Documentos atribuídos ao Pentágono sobre a guerra na Ucrânia, que vazaram na internet na semana passada, indicaram que os Estados Unidos suspeitam que o líder russo, Vladimir Putin, pretendia usar o plano do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a guerra na Ucrânia a seu favor.
O líder brasileiro defende a formação de um grupo de trabalho internacional para discutir termos para o fim do conflito, ideia que ele apresentou durante uma visita do chanceler alemão, Olaf Scholz, ao Brasil, em fevereiro. Na ocasião, Lula disse que é preciso criar um “clube das pessoas que vão querer construir a paz no planeta”.
“A minha sugestão é que a gente crie um grupo de países, que tente sentar à mesa com a Ucrânia e com a Rússia para tentar encontrar a paz”, declarou, acrescentando que o Brasil está disposto a participar da mediação e que a China teria um papel importante na negociação pelo fim da guerra.
Um dos documentos americanos vazados – alguns dos papéis foram confirmados pela inteligência americana como verdadeiros – diz que, no final de fevereiro, as autoridades russas de relações exteriores apoiaram a proposta de mediação da Ucrânia, apresentada pelo então recém-eleito Lula. A informação foi revelada pelo jornal americano Miami Herald, que obteve parte da papelada.
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O relatório ultrassecreto sugere, segundo a inteligência americana, que as autoridades russas acreditavam que o plano “para estabelecer um clube de mediadores supostamente imparciais para resolver a guerra na Ucrânia rejeitaria o paradigma de ‘agressor-vítima’ do Ocidente”.
Nos primeiros meses do governo, Lula sugeriu por diversas vezes que a situação da Rússia e da Ucrânia poderiam ser equiparadas, o que deixou líderes ocidentais em estado de alerta. O presidente brasileiro rejeitou os apelos para o envio de munições à Ucrânia, defendendo que o correto seria voltar à mesa de negociações.
Ainda que Lula tenha declarado, após um encontro com o presidente Joe Biden, em Washington, que a Rússia é a agressora e a Ucrânia, a vítima – além de ter conversado por telefone com Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia –, algumas de suas ações ainda são questionadas.
Em uma votação nas Nações Unidas há duas semanas, o Brasil foi um dos únicos países a ficar ao lado de uma proposta da Rússia de criar um grupo de investigação no órgão para examinar as explosões nos gasodutos Nord Stream 1 e 2 no mar do Norte. Ao lado de Brasília estavam apenas a China e a própria Rússia.
Além disso, na semana passada, o próprio Lula sugeriu que a Ucrânia deveria renunciar às reivindicações territoriais sobre Crimeia, que a Rússia anexou ilegalmente em 2014. O governo ucraniano defende que a guerra só pode acabar se o seu país recuperar todo o território perdido para a Rússia.
O relatório de inteligência dos Estados Unidos menciona que o governo brasileiro planejava enviar um enviado a Moscou para discutir o plano de Lula para a Ucrânia no início de abril. Celso Amorim, assessor especial do presidente brasileiro, encontrou-se com Putin no final de março, embora o resultado da visita não esteja claro.
Em entrevista à emissora americana CNN, Amorim disse que as portas não estão totalmente “fechadas” para encontrar uma solução negociada para a guerra.
Para Paulo Velasco, professor de política internacional da Ufrj, Lula tenta posicionar o Brasil de forma mais neutra possível para que o Brasil tenha maior proeminência internacional – de forma semelhante ao que fez em seus mandatos anteriores, entre 2003 e 2010.
“A equidistância estratégica da diplomacia brasileira permite uma gama maior de relações”, afirma o especialista.
Documentos vazados
O Departamento de Justiça dos Estados Unidos está se esforçando para investigar e conter as consequências de um grande vazamento de documentos secretos do Pentágono sobre a guerra na Ucrânia, que abalou autoridades americanas, membros do Congresso e aliados importantes nos últimos dias.
Os documentos incluem detalhes sobre como os Estados Unidos espionam amigos e inimigos, bem como informações sobre os exércitos da Ucrânia e da Rússia. As informações foram publicadas no mês passado em redes sociais, como Twitter e Telegram, e vieram à tona devido a investigações jornalísticas na sexta-feira 7.
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Até o momento, pouco se sabe sobre o responsável pelo vazamento ou como alguns dos segredos mais bem guardados do país acabaram na internet. O Departamento de Defesa ainda está analisando o assunto e tomou medidas para restringir o fluxo dos documentos altamente confidenciais, mas autoridades americanas e aliados próximos já temem que as revelações possam colocar em risco fontes sensíveis e comprometer as relações exteriores.