“Ser conservador no Google é como ser gay nos anos 1950”
Em entrevista a VEJA, engenheiro demitido por "promover estereótipos de gênero" critica ambiente "sufocante" da empresa - e reafirma seu ponto de vista
No início de agosto, o engenheiro James Damore foi demitido do Google por defender em um memorando que a desigualdade entre homens e mulheres na indústria da tecnologia é resultado de diferenças biológicas. Quando o documento vazou para a imprensa, foi chamado de sexista, de preconceituoso e até de nazista. Alguns dias depois, o CEO do Google, Sundar Pichai, interrompeu as férias para demitir o funcionário. Segundo Pichai, o “memorando antidiversidade”, como ficou conhecido o documento, violou o código de conduta da empresa “ao promover estereótipos de gênero nocivos no ambiente de trabalho”.
Damore, que ingressou na empresa em 2013, após abandonar um doutorado em biologia matemática em Harvard, argumenta que, em média, homens e mulheres têm interesses inatos distintos, o que levaria a uma preponderância feminina em áreas ligadas a pessoas e as distanciaria das engenharias. Para ele, as políticas da empresa, cuja meta é ter 50% de engenheiras e 50% de engenheiros, partem de premissas equivocadas. No memorando compartilhado com colegas da empresa, o engenheiro aproveita para criticar o ambiente político de “tendência esquerdista” do Google e a patrulha do politicamente correto.
Não há respaldo científico para as conclusões que ele chega a partir dos estudos usados no memorando – ao contrário, para a britânica Angela Saini, que analisou inúmeras teses sobre o tema, não há evidências de que os cérebros de homens e o de mulheres sejam significativamente diferentes. Mas, ao demitir um funcionário por suas opiniões, o Google também foi contestado. Em entrevista exclusiva a VEJA, Damore reafirma que homens e mulheres têm inclinações distintas, ataca os “guerreiros da justiça social” e diz que o ambiente “ultraprogressista” do Google chega a ser sufocante. “Pessoas com visões diferentes não podem dizer nada e são constrangidas ao silêncio”, disse. Confira abaixo trechos da conversa:
Como é o ambiente do Google? Há uma crença popular de que os conservadores são maus e burros. É uma crença perversa em que tantas pessoas nesse meio acreditam. Então, os conservadores precisam ficar no armário e disfarçar quem eles são de verdade. É um ambiente horrível. De muitas maneiras, é como ser gay nos anos 1950. As pessoas nesse meio ultraprogressista nem conseguem perceber como é opressivo para os outros. Pessoas com visões diferentes não podem dizer nada e são constrangidas ao silêncio, porque o Google é muito rígido na cultura do politicamente correto.
Por que o sr. escreveu o memorando? Eu fazia parte de um projeto de diversidade do Google. Nesses programas, o argumento básico é de que todos são iguais, mas é necessário ter pessoas com diferentes experiências, porque diversidade é bom – embora não haja a mesma preocupação com pontos de vista distintos. Fala-se muito sobre as questões que impedem as mulheres de avançar na empresa e o que é preciso para mudar isso. Mas não se discute que talvez as mulheres tenham interesses diferentes dos homens. Quando pediram nossos comentários, eu escrevi o memorando.
E o que aconteceu? Fui ignorado. Então mandei o documento para alguns conhecidos e tive retornos positivos. Depois, mandei para um grupo de e-mails interno da empresa, chamado “Céticos”, que tem mais ou menos 1000 pessoas. Pensei que elas poderiam apontar alguns erros ou algo assim, mas a coisa explodiu. Em parte era só um comentário sobre os aspectos mais sufocantes da cultura empresarial e como as pessoas não podem expressar uma visão dissidente. E era também sobre como melhorar os programas de diversidade, em vez de dizer que tudo é provocado pelo sexismo e pelas microagressões.
O que são essas microagressões? Como já não há diferenças de tratamento no ambiente de trabalho, eles acreditam que são pequenas coisas que podem estar perpetuando as diferenças. Perguntar para uma pessoa de onde ela é ou como se pronuncia seu nome pode ser entendido como uma forma velada de ofensa. Quando alguém diz para um grupo de pessoas ‘Hi, guys’ (olá, rapazes), isso é considerado uma microagressão se há mulheres no grupo. Estamos superprotegendo as pessoas ao dizer que todos esses incidentes são um grande problema.
Houve alguma conversa depois da demissão? Nada demais. Eu disse que eles estavam cometendo um erro. Eles disseram que a decisão era final.
Qual foi o erro do Google? Eles deveriam reconhecer que existe um ambiente dividido na empresa e que parte dela me apoiou. Não sou um cara maluco que escreveu algo terrivelmente racista. Se fosse o caso, não teria tanta repercussão. É uma teoria razoável, e por isso tantas pessoas vieram em minha defesa. Eu tentaria aproximar os dois lados do debate. O que temos agora é um dogma monolítico que não pode ser questionado. Existe esse pequeno grupo de pessoas, o dos ‘guerreiros da justiça social’, que me culpou e disse que eu era uma pessoa terrível. Eles mandavam e-mails aos meus superiores pedindo a minha cabeça. São 5% que controlam todos os demais, pois todos têm medo dessa turba enfurecida.
O sr. mudaria algo no memorando? Não usaria a palavra ‘neuroticismo’ para dizer que as mulheres são mais neuróticas que os homens. Embora seja o termo usado na psicologia, tem uma conotação negativa e não percebi que seria considerado ofensivo para muitas pessoas.
Como é possível ter tanta certeza de que homens e mulheres têm características inatas tão diferentes? A maior diferença que eu aponto no estudo é que homens têm mais interesse em coisas, e mulheres, em pessoas. Existem alguns aspectos que não são socialmente construídos. Não estou dizendo que tudo é biologia e que nós não empurramos algumas normas de gênero às pessoas, mas algumas diferenças existem. Apenas 15% das mulheres têm o mesmo interesse que o homem médio em sistemas de computação. E frequentemente ser obcecado por sistemas é o que se precisa para ser um programador bem-sucedido.
As mulheres não podem desenvolver essa característica? Claro, mas é uma questão de preferência, e não deveríamos empurrar isso para as pessoas e assumir que, porque não há tantas mulheres nesse campo, há algum tipo de sexismo acontecendo.
Como é a sensação de estar no centro de um debate viral? Definitivamente é estressante. Sempre fui bastante introvertido e nunca quis ser o centro das atenções. Talvez, se fosse mais extrovertido, poderia até tirar proveito da situação. Eu não sei nem como usar o Twitter e nem quero ficar falando o que eu penso na televisão. Minha família me apoia. Eles sabem que eu não sou um sexista intolerante e que eu só estava tentando tornar as coisas melhores. Eu esperava que as pessoas lessem o documento e concordassem ou discordassem. Não que eu fosse tomado por um nazista sexista.
Por que tanta gente da alt-right, a “direita alternativa” que apoia Donald Trump, passou a te defender? Acho que foi em razão dos inimigos comuns. Mesmo assim, aceitar a ajuda de uma pessoa não significa concordar com tudo que ela acredita, certo?
O politicamente correto ajudou a eleger Trump? Sem dúvida, há muitas pessoas que estão cansadas disso. A recusa dele em jogar pelas regras do politicamente correto aumentou a sua popularidade.
O sr. votou em Trump? Não. Apoiei um terceiro candidato, Gary Johnson [do Partido Libertário, que teve 3,27% votos na eleição]. Basicamente, sou um libertário de centro. Não gosto daquilo que oprime ou restringe a liberdade das pessoas. Esquerda e direita assumem diferentes dogmas que prejudicam a compreensão da realidade e acabam entrando em choque com a ciência. Conservadores podem negar a teoria da evolução e a esquerda rejeita as diferenças entre os sexos.
Por que o sr. montou um site para arrecadar dinheiro? Montaram para mim, com minha permissão. Existe a possibilidade de eu processar o Google. Além disso, estou desempregado.
O sr. recebeu propostas de trabalho? Não. Fui convidado para escrever artigos para alguns sites, mas não tenho interesse pela política do dia a dia.
Você afirmou em sua conta no Twitter que foi demitido por dizer a “verdade”. Que verdade é essa? A verdade é que existem essas diferenças de gênero na população e nem tudo é uma construção social.