Liderança indígena brasileira de maior expressão internacional, o cacique Raoni Metuktire afirmou a VEJA que as declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre meio ambiente motivam o desmatamento e os incêndios na Amazônia e o desqualificam para o cargo que conduz. Dizendo-se preocupado, o líder caiapó lembrou nunca ter ouvido um presidente da República manifestar-se, como Bolsonaro fez, contra as demarcações de terras indígenas.
Raoni disse ter recebido negativas do Palácio do Planalto a seus pedidos de encontro com Jair Bolsonaro para tratar de temas de meio ambiente e de preservação da Amazônia. O líder indígena tem sido recebido por vários governantes europeus sobre a proteção das florestas tropicais e chegou a ter audiência com o papa Francisco no Vaticano, em maio.
“O presidente Bolsonaro diz que não quer demarcar terra para os indígenas. Isso não é bom. Nunca vi um presidente falar desse jeito. Eu não estou gostando do jeito que o presidente Bolsonaro está falando. Fico preocupado com todo mundo, não só com os indígenas em perigo, mas com os brancos também”, afirmou.
“Ele (Bolsonaro) não aceita conversar comigo, diz que eu não sou autoridade. Eu quero dizer que eu sou cacique, assim como meus ancestrais foram. Eu lidero uma comunidade. Então, do jeito que o presidente fala da Amazônia, acho que quem não é autoridade é ele”, completou.
De Bordeaux, na França, o cacique respondeu no seu idioma natal, o caiapó, as perguntas enviadas por VEJA a seu neto, Patxom Metuktire, que atuou como intérprete para o português. As declarações de Raoni, com as traduções, foram gravadas, e os áudios, enviados à redação.
Raoni reuniu-se com o presidente da França, Emmanuel Macron, na terça-feira 27, ao final do encontro de líderes do G7 em Biarritz. Pediu ao francês apoio dos países desenvolvidos no combate aos incêndios e ao desmatamento da Amazônia. Macron já havia anunciado no dia anterior uma doação de 20 milhões de euros aos países afetados, que tem sido rejeitada por Bolsonaro. O brasileiro exige que o líder francês se retrate de supostos insultos.
O líder caiapó, de 89 anos de idade, afirmou que a cifra apresentada por Macron “pode não ser suficiente” e que os governantes do G7 – França, Reino Unido, Itália, Estados Unidos, Canadá e Japão – deveriam, além de apoiar financeiramente, “conscientizar os fazendeiros do Brasil para termos uma floresta verde, sem a destruição que está acontecendo”. O aporte financeiro e a ajuda externa, em sua visão, não ameaçam a soberania brasileira sobre sua parcela da Amazônia. “Cada país tem a sua terra, e aquela parte da Amazônia pertence ao Brasil”, disse.
Para ele, o governo brasileiro é responsável pela destruição em curso na floresta amazônica. “Todo mundo deve estar ciente de como o presidente Bolsonaro está atuando. Se ele continuar nesse ritmo de desmatamento, de impunidade, pode comprometer mesmo a Amazônia. Aí, as consequências serão mais complicadas. Todo mundo corre risco”, afirmou.
“Eu defendo a floresta e a conservação dela. No meu entendimento, quando presidente Bolsonaro afirma que apoia a atividade econômica e o desmatamento na Amazônia, as pessoas sentem que o presidente está autorizando o desmatamento, e esses incêndios estão acontecendo”, afirmou.
Espíritos da floresta
Vários incêndios já fizeram parte da trajetória de Raoni, que morou em regiões de floresta do Mato Grosso boa parte de sua vida. Conforme explicou, o atual grau de destruição da Amazônia tem aumentado os períodos de seca e afligido as regiões com temperaturas mais altas. Essas consequências, enfatiza ele, não atingem apenas os indígenas, mas também “os brancos”. Da mesma forma, afetam também os “espíritos da floresta”.
“Os seres sobrenaturais, os espíritos, também estão sendo afetados e eles podem se revoltar também. Ninguém imagina que isso pode acontecer, mas podemos ter problemas mais graves”, alertou.
“Brancos e índios terão problemas semelhantes com a destruição das florestas. Se a gente quiser bem viver, a gente precisa cuidar das florestas para segurar o que pode vir a acontecer. As florestas são as bases para a gente viver bem porque a gente vai respirar bem. A floresta garante a sobrevivência de todos nós, brancos e índios”, completou.
Raoni viajou para a Europa a convite dos organizadores da Assembleia Mundial Religiões para a Paz, que se deu em Lindau, na Alemanha, entre os dias 20 e 23 de agosto. Em seguida, participou de um evento na França sobre meio ambiente e foi convidado por Macron para a conversa no final da reunião de cúpula do G7. Ele retorna ao Brasil no início de setembro.