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Reino Unido e Mercosul buscam acordo de livre comércio pós-Brexit

Brasil pode ser afetado pelo divórcio entre Londres e a União Europeia, que entra em vigor nesta sexta-feira; regras para viagens não mudam por enquanto

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 31 jan 2020, 08h00 - Publicado em 31 jan 2020, 07h00

Se o Brexit não é mais uma incógnita para o governo britânico a partir desta sexta-feira, 31, uma de suas prioridades agora passa a ser a busca de outros fornecedores para reduzir sua dependência do continente e selar sua independência definitiva da União Europeia (UE). Lado a lado, Reino Unido e Mercosul se olham como nunca antes e concordam com a necessidade de firmar um acordo que permita, no horizonte mais curto possível, o livre comércio de bens e serviços entre os dois mercados.

A VEJA, o embaixador britânico no Brasil, Vijay Rangarajan, afirmou que um acordo entre seu país e o bloco sul-americano “é uma das prioridades do governo britânico para o cenário pós-saída da União Europeia”. “Esta intenção faz parte das conversas regulares com o governo brasileiro”, disse.

Fontes do Itamaraty confirmam haver tratativas com Londres. Há, inclusive, relatos de que o presidente Jair Bolsonaro teria abordado o assunto, sem entrar em detalhes, em contatos com o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson.

O Mercosul e a União Europeia fecharam em junho de 2019, quando o Reino Unido ainda fazia parte do bloco, um acordo de livre-comércio que vinha sendo negociado pelas partes nos últimos 20 anos. O pacto está em fase de revisão e tradução e deverá ser remetido aos parlamentos de todos os países envolvidos até o final deste ano. Com o Brexit, Londres terá obrigatoriamente de negociar suas regras de comércio com os europeus, previstas para serem encerradas ainda em 2019. Somente depois poderá oficialmente conversar sobre um acordo com o Mercosul.

Os britânicos não estão entre os 10 maiores parceiros comerciais do Brasil. Mas absorveram 2,96 bilhões de dólares em produtos brasileiros e embarcaram para o país 2,33 bilhões de dólares em mercadorias em 2019. “Nossa relação de negócios com o Brasil sempre foi muito boa e tem crescido nos últimos anos”, diz o embaixador Vijay Rangarajan. “Agora, vamos reforçar nossa firme colaboração com o governo brasileiro para estreitar ainda mais esses laços”.

Para o Ministério de Relações Exteriores, há mais espaço para negociar termos vantajosos com o Reino Unido do que houve nas tratativas para o acordo União Europeia-Mercosul. Os britânicos são conhecidos por serem menos protecionistas na área agrícola e terem posições mais ofensivas em vários temas da agenda comercial internacional, como por exemplo os transgênicos e a biotecnologia.

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“O governo brasileiro quer dar prioridade e aprofundar o relacionamento comercial com o Reino Unido”, afirma a coordenadora-geral de Negociações Extrarregionais do Itamaraty, Paula Barboza. A ideia de ambos os lados é usar o pacto União Europeia-Mercosul como base para um novo acordo de livre comércio, porém, ousar mais nas propostas agrícolas.

Com toda a burocracia que envolve a aprovação de um acordo com a União Europeia, é possível até mesmo que uma aliança com o reino de Elizabeth II seja consumada antes da entrada em vigor do pacto com os europeus.

Impacto na economia

Desde que os britânicos aprovaram a saída do Reino Unido da União Europeia, em 2016, economistas de todo o mundo tentam prever o impacto da decisão no cenário mundial. Os britânicos usufruem atualmente do livre comércio dentro do bloco e continuarão a se beneficiar das tarifas zero de importação e da ausência de barreiras alfandegárias até 31 de dezembro de 2020, quando se encerrará o período de transição pós-Brexit. Após essa data, contudo, as partes deverão ter chegado a um acordo sobre as novas bases do comércio e sobre todos os impostos e exigências que serão aplicadas a partir de então.

É inevitável que as relações comerciais britânicas com os europeus sejam impactadas pela imposição das novas tarifas e restrições. Em 2018, o Reino Unido exportou 291 bilhões de libras esterlinas para o bloco europeu, o equivalente a 45% de todas as suas exportações.

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Estudo do Instituto Nacional de Pesquisa Econômica e Social (NIESR) aponta que o Reino Unido deve experimentar um impacto de 70 bilhões de libras esterlinas após o início do Brexit, sob os termos do acordo negociado por Boris Johnson. Com isso, o Produto Interno Britânico (PIB) britânico pode registrar um recuo de 3,5% nos próximos 10 anos.

O restante da União Europeia também deve sentir o impacto desse divórcio, já que atualmente 53% das importações britânicas, ou 341 bilhões de libras esterlinas, vêm dos demais 27 países europeus.

Reino Unido e Mercosul buscam acordo de livre comércio pós-Brexit
Manifestantes protestam contra o Brexit em frente ao Parlamento, em Londres – 28/10/2019 (Yara Nardi/Reuters)

O que muda para o Brasil?

O impacto econômico não deve ser sentido somente pelos britânicos e europeus, mas também nos trópicos. “O Brasil não tem uma grande relação comercial com o Reino Unido, mas com a União Europeia nossas relações comerciais estão na base dos 45 bilhões de dólares”, diz Roberto Dumas, professor de economia do Ibmec SP. “Se houver impacto na economia europeia, o Brasil certamente pode ser afetado”.

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Porém, para Celso Claudio de Hildebrand e Grisi, professor de Economia da Universidade de São Paulo (USP), esta é uma boa oportunidade para o país buscar novas relações vantajosas com os britânicos. “A retração no fluxo de comércio entre Reino Unido e União Europeia abre uma oportunidade grande para o Brasil colocar seus produtos na área de alimentos, tanto matérias-primas como manufaturados, à disposição dos britânicos”, diz.

Empresários brasileiros, contudo, estão temerosos. Uma pesquisa da provedora de serviços empresariais TMF Group mostrou que 27,2% do empresariado nacional espera que o Brexit tenha um impacto potencialmente negativo sobre negócios no país.

“O futuro do comércio entre Brasil e Reino Unido dependerá de quais novos regulamentos e acordos comerciais serão criados em um cenário pós-Brexit”, diz Rodrigo Zambon, diretor geral da TMF Brasil. “O setor bancário deve ter um desafio maior, e as companhias brasileiras do segmento provavelmente serão rápidas em aderir a novos regulamentos. Mas os exportadores tradicionais do agronegócio tenderão a reforçar suas posições na União Europeia e também se ajustarão de forma oportuna e gradual”.

Porém, para o embaixador Vijay Rangarajan, não há motivo para preocupação em curto prazo. “Até final de 2020, o comércio entre Brasil e Reino Unido contará com as mesmas regras de acesso a mercado que existem hoje, inclusive no que diz respeito às tarifas de importação”, diz.

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Imigração

Para as viagens de brasileiros ao Reino Unido, nada deve ser alterado. Rangarajan diz que não há mudanças previstas para a entrada de turistas no país durante o período de transição, que começa nesta sexta-feira e vai até o final de 2020. Depois, novas regras serão anunciadas com base em acordos firmados pelos britânicos com a União Europeia e outras nações.

“Como antes, para viagens de turismo com duração de até 6 meses, será necessário apresentar um passaporte válido”, explica o embaixador sobre as regras para todo brasileiro viajar ao Reino Unido até dezembro de 2020. Também não há mudanças nas regras para os nacionais que possuem visto de trabalho e de estudo.

Já os imigrantes brasileiros que residem no Reino Unido, mas contam com cidadania de outra nação europeia, terão se inscrever online em um programa de instalação desenvolvido especialmente para o pós-Brexit. “Chamamos esta rota de EU Settlement Scheme. Os portadores de cidadanias europeias que já residem no Reino Unido podem se inscrever online para este programa de maneira simples, acessível e gratuita”, diz Vijay Rangarajan.

As inscrições no programa estarão disponíveis até 31 de junho de 2021. Até o fim de dezembro, mais de 2,7 milhões de pessoas requisitaram acesso ao sistema, entre as quais mais de 2,4 milhões já tiveram seus pedidos atendidos.

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