação a ele que faz com que os adeptos de Bolsonaro votem cegamente na sua candidatura.

    A liderança do senhor nas pesquisas é reflexo da polarização entre Lula e Bolsonaro? Fui ministro da Educação por muitos anos. As marcas da minha gestão são as que ficaram. Sisu, Prouni, Fundeb, Fies sem fiador, Caminho da Escola, Universidade Aberta, Institutos Federais, Ideb, Piso Nacional de Magistério. São marcas que têm doze anos e estão na cabeça das pessoas. Minha gestão na prefeitura está passando por completa reavaliação, e programas estão sendo resgatados. Tive o desafio de tentar a reeleição em meio ao impeachment da presidente que era do meu partido. Impossível uma coisa não contaminar a outra.

    Como o senhor vê esse confronto de Bolsonaro com as instituições, em especial o STF? Não existe governo Bolsonaro. Existe agitação bolsonarista. Em vários momentos da política contemporânea, sobretudo com os meios de comunicação de massa, mudou-se completamente a natureza da democracia. É possível que um governo se mantenha com base única e exclusivamente na agitação. O governo Bolsonaro não é um governo de projeto. O que existe é a agitação política, eleitoral, mas à custa da destruição do país.

    Lula conta com o ex-tucano Geraldo Alckmin para enfrentar Bolsonaro, uma aliança que o senhor ajudou a costurar. Como isso aconteceu? Eu e o Alckmin tivemos algumas conversas na casa do Gabriel Chalita (ex-secretário de Educação de Haddad e Alckmin) sobre estabelecer uma linha de atuação com um denominador comum caso saíssemos candidatos ao governo de São Paulo: nem Doria nem Bolsonaro fizeram bem ao estado. Um dia perguntei a ele (Alckmin), durante as discussões, por que não abrir o palanque para Lula. Começou assim. Até que uma outra pessoa disse: “Por que não o Alckmin de vice então?”. Aí, coube a mim sondar Lula e Alckmin. Coincidentemente, o Márcio França, que também vinha conversando com o Alckmin, sugeriu que o PSB poderia ser um caminho para viabilizar esse acordo. Tudo isso para dizer: desde o início, entendemos que, se essa construção desse certo, ela não poderia repercutir no plano local. PT e PSB iam ter a liberdade de fazer arranjos locais. A questão nacional tem de ter uma esfera de entendimento, e nós vamos tentar nos entender localmente.

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    “Já governamos quase 200 das 645 cidades paulistas, cerca de 60% dos moradores. Não estou dizendo que não é desafiador, mas essas pessoas já votaram no PT. Há um cansaço com o governo”

    Como interpretou a declaração de França ao programa Amarelas On Air, de VEJA, de que o mea-culpa de Lula era ter Alckmin como vice? O lawfare (uso da Justiça para perseguir desafetos) não ficou restrito ao PT. Alckmin foi vítima, Márcio França também. Após 2018, todos os partidos foram afetados, o que resultou na eleição de um embuste, que se vende como ético, mas talvez seja o pior do sistema político. O que não significa que nem todo mundo que foi processado não deveria ter sido. Devemos ser investigados, porque as pessoas públicas precisam saber que elas escolheram essa vida e que não podem ter privacidade em relação ao seu patrimônio.

    O PSDB governa São Paulo desde 1995. A que atribui essa hegemonia? Tivemos oportunidades de vencer com Marta em 1998, José Genoino em 2002 e Aloizio Mercadante em 2010. Em 1998, por menos de 100 000 votos, a Marta não foi ao segundo turno no lugar de Mario Covas, que só ganhou de Paulo Maluf porque teve o apoio do PT. De qualquer modo, faltou um diálogo mais amplo nas pequenas cidades, com a realidade local. Já governamos quase 200 das 645 cidades paulistas, cerca de 60% dos moradores. Não estou dizendo que não é desafiador, mas essas pessoas já votaram no PT. Há um cansaço nítido com o governo, até porque nem Doria nem Rodrigo Garcia, o candidato dele à sucessão, têm conexão com o PSDB histórico.

    Como será sua relação com as polícias, visto que há conexão forte da categoria com o bolsonarismo? Temos de entendê-los como servidores públicos da segurança. Precisamos tratá-los com dignidade e vinculá-los a um projeto em que a sociedade seja ouvida. Apresentar um plano com começo, meio e fim, dar transparência, envolver a sociedade, as comunidades, tudo pactuado. O que a gente quer é um profissional mais respeitado e valorizado, que deixe a sociedade mais segura.

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    O senhor escreveu um artigo em que defende a adoção de uma moeda única para o Mercosul, cuja repercussão levou a especulações de que poderia assumir o Ministério da Fazenda em um eventual governo Lula. Como viu isso? Como coordenador do plano de governo do Lula em 2018, quase apresentei a ideia, mas ela não estava madura para ser discutida ainda. Com os desdobramentos de 2018 para 2022, a situação internacional, a geopolítica, achei o momento mais maduro. Mas isso foi apenas uma contribuição para um seminário.

    Publicado em VEJA de 4 de maio de 2022, edição nº 2787

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