É grande a responsabilidade (e o cacife) dos políticos influentes em Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral do país e notório “fazedor de presidentes” — desde a redemocratização, nenhum se elegeu sem ter vencido lá. O ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil, do PSD, que é influente e candidato ao governo do estado, encontra-se na situação de pedir e ser pedido em namoro. Relativamente novato nesse jogo, Kalil, 63 anos, saiu de uma longa gestão à frente do Atlético Mineiro para a prefeitura de Belo Horizonte, para a qual foi reeleito em 2020. Neste momento, tenta selar uma aliança com Lula — o que, de acordo com as pesquisas, pode lhe dar o empurrão decisivo para ultrapassar o líder Romeu Zema, atual dono da cadeira. O acerto parece mais próximo agora, depois que o PT sinalizou que vai ceder a vaga do Senado ao PSD em troca de ficar com o posto de vice. Nesta entrevista, com o semblante meio zangado que lhe é peculiar, Kalil empregou suas costumeiras metáforas para analisar o cenário — Jair Bolsonaro, por exemplo, seria “a mulher feinha que Zema agora quer chutar”. Leia os principais trechos.
Lula, sempre citado como seu aliado nestas eleições, esteve em Minas Gerais e o senhor não o encontrou. Isso tem a ver com o fato de ainda não terem selado a aliança? Lula veio fazer o lançamento da campanha dele e estava com a agenda lotada, com milhares de pessoas na fila só esperando a chance de se aproximar, de apertar sua mão. Eu não quis atrapalhar. Mas pode estar certo: se não houve um encontro entre nós, foi muito mais culpa do Lula do que minha. Seria uma honra estar com ele, com quem, claro, quero firmar uma aliança formal.
O senhor tuitou que, em Minas, “ninguém dá bolo em amigo”, mas, sim, “café quente e pão de queijo”. O que quis dizer com isso? Saiu uma fofoca de que eu teria dado bolo no Lula. Pois quem dá bolo é quem marca com uma mulher pela internet, descobre que ela é feia e não vai ao encontro. Não é o caso. Eu não iria agendar alguma coisa com um homem do tamanho do Lula e não comparecer. Então fiz um tuíte bem-humorado para mostrar que era uma balela, uma mentira.
Estarão juntos com certeza no próximo pleito? Ainda há questões a ser resolvidas e tudo indica que serão. Nosso partido não é um partidinho em Minas. Tem o prefeito de Belo Horizonte, senador, presidente da Assembleia Legislativa, e precisa ser respeitado. A situação está entregue às presidências dos dois partidos. Agora, do ponto de vista pessoal, conversar com o presidente Lula é um prazer. Ele é um tremendo bom papo, agradável, carismático. Inclusive, quando o Atlético foi campeão brasileiro no ano passado, ele foi um dos primeiros a ligar me cumprimentando pelo título.
Apesar dos avanços, há um sabido impasse na costura da aliança em Minas. Não soa meio egoísta, em uma união com o PT, o PSD ter candidato a governador, a vice e a senador? Eu e meu partido não temos o direito de pedir para ninguém retirar candidatura nenhuma, assim como o PT também não tem. Dito isso, minha opinião é a favor do PSD. Nós temos um senador, o Alexandre Silveira, já sentado na cadeira e atual secretário-geral do partido, que ele ajudou a formar no estado. Precisamos mostrar um mínimo de consideração e não sugerir que ele ceda a vez porque um deputado federal petista — pelo qual, aliás, tenho respeito — quer ocupar o lugar. Nesse enredo, não tem mocinho nem bandido. É um impasse legítimo.
“Só enxergam polêmica nas falas de Lula aqueles que acham que tudo tem de ser politicamente correto, que só podemos falar o que querem ouvir. Isso é de uma cretinice absurda”
Lula deu recentemente declarações — sobre aborto, policiais, guerra na Ucrânia — consideradas polêmicas e prejudiciais à sua campanha. Acha que o presidente falou mais do que deveria? Na minha opinião, só enxergaram polêmica aqueles que acham que tudo tem de ser politicamente correto, que só podemos falar o que querem ouvir. Isso é de uma cretinice absoluta. Segundo mostram as próprias pesquisas, o povo nem deu muita bola. Eu e o camarada Lula temos boa relação justamente porque somos parecidos no jeito de conversar, de nos expressar. Mas acho importante deixar claro: não sou um clone dele.
No que de mais relevante o senhor se distingue de Lula? Gosto de parceria público-privada, de parque privatizado, e considero que a reforma trabalhista tem de ser estudada. Não é só meter a caneta e descartá-la, como Lula tem defendido.
Minas concentra o segundo maior colégio eleitoral do país e costuma ser decisivo nas eleições. A aliança PSD-PT seria um grande ativo para as duas partes? Lula conhece muito Minas Gerais e, como homem inteligente que é, sabe da importância do estado. Na época dele, é bom lembrar, havia cinco ministros mineiros. Bolsonaro não tem nenhum. Isso resume o que cada um pensa de Minas. Só não gosto da palavra “ativo”. Prefiro dizer que estar ao lado de Lula faz, sim, uma boa diferença.
Na ciranda das alianças pré-eleição, outros partidos tentam cooptar tanto o PT como o PSD, o que poderia abalar a futura aliança. O senhor teme que sua candidatura murche em meio a tantos movimentos? Eu garanto que o PSD não corre risco de ser cooptado por ninguém. O partido só iria de Bolsonaro se o Kalil permitisse. E eu não vou permitir. E explico por quê. Nos meus três anos de prefeitura em Belo Horizonte com ele presidente, tentei marcar horário para trazer alguma coisa para a cidade e não consegui. O estado também não teve ajuda nenhuma porque o governador não se interessou. Ele recebeu o dinheiro amargo e duro da Vale pelos 272 soterrados de Brumadinho sem precisar trabalhar.
O governador Romeu Zema tem tentado se mostrar neutro em relação ao presidente. Vai conseguir? Não, mas não sou eu que associo os dois. Bolsonaro já deu entrevista declarando inclusive que eles são marido e mulher. Mandou não usar máscara e o Zema tirou a dele. O governador também endossou o discurso de que a cloroquina era a solução para a pandemia. Ele é aquele tipo de sujeito que sugou tudo o que podia da beleza da mulher. Agora que ela está feinha, vai chutar? Não pode.
É desconfortável ver que, em outros estados, seu partido apoia Jair Bolsonaro? De jeito nenhum. Tenho muitos amigos cruzeirenses. Se minha roda fosse só de atleticanos, estaria ferrado, porque não teria com quem debater. O mal do Brasil hoje é que os idiotas acham que todo mundo tem de pensar igual a eles, sejam de direita ou de esquerda. Isso está liquidando o nosso país.
Por que o senhor se aproximou de Lula enquanto outros integrantes do seu partido estão com Bolsonaro? Falando por mim, vou com o Lula porque ele pensa igual a mim, está preocupado com a fome, com o gás caro, que está fazendo gente voltar a usar fogão de lenha, com a gasolina que está arrasando os motoristas de Uber e de táxi. Não desqualifico ninguém, só acho que é estupidez ignorar a pobreza, como faz Bolsonaro. Quem a ignora vai vê-la chegar mais cedo ou mais tarde na porta de casa, na forma da anarquia ou da bala.
Na sua opinião, o PSD deveria caminhar com o PT nacionalmente, ainda no primeiro turno? Não. Acho que o presidente do PSD, Gilberto Kassab, tem uma posição muito coerente. Ele democraticamente liberou os estados e cada um apoia quem quiser. Tentou unificar o partido com candidaturas próprias, mas não conseguiu.
Por que falhou? Porque o cenário está completamente polarizado entre Lula e Bolsonaro.
O senhor teme que Bolsonaro cresça nas pesquisas? Não podemos temer o resultado das urnas, que vai ser acatado. Se o povo quiser eleger Bolsonaro, é legítimo. Uma coisa é certa: quem perder cai fora.
Como avalia as constantes falas de Bolsonaro pondo em risco o resultado da eleição? Acho que é um desvio de foco. Ninguém governa depois de perder uma eleição. A história mostra que, com carabina nas ruas ou esvaziamento de instituições, os golpes se dão no meio dos mandatos. Temos problemas reais e eles, sim, precisam ser debatidos: desempregados, desalentados, sopa de osso, inflação.
Como avalia o mandato de seu adversário, o governador Zema? Péssimo. E posso dar alguns exemplos: temos uma malha rodoviária espatifada. O secretário de Infraestrutura é um advogado paulista que só entende de concessão. Os prefeitos estão com balde de terra tapando buraquinhos.
“Não sou eu que associo o presidente ao governador. O próprio Bolsonaro já disse inclusive que eles são como marido e mulher. Mandou não usar máscara e o Zema tirou a dele”
Por que então ele está na frente nas pesquisas? Eu estou em campanha há um mês e meio. Ele está voando de helicóptero há dois anos, sem fazer absolutamente nada pelo estado. Vamos esperar um pouco, até as pessoas começarem a pensar na eleição, porque por enquanto o povo só quer saber se o Jorge Jesus volta para o Flamengo ou se o Atlético vai ser tricampeão brasileiro. Zema se recusa a participar de sabatina, só fala em emissoras locais com perguntas previamente preparadas para o agrado dele. Nos próximos meses, não vai conseguir fugir de tudo.
Existe chance de acontecer um acordo entre Lula e Zema, o tal Lulema, como foi ventilado? Aqui isso não acontece. Se o Zema quer o voto do Lula, tem de parar de dizer que quem desgraçou o estado foi o PT, apesar de o governo de Fernando Pimentel realmente ter sido muito ruim. Ele fala isso de manhã, de tarde e de noite. Aliás, se tirar esse assunto da boca dele, não sobra nada. O Lulécio só ocorreu em Minas no longínquo 2006 porque havia dois grandes candidatos na corrida — Lula e Aécio Neves.
Por que o senhor decidiu sair da prefeitura e ser candidato ao governo? Quando entrei na prefeitura, em 2017, as pesquisas já me favoreciam, mas achei que não era hora. Queria ouvir, aprender, ter a experiência de prefeito. A partir do momento que entendi que eu ia bem e Minas estava muito mal, decidi concorrer. Isso se chama aumento de espectro de ajuda: primeiro ajudei um clube de futebol com orçamento de município do interior, depois uma cidade com orçamento de mais de 15 bilhões de reais e agora tenho a possibilidade de ampliar esse leque e governar Minas.
O próximo passo é a Presidência? Não sou mais um menino. Acho que o governo de Minas é meu teto. Não sou modesto: fiz uma boa presidência no Atlético, uma boa prefeitura. Quero fazer um bom governo aqui. E para mim basta.
Publicado em VEJA de 25 de maio de 2022, edição nº 2790