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Bolsonaro minimiza a pandemia e Guedes ‘não é sério’, diz Rodrigo Maia

O presidente da Câmara critica duramente o governo e ataca o ministro da Economia por 'misturar a cabeça das pessoas'

Por Cássio Bruno, Daniel Pereira Atualizado em 4 jun 2024, 14h56 - Publicado em 17 abr 2020, 06h00

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), está em rota de colisão com o chefe da equipe econômica, Paulo Guedes. O motivo é o seguinte: em meio à pandemia de coronavírus, o “primeiro-ministro”, como o deputado é chamado por colegas, está prevalecendo sobre o “Posto Ipiranga” de Jair Bolsonaro na elaboração de medidas destinadas a atenuar os efeitos econômicos da crise. O mais recente embate entre os dois envolve o projeto de socorro financeiro a estados e municípios. Guedes tachou a proposta defendida pelo parlamentar de bomba fiscal e disse que, se aprovada, teria um impacto de 285 bilhões de reais. Deixando o tom moderado de lado, Maia afirma que o ministro está distribuindo informação falsa à sociedade. E emenda, num ataque frontal: “Ele não é sério. Se fosse sério, não tentaria misturar a cabeça das pessoas”. O deputado também critica o presidente da República, que estaria empenhado em segurar a ajuda financeira a governadores como forma de enfraquecê-los, especialmente aqueles que podem disputar com ele o Planalto em 2022. A seguir os principais trechos da entrevista, concedida por videoconferência, como manda a cartilha em tempos de distanciamento social.

Como o senhor avalia a atuação do presidente Jair Bolsonaro diante da pandemia de coronavírus? O presidente minimiza o problema, o que pode ter consequências enormes num país continental como o Brasil. Outro dia, ele disse numa live que teríamos menos mortes com o novo coronavírus do que com a H1N1, o que, em poucas semanas, foi desmentido pelos dados oficiais. O presidente segue a linha daqueles que, em outros países, entenderam que o custo do não isolamento era menor que o custo do isolamento. A diferença é que a maioria dos governantes que seguiram esse caminho já recuou. A postura de Bolsonaro de minimizar a pandemia levou a equipe econômica a demorar muito tempo para se convencer de que o impacto seria grande. Essa postura também provoca conflitos.

Que tipos de conflito? Todos os problemas enfrentados pelo presidente são resultado de seu diagnóstico errado. Todos os conflitos partem de uma divergência dele com a maioria da sociedade brasileira. É uma coisa estranha porque parece que o Bolsonaro sai da posição de presidente e fica sendo o comentarista e crítico, como se não tivesse responsabilidade sobre determinada decisão ministerial. Outro dia, a esposa do ministro Sergio Moro postou um apoio a Mandetta e, depois, o apagou. Há um mal-estar não só com o Ministério da Saúde, mas com o segmento mais racional do governo.

O senhor disse recentemente que o governo dá coice. Toda vez que você diverge, como ocorreu em relação ao Ministério da Economia, o governo parte para o ataque. Em vez de fazerem um debate transparente e sério, o ministro (Paulo Guedes) e sua equipe passam informações falsas à sociedade em relação ao que deve ser a crise de estados e municípios nos próximos meses. Da forma como Guedes faz, a impressão que dá é que ele quer impor a posição dele — e, numa democracia, isso não existe. Tínhamos uma proposta de como ajudar estados e municípios, fomos convencidos de que parte dela estava equivocada, mudamos o texto e aprovamos uma versão muito equilibrada. Chegou a ponto de ele dizer que o impacto do projeto pode ser de 285 bilhões de reais. Sabe o que significa? Queda de 100% na arrecadação do ICMS e do ISS. Se ele acha que pode ser isso, o que não será nunca, está dizendo que a crise é muito mais grave do que estamos imaginando. Ou seja: ele não é sério. Se fosse sério, não tentaria misturar a cabeça das pessoas.

“O ministro Paulo Guedes passa informações falsas em relação à crise de estados e municípios. Ele não é sério. Se fosse sério, não tentaria misturar a cabeça das pessoas”

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O senhor ainda conversa com o ministro Paulo Guedes? O ministro minimizou demais a crise. Em entrevista a VEJA, disse que com 5 bilhões de reais aniquilava o vírus. Eu converso com todos que querem dialogar comigo. É claro que ninguém fica satisfeito quando diz que diverge da posição do Planalto para votar um projeto e o governo parte para o ataque como se tivesse poder de impor posições, de agredir o Parlamento. Quando você não faz o que o governo quer, é agredido. Há de fato um ambiente em torno do presidente que viraliza informações distorcidas e, muitas vezes, ataques morais. Enquanto o Mandetta era querido, ele não tinha adversários, inimigos ou rejeição nas redes sociais. A partir do momento em que passou a enfrentar o governo, apareceu uma artilharia de informações distorcidas a respeito dele, ataques organizados.

O senhor, que é alvo recorrente dessa artilharia, especialmente do vereador Carlos Bolsonaro, já conversou com o presidente a respeito? Uma vez eu discuti esse assunto com o presidente. Ele disse que não participava disso. Mas o fato é que há uma estrutura organizada de pessoas próximas a ele que desqualifica quem diverge do governo, que não quer ganhar o debate pelas ideias, mas pela imposição da força. A estratégia é a intimidação, para que as pessoas fiquem com medo e se omitam do debate. Mas nos últimos meses, ao contrário de antes, as pessoas estão se manifestando muito mais. A impressão que tenho é que o presidente vem perdendo apoio porque o diagnóstico dele sobre a pandemia diverge do da maior parte da sociedade.

A postura do presidente fez reaparecer nas conversas políticas a palavra impeachment. O senhor é a favor de um processo desse tipo? Não posso falar em tese, já que essa é uma decisão que passa pela presidência da Câmara, mas acho que esse assunto não está na ordem do dia. A ordem do dia é resolver os problemas. Se focarmos o impeachment, estaremos atendendo ao interesse do próprio presidente, que quer levar a discussão para o ringue da política, e não para o caminho das decisões que vão salvar a vida, o emprego e a renda dos brasileiros mais vulneráveis. O que ele quer é o campo político de conflito.

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Essa posição será mantida mesmo se o presidente radicalizar ainda mais o discurso? O presidente até agora não assinou nenhum documento divergente da posição do Ministério da Saúde. A Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com recurso contra a decisão do ministro do Supremo Alexandre de Moraes (que reconheceu a autonomia de estados e municípios para baixar medidas restritivas). O recurso da AGU está no mundo da legalidade, de respeito às instituições. Do ponto de vista formal, pelo menos por enquanto, não há ato do presidente que divirja do ministério e da Organização Mundial da Saúde. Agora, é um dado da realidade que as idas dele às ruas têm estimulado as pessoas a participar de aglomerações. Só o tempo dirá as consequências disso.

Qual a opinião do senhor sobre as carreatas de bolsonaristas pela flexibilização do isolamento? Isso é a politização da crise. Quando o presidente estimula manifestações contra governadores, contra políticos, quer estar no ringue político. Bolsonaro prefere criticar aqueles que divergem dele a tentar encontrar um denominador comum. Eu disse a ministros do governo que a crise do coronavírus era uma ótima oportunidade para o governo reconstruir suas pontes com o Parlamento. Não podemos esquecer que um pouquinho antes o Congresso derrubou um veto presidencial com impacto fiscal de 20 bilhões de reais. Aquilo demonstrava que, depois de sofrer tantos ataques, o Parlamento reagia. O governo precisa sempre de um adversário ou um inimigo, porque, caso contrário, não consegue estimular suas bases a defender sua posição.

Nesse clima, ainda há chance de aprovação da agenda de reformas neste ano? Há espaço para avançar na reforma tributária a partir da segunda quinzena de maio, início de junho. Não posso dar uma previsão sobre a reforma administrativa porque o governo ainda não encaminhou a proposta e, com a chegada da pandemia, não encaminhará nas próximas semanas. Mas o mais importante é a gente ter conseguido, e foi o Congresso que tomou a iniciativa, separar o orçamento da crise do orçamento fiscal do governo. Ficou claro que não podemos misturar gasto emergencial de curto prazo com os permanentes.

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Foi dada uma autorização para que a iniciativa privada corte o salário de seus trabalhadores. Por que não há uma mobilização dos três poderes para que ocorra o mesmo com os servidores públicos? Eu fiz essa proposta. O Judiciário foi contra, o presidente não se manifestou e o ministro Paulo Guedes disse que não precisava cortar salários, mas apenas congelá-los. Não faz sentido levar adiante esse debate se não houver entendimento dos três poderes. As pressões corporativas também são muito grandes. Agora, em algum momento esse debate será retomado. Quando todas as ações de enfrentamento da crise estiverem colocadas, haverá um volume de dívida a ser paga e teremos de discutir como ela será quitada.

“Quando você não faz o que o governo quer, é agredido. Há um ambiente em torno do presidente que viraliza informações distorcidas e, muitas vezes, ataques morais”

O entorno do presidente costuma dizer que o senhor critica o governo porque pretende participar da sucessão presidencial em 2022. Quem politiza e antecipa a eleição de 2022 é o presidente da República. Se eu estivesse com uma agenda eleitoral na cabeça, não teria ficado até as 2 da manhã votando uma medida provisória que é importante para o Brasil, mas também terá um impacto positivo para o governo. A PEC do Orçamento de Guerra dá condições muito fortes ao governo para intervir na crise. Se eu não tivesse comandado a reforma da Previdência, talvez ela não tivesse sido votada até hoje. Quem acusa é exatamente quem tem apenas as eleições como o objetivo permanente.

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A resistência do governo ao projeto de socorro financeiro a estados e municípios faz parte desse contexto? Essa briga com a federação é em virtude de 2022. O governo usa este momento de crise para tentar enfraquecer aqueles que considera adversários. Um ministro disse a um líder de partido que o presidente e a equipe econômica iam trabalhar para não dar dinheiro aos estados de São Paulo e do Rio (cujos governadores, João Doria e Wilson Witzel, são cotados como candidatos à Presidência). Os fluminenses e os paulistas votaram maciçamente no Bolsonaro. Independentemente de quem for o governador, se não houver a reposição da receita dos estados, haverá colapso.

O senhor é a favor do adiamento das eleições municipais? A questão da prorrogação de mandatos é muito perigosa. A última vez que adiamos uma eleição foi na ditadura militar. Qualquer brecha aberta agora pode gerar no futuro as condições para alguém se perpetuar no poder no Brasil. A prorrogação de um dia que seja vai criar no futuro as condições para que qualquer um invente uma crise e prorrogue o próprio mandato.

Publicado em VEJA de 22 de abril de 2020, edição nº 2683

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