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Venezuela: há limite para a lealdade do Exército se Maduro manipular eleição?

Árbitro final do poder, Forças Armadas permanecem leais à memória de Hugo Chávez. Mas oficiais de baixa patente podem se recusar a reprimir protestos

Por Amanda Péchy
28 jul 2024, 09h30
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  • As Forças Armadas da Venezuela, árbitro final do poder no país, foram moldadas durante o governo do ex-presidente Hugo Chávez para servir ao governo. Na teoria, essa instituição lida com a preservação da integridade territorial de uma nação “das fronteiras para fora”, enquanto as agências de segurança protegem indivíduos e suas propriedades “das fronteiras para dentro”. No entanto, nos últimos 25 anos, os militares se afastaram da função de proteção do Estado e seus cidadãos e se voltaram para a defesa do regime chavista. Herdeiro de Chávez, Nicolás Maduro conta com isso caso perca as eleições não reconheça os resultados neste domingo, 28, o que pode exigir a repressão de protestos e rebeliões. Mas especialistas avaliam que pode haver limite para a lealdade do Exército.

    “Se as eleições forem roubadas, tenho certeza de que as Forças Armadas Nacionais Bolivarianas se juntarão à desobediência civil”, disse um general em serviço, sob condição de anonimidade, em entrevista à revista britânica The Economist em maio.

    De baixo para cima

    Embora ninguém esteja prevendo uma revolta nos quartéis, o descontentamento entre as bases é generalizado. À medida que a economia da Venezuela saiu dos trilhos — encolhendo 71% entre 2012 e 2020, enquanto a inflação ultrapassou 130.000% nos últimos quatro anos — quaisquer bônus em dinheiro e vantagens concedidos às famílias militares pelo regime perderam muito de seu brilho.

    A deserção aumentou entre os cerca de 150.000 membros das Forças Armadas, ao passo que muitos se juntam aos mais de 7,7 milhões de venezuelanos (um quarto da população) que fugiu do país em crise e do governo repressor.

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    “Recrutas, alistados e oficiais de baixa patente não estão ganhando dinheiro”, disse William Brownfield, ex-embaixador dos EUA na Venezuela e membro sênior do think tank Wilson Center, em Washington, à agência de notícias Associated Press (AP). “Muitos provavelmente têm parentes que fugiram da Venezuela e são suscetíveis à mensagem da oposição.”

    O general Manuel Cristopher Figuera, um ex-chefe de espionagem, também disse à AP que um desafio a Maduro viria de baixo para cima, na forma de uma recusa em reprimir protestos contra uma possível fraude. Os candidatos da oposição prometeram “defender” o voto popular em caso de qualquer adulteração e muitos venezuelanos já estão se preparando para manifestações após a eleição.

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    “Eles não vão se rebelar, mas também não vão obedecer às ordens”, avaliou Figuera, que fugiu do país em 2019 após liderar uma tentativa fracassada de tirar Maduro do poder.

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    Pequena esperança

    Além disso, muitos se lembram do momento em que Vladimir Padrino López, ministro da Defesa da Venezuela, apareceu na TV estatal ladeado por seu comando superior para validar os resultados das eleições legislativas de 2015, quando a oposição ganhou a maioria na Assembleia, antes mesmo de Maduro reconhecer a derrota.

    “Se houver uma avalanche de pessoas nas ruas apoiando a oposição, haverá muita pressão sobre Padrino”, afirmou à AP o general aposentado Rodolfo Camacho, um opositor de Maduro que trabalhou ao lado do ministro da Defesa antes de ser acusado de conspirar contra o governo e deixar a Venezuela. “Ele é a única pequena esperança que me resta.”

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    Ainda assim, Maduro vê um aliado em Padrino, a quem concedeu um novo título às vésperas da eleição: “General do Povo Soberano”. Talvez na tentativa de fazer com que o ministro não saia da linha.

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    Doutrinação e benefícios

    As Forças Armadas têm sido parte integrante do poder de Maduro desde que seu mentor e antecessor, o ex-comandante de tanques Hugo Chávez, liderou uma revolta contra um impopular governo de austeridade em 1992. Quando Chávez foi eleito presidente em 1998, ele expurgou oficiais treinados nos Estados Unidos para combater o comunismo, colocou companheiros golpistas em posições de destaque e direcionou a bonança das exportações de petróleo do país à compra de caças e equipamentos militares caros.

    Maduro, sem o pedigree militar de Chávez, ainda assim empoderou sua própria safra de aliados uniformizados. Muitos dos quais, como o presidente, enfrentam alegações de corrupção e abusos de direitos humanos.

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    Nos últimos dias, o presidente apareceu na TV estatal participando de uma cerimônia de formatura de 25.000 policiais, elogiando-os como a primeira linha de defesa contra o que ele chamou de tentativas da extrema direita – a quem conecta a oposição – de “provocar uma tragédia” no país. Sinal de alerta para a população, já que, recentemente, a Guarda Nacional importou, discretamente, equipamentos antimotim e reformou veículos blindados que poderiam ser usados ​​para reprimir protestos.

    Membros das Forças Armadas também passaram a ocupar postos civis importantes sob o chavismo — por exemplo, o atual presidente da empresa estatal de petróleo PDVSA é o coronel Pedro Tellechea. Estima-se que um em cada quatro cargos de gabinete é ocupado por militares. Enquanto isso, o governo não hesitou em punir soldados que saem da linha. Membros das Forças Armadas representam cerca de metade dos 301 oponentes de Maduro atualmente atrás das grades, classificados como prisioneiros políticos pela cooperativa de assistência jurídica Foro Penal, sediada em Caracas.

    “O Exército é uma caixa preta, portanto não há como prever como reagiriam a uma possível manipulação eleitoral”, analisa Carolina Pedroso, professora de relações internacionais da Unifesp, em entrevista a VEJA. “Mas o controle do regime sobre os militares é forte. Além da doutrinação de 25 anos, com expurgo de vozes dissidentes, os soldados tem vantagens materiais e muitos generais se beneficiaram do capitalismo toma-lá-dá-cá que floresceu no regime chavista.”

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