O fantasma do bloqueio criativo
Como se dá o mal que atormenta escritores e como ele pode ser “curado”
Quando lançou Cidade de Deus, em 1997, o carioca Paulo Lins tinha 39 anos e poucas expectativas. Não imaginava que seu livro ganharia as telas cinco anos depois, se tornaria um blockbuster e concorreria a quatro estatuetas no Oscar. Nem que seria vendido em mais de vinte países e teria seu passe disputado por grandes editoras – a Planeta o tirou da Companhia das Letras em 2004, num negócio de 100.000 dólares. O estouro, se trouxe fama e dinheiro, rendeu também um período improdutivo nas letras. Lins ficou cerca de dez anos sem escrever. Ainda na Companhia das Letras, chegou a começar um romance que abandonou. E Desde que o Samba É Samba, livro que lança dia 9, foi feito ao longo de sete anos entre idas e vindas, rompimentos e reaproximações. O medo de não repetir o feito de Cidade de Deus era o que travava o escritor. Paulo Lins sofria de um tipo comum do temido bloqueio criativo.
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Outro que travou diante do sucesso foi o americano Michael Chabon. Depois de publicar o primeiro livro, Os Mistérios de Pittsburgh, e pegar um grande adiantamento para o segundo, Chabon simplesmente não conseguiu escrever. Ele ficou anos parado, desistiu do livro para o qual havia recebido adiantamento e investiu em uma história baseada no próprio drama. Wonder Boys¸ que virou filme, é sobre um escritor bloqueado.
A cura – Entre as dicas dadas no curso de Desbloqueio, estão a de trocar o narrador (substituindo a primeira pessoa pela terceira), a de buscar novos temas, a de ler em grupo e dialogar com pares, a de ter uma atividade artística que não seja baseada na palavra e a de fazer o que os americanos chamam de “close reading”. “É uma técnica bacana, utilizada em universidades nos Estados Unidos. Trata-se de uma leitura atenta: um grupo lê um conto, em voz alta, devagar, prestando atenção em cada palavra, na pontuação, no itálico, perguntando-se por que cada coisa está ali. É desconstruir o texto para apreender as suas partes”, diz Rosangela Petta.
Outra dica, que pode soar paradoxal, é escrever. “O bom do exercício é que ele é livre, você não tem compromisso de publicá-lo. É preciso se aventurar pela palavra e pelo texto”, diz a curadora pedagógica da Oficina de Escrita Criativa. “A obra é resultado de muita preparação – bagagem, planejamento, conhecer como se constrói o personagem e os diálogos – e reescrita.”
Escrever foi justamente a saída encontrada pelo pernambucano Raimundo Carrero. Depois do lançamento do primeiro livro, A História de Bernarda Soledade (1975), Carrero foi acometido por aquilo que Edgar Allan Poe chamou de “mal da meia-noite” ou “insônia literária”. “Fiquei sem escrever nada, nem uma só frase. Montava rascunhos, notas, resumos e não conseguia escrever o texto. O branco total”, lembra. “Foram montanhas de papel, centenas de cigarros, litros de uísque e noites indormidas, até que resolvi adaptar a tragédia do Rei Davi e Betsabá aos sertões pernambucanos. Com um lápis, consegui anotar palavra por palavra, frase por frase, até conseguir ter um texto visível aos meus olhos. Escrevi, então, As Sementes do Sol (Iluminuras, 1981), novela que integra o volume O Delicado Abismo da Loucura. Eis a lição definitiva: anotações de frases evitam o bloqueio.”
Outros 500 – Vítima de bloqueios enquanto escrevia seu último romance, Outra Vida (Objetiva, 2009), o carioca Rodrigo Lacerda propõe outras categorias para o travamento criativo: o circunstancial e o estrutural. “O bloqueio circunstancial é um acidente momentâneo e o estrutural é quando você ainda não tem elaboração interna suficiente para fazer avançar a história que inventou. Nesses casos, vencer o bloqueio é mais um processo de amadurecimento pessoal do que um problema de trabalho puro e simples”, diz, já embutindo uma dica para escritores travados: amadureçam.
Outro método, muito mais anárquico mas não menos valioso, vem do paulista Reinaldo Moraes, autor de Pornopopéia (Objetiva, 2009). “Não sei se esse negócio de ‘bloqueio criativo’ existe, de fato. Talvez seja simplesmente o nome que se dá à velha depressão quando aplicada a escritores. Acho que ninguém nasce escritor nem tem a obrigação de continuar escritor até morrer”, pondera Moraes. “Se não consegue escrever, é porque não é mais escritor. Vá plantar batata que dá mais certo. Se um dia, enquanto planta suas batatinhas, lhe vier alguma ideia ou impulso informe urgindo e rugindo por expressão escrita, escreva, ora. Aí torna-se de novo escritor. Caso contrário, aferre-se às batatas que dá mais certo. Pra que se torturar com esse negócio de ‘bloqueio criativo’? Só para continuar a ser escritor?”