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Acusações de Moro contra Bolsonaro foram injustas, diz André Mendonça

Ministro da Justiça diz que considera legítimas as manifestações que pedem a volta da ditadura e defende a escolha de um evangélico para o STF (seu caso)

Por Thiago Bronzatto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h58 - Publicado em 10 jul 2020, 06h00
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  • Pouco antes da posse do presidente Jair Bolsonaro, André Mendonça, servidor público concursado, deu apoio ao gabinete de transição do então futuro ministro da Justiça, Sergio Moro. Os dois trabalharam juntos na elaboração de propostas relacionadas ao combate à corrupção. No governo, Mendonça, que tem 47 anos, primeiro assumiu o comando da Advocacia-Geral da União (AGU), onde atuou na recuperação de recursos públicos desviados e em acordos de leniência com empresas envolvidas na Lava-Jato. Desde o fim de abril, quando tomou posse no lugar de Moro como ministro da Justiça, André Mendonça esteve mais de trinta vezes no Palácio do Planalto em 47 dias úteis, uma rotina bem diferente da de seu antecessor. Com um bom trânsito no Judiciário, ele recebeu recentemente a missão de articular uma reaproximação do governo com o Supremo Tribunal Federal (STF) em meio ao cabo de guerra entre os poderes. O ministro também é apontado como um dos favoritos a assumir a próxima vaga no STF — ele seria o candidato “terrivelmente evangélico”, nas palavras do presidente. Nesta entrevista a VEJA, Mendonça rebate as críticas de que existe um viés autoritário na conduta de Bolsonaro, classifica como “atos democráticos” a maioria das manifestações em Brasília, garante ser impossível interferir na Polícia Federal e diz que as acusações de Moro contra o presidente foram injustas.

    A estabilidade da democracia brasileira corre algum tipo de risco? Não. Muito pelo contrário. A eleição do presidente Bolsonaro representa o resgate da democracia. Os verdadeiros atos antidemocráticos foram praticados antes da eleição dele. O mais grave de todos foi a corrupção revelada pela Operação Lava-Jato. Pilares fundamentais de nossa democracia foram comprometidos pela corrupção sistêmica, que avançou sobre as instituições, especialmente no Executivo e no Legislativo. Foi o desejo de colocar um ponto-final nessa situação que elegeu o presidente Bolsonaro. Ele, na verdade, inaugura o início do que podemos chamar de um ciclo de consolidação da qualidade democrática.

    Como interpretar, então, a participação do presidente em atos que defendem a volta da ditadura? Quando nós vemos alguém com uma faixa saudosista em relação ao regime militar, a nossa leitura tem de ser outra. A pergunta é: o que fizemos com a nossa democracia para que alguém defenda essa volta ao passado? Isso tem de ser visto não como um ato antidemocrático, mas como uma reivindicação por uma democracia de melhor qualidade. Essas pessoas, muitas vezes, acreditam que valores que deveriam estar presentes na nossa democracia não estão. Valores como menos corrupção e ensino público de qualidade, por exemplo. Repito: os verdadeiros atos antidemocráticos foram praticados antes da eleição do presidente.

    O inquérito do STF que investiga os atos antidemocráticos, portanto, não tem razão de existir? Precisamos separar o que é livre manifestação daquilo que são atos concretos de ameaça real às instituições. Vou dar um exemplo extremo. Se tivermos amanhã aqui em Brasília uma manifestação em defesa do regime anárquico, vamos proibir? Ora, a anarquia defende o quê? Justamente a não existência de instituições. Uma eventual manifestação nesse sentido tem de ser recebida por nós, agentes públicos, com a seguinte pergunta: o que estou fazendo de errado que está levando essas pessoas às ruas para defender a anarquia?

    “O que fizemos para que alguém defenda essa volta ao passado? Isso tem de ser visto não como um ato antidemocrático, mas como uma reivindicação por uma democracia de melhor qualidade”

    O senhor considera então a pregação pública de “intervenção no STF” ou do “Fora, ministro ‘x’ ” uma manifestação legítima? Enquanto estiver somente como uma expressão, sim. Eu já enfrentei o “Fora, André Mendonça”. Hoje, as mídias sociais permitem a manifestação concomitante de pessoas que nem sequer se conhecem. Presidente sofre ataque, parlamentar sofre ataque, juiz sofre ataque, eu sofro ataque. Isso faz parte da democracia. Agora, atos concretos, ameaças reais, crimes efetivos, esses precisam ser punidos com todo o rigor. Aquele lançamento de fogos de artifício, por exemplo, extrapolou.

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    Pode-se considerar também como natural a manifestação do ministro Celso de Mello comparando o presidente da República a Hitler. Não é recomendável.

    As relações do governo com o STF estão pacificadas? Acho que já houve um pouco mais de tensão, de um lado e de outro. Almoçamos (Mendonça, o ministro Jorge Oliveira, secretário-geral da Presidência e o ministro José Levi, advogado-geral da União) com o ministro Alexandre de Moraes na casa dele. Ele nos recebeu muito bem. Foi um diálogo tranquilo, construtivo, de demonstração do nosso respeito pelo Supremo e que da nossa parte estávamos abertos a esse diálogo permanente pelo bem do país. Hoje, se fala muito em poder moderador. Podemos ser todos poderes moderadores. E o moderador é aquele que se autocontém no exercício do poder. É o que ajuda também os outros poderes a não extrapolar. Isso é princípio democrático, sistema de freios e contrapesos. Então, essa busca pelo equilíbrio vai sempre fazer parte da democracia.

    O governo classificou como ataque à liberdade de expressão a lei aprovada recentemente pelo Senado que pune a divulgação de fake news. A criminalização da opinião, ainda que não correspondente à exata expressão da realidade, pode ter efeito mitigador da liberdade de expressão. Por isso, vejo essa lei com cautela. Definir fake news não é tão simples. O Tribunal Superior Eleitoral tentou regulamentar esse assunto e não conseguiu. Não podemos fazer das notícias não verdadeiras, das expressões não totalmente correspondentes à realidade, um instrumento de perseguição.

    Ao deixar o ministério, seu antecessor, Sergio Moro, disse que o combate à corrupção nunca foi uma prioridade do governo Bolsonaro. Eu discordo totalmente. O combate à corrupção sempre é mais efetivo através da prevenção. Quando há bons indicadores de boa governança pública, há baixos níveis de corrupção. Quando há maus indicadores, há altos níveis de corrupção. O presidente Bolsonaro priorizou nomes técnicos na montagem de seu ministério. E mesmo os nomes com indicações políticas, que são legítimas e é bom que existam, passaram por rígidos critérios de avaliação curricular. Isso fez com que chegássemos a um ano e meio de governo sem um caso de corrupção sistêmica no governo federal. Então, essa é a maior demonstração do nosso compromisso com o combate à corrupção.

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    O que é ser “terrivelmente evangélico”? Não sei. Essa é uma fala do presidente. Acho que o presidente é a melhor pessoa para dizer o que é ser terrivelmente evangélico. Posso dizer o que é ser evangélico. É ser alguém que tem princípios, tem valores. Que tem a Bíblia como parâmetro de estilo de vida. Acima de tudo, é alguém que olha para Jesus Cristo e se vê agora como imperfeito, mas se mira num ser perfeito, buscando cada dia ser um pouco melhor que no dia anterior.

    É realmente importante ter um ministro evangélico na Suprema Corte?Supremo Tribunal Federal tem de ser sempre uma representação da sua sociedade. Por isso, acho legítimo termos lá um evangélico como termos judeus e católicos. Acho legítimo no futuro termos também um deficiente físico. A baliza, porém, tem de ser o notório saber jurídico.

    O senhor já conversou com o presidente a respeito desse assunto? Não. Nunca.

    Outro tema que é considerado importante para o governo Bolsonaro e não avança no Congresso é o porte de armas. Qual a sua posição sobre isso? Eu sou a favor, seguindo os critérios da legislação. Ou seja, o cidadão hoje tem o direito de exercer a sua legítima defesa como existe hoje nos Estados Unidos, onde há uma democracia consolidada. Devemos respeitar a lei. Havendo a posse de armas, que é algo mais consolidado, a questão do porte cabe ao Congresso tratar, dentro de um debate sem politizar a matéria.

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    Alguns evangélicos são contra o porte de armas, porque isso poderia representar uma ameaça à vida. É uma proteção à vida de quem se sente ameaçado. Porte de arma não é uma concessão indiscriminada. Ele demanda não só atendimento a requisitos legais, como uma série de análises, inclusive psicológica. Dentro dos parâmetros legais, é um direito do cidadão também ter o porte. Até como forma de garantir a preservação da integridade física e da vida daqueles que cumprem esses requisitos.

    Qual a sua posição sobre o casamento homossexual? Eu tenho uma posição religiosa do casamento heterossexual. Agora, aos cidadãos deve ser garantida pela lei civil a igualdade de tratamento. Isso independe da minha convicção pessoal.

    “O Supremo Tribunal Federal tem de ser sempre uma representação da sua sociedade. Por isso, acho legítimo termos lá um evangélico como termos judeus e católicos”

    O senhor é favorável à redução da maioridade penal? Sou a favor da redução para 16 anos, ao menos em crimes dolosos contra a vida e contra o patrimônio em geral, como roubo e latrocínio, e crimes que tenham violência e grave ameaça. O jovem de 16 anos tem responsabilidade e direito de voto, e também precisa ter a responsabilidade penal ao menos para crimes dolosos. Há vários projetos sobre isso. É um tema que o Congresso deve tratar num debate mais profundo diante de um estado de insegurança pública que vivenciamos. Pretendo avançar nessa discussão.

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    No dia da prisão do ex-policial Fabrício Queiroz, amigo de Bolsonaro, o senhor foi chamado ao Palácio do Planalto. O senhor deu algum conselho jurídico ao presidente? Não. A única coisa que o presidente falou é que esse assunto não é do governo.

    Se o senhor quisesse interferir na Polícia Federal para atender a algum interesse político, o senhor conseguiria? Impensável. Primeiro, porque não me permitiria a isso. Segundo, a própria Polícia Federal tem mecanismos institucionais, carreira sólida, uma autonomia na atuação institucional e é culturalmente estabelecida. É algo que não se permite.

    Mas foi exatamente essa acusação feita pelo ex-ministro Sergio Moro. Uma acusação injusta. Uma interpretação, na minha visão, equivocada do que são definições de gestão e de atuação específica. Os elementos trazidos no inquérito já demonstram cabalmente que não houve nenhuma interferência. Acho que por questão de justiça esse inquérito deve ser arquivado.

    Publicado em VEJA de 15 de julho de 2020, edição nº 2695

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