Sob pressão por falta de compromisso global, COP26 começa em Glasgow
'Se fracassarmos, nossos filhos não nos perdoarão. Nos julgarão com amargura e terão razão', disse Boris Johnson em discurso de abertura
Um dia depois de grandes economias do G20 fracassarem em se comprometer com um prazo de 2050 para cessar emissões líquidas de carbono, começaram nesta segunda-feira na cidade escocesa de Glasgow as discussões oficiais da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP26. A marca coloca ainda mais pressão sobre a falta de compromisso para redução das emissões de gases causadores do efeito estufa, um imperativo para conter o aumento da temperatura global.
O debate foi aberto pelo premiê britânico, Boris Johnson, que apelou para que a cúpula seja o “início do fim” da luta contra a crise climática global.
“Se fracassarmos, nossos filhos não nos perdoarão. Nos julgarão com amargura e terão razão”, disse o primeiro-ministro às autoridades. “Estamos a um minuto da meia-noite e precisamos agir mais. Se não fizermos nada hoje, será muito tarde para os nossos filhos fazerem algo no futuro”.
Em tom leve, embora alarmista, o anfitrião do evento também comparou o desafio dos líderes globais com o enfrentados por James Bond, o fictício espião escocês da saga de filmes e livros 007. “A tragédia é que isso não é uma película. A contagem para o dia do fim do mundo é real, e o relógio está rodando”, disse o premiê britânico.
“Com dois graus mais, colocaremos em risco a distribuição de alimentos. Com três graus mais, haverá mais incêndios descontrolados e cinco vezes mais seca. Com quatro graus mais, daremos adeus a cidades como Miami e Alexandria”, completou.
O discurso de Johnson foi o primeiro entre os líderes globais e pronunciamentos inaugurais continuarão nesta terça-feira e servirão para dar um impulso político à reunião de cúpula, que tem como objetivo manter a meta de limitar o avanço das temperaturas em mais 1,5 graus no fim do século, na comparação com o período pré-industrial.
Na tradicional foto dos líderes faltarão nomes importantes, como o presidente Jair Bolsonaro, além do líder da maior potência emissora de gases de efeito estufa, o chinês Xi Jinping, ou outros como o russo Vladimir Putin e o mexicano Andrés Manuel López Obrador.
Apesar de estar na Europa desde sexta-feira e ter participado do encontro do G20 em Roma, Bolsonaro não consta na lista de oradores da COP26 entre presidentes e primeiros-ministros.
As negociações já começaram entre técnicos, mas será a partir da próxima semana que vem, a segunda e última da COP26, prevista para acabar em 12 de novembro, que os ministros ligados à área ambiental darão impulso final à conferência da ONU.
Objetivo e ponto de partida
O objetivo principal da cúpula é elaborar um acordo, entre outros pontos, para elevar a ambição pela redução das emissões de carbono e garantir transferências financeiras dos países ricos para nações em desenvolvimento.
Como ponto de partida, existem dois consensos unânimes: o primeiro, de que as coisas estão dando errado para atingir a meta; a segunda, que ainda dá tempo de mudar o curso. Embora os presságios que precedem a reunião não sejam promissores, os organizadores da COP26 tentaram soar otimistas em seus discursos na abertura da conferência.
“Se agirmos agora e juntos, podemos proteger nosso amado planeta. Portanto, vamos nos reunir nessas duas semanas e cumprir o que Paris prometeu, Glasgow consegue”, disse o presidente da COP26, o britânico Alok Sharma.
Para a secretária-executiva da ONU para Mudanças Climáticas, Patricia Espinosa, “o sucesso na COP é absolutamente possível”, embora “seja necessária mais ambição de mais países, principalmente dos grandes emissores do G20, responsáveis por quase 80% das emissões globais”.
Poucos dias antes do início da COP, a ONU alertou que os compromissos atuais dos países para cortar emissões de gases causadores do efeito estufa deixam o planeta no caminho de um “catastrófico” aumento da temperatura do planeta em 2,7 graus Celsius.
“Para ter a chance de limitar o aquecimento global a 1,5 grau, temos oito anos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa quase pela metade. O relógio está correndo ruidosamente”, enfatizou a diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Inger Andersen, após a divulgação do relatório “Emissions Gap Report”.
Para atingir o objetivo de minimizar os danos, e limitar o aumento da temperatura neste século para os patamares desejados, o relatório afirma que seria necessária uma redução anual adicional, acima dos compromissos atuais, de 28 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente, medida usada para quantificar a massa dos gases de efeito estufa a partir do potencial de aquecimento. O relatório, no entanto, estima que, na taxa atual, as emissões globais serão de 60 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente.
Diante desse cenário, os compromissos assumidos por 49 países, em conjunto com a União Europeia (UE), para chegar a um estado de neutralidade de carbono — zero emissões líquidas de CO2 — poderiam fazer “uma grande diferença” e reduzir o aquecimento global em mais 0,5 grau Celsius.