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Queda nas emissões de CO2 é temporária e não retarda aquecimento global

Após suspensão das quarentenas, presença de gases poluentes pode superar níveis pré-pandemia; no Brasil, deve subir por causa do desmatamento

Por Amanda Péchy Atualizado em 29 Maio 2020, 13h41 - Publicado em 28 Maio 2020, 17h38

Parece que um mundo mais verde nunca foi tão palpável. Nos últimos meses, a pandemia de coronavírus ofereceu benefícios ambientais incomuns: rios de águas cristalinas, ressurgimento da vida selvagem, paisagens reveladas por um ar mais puro. As emissões de dióxido de carbono caíram 17% em escala mundial, de acordo com estudo publicado na revista Nature Climate Change, como resultado das medidas de bloqueio implementadas para combater a transmissão da Covid-19. Contudo, essa queda sem precedentes provavelmente será apenas temporária.

Nos Estados Unidos, o país mais atingido até agora pela pandemia, a queda chegou a 31,6%. No Brasil, as emissões de carbono caíram 25,2% no pico da quarentena, entre 20 de março e 3 de abril. Na China, onde foram registrados os primeiros casos de coronavírus, reduziu as emissões em 24%.

O estudo foi feito por um grupo de pesquisadores da Universidade de East Anglia, no Reino Unido. Foram analisados dados de 69 países que, juntos, são responsáveis por 97% das emissões de dióxido de carbono no mundo. Estados Unidos e China são os campeões. Segundo os mesmos cientistas, a redução nas taxas de CO2 para este ano provavelmente será de apenas 7%, caso algumas restrições para conter a pandemia permaneçam em vigor até o fim do ano, mesmo considerando a retomada gradual das atividades econômicas. Se as medidas forem majoritariamente suspensas até meados de junho, a queda será de apenas 4%.

Mas um grave alarme já vem sendo disparado da China, onde a pandemia começou no final de dezembro. O Centre for Research on Energy and Clean Air (CREA), instituição de pesquisa baseada em Helsinque, na Finlândia, já detectou que, desde a última semana de abril até meados de maio, os níveis de gases poluentes emitidos no país, como NO2, SO2 e ozônio, mostraram-se superiores aos do mesmo período no ano passado.

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Segundo a análise do CREA, o efeito rebote nas emissões se deve à atividade industrial, já que os níveis de poluição nas maiores cidades chinesas, Pequim e Xangai, ainda estão abaixo do ano passado. O país que saiu quase ileso de episódios como a crise financeira de 2008 e a guerra comercial com os Estados Unidos iniciada em 2018 agora tem previsões de encolhimento econômico de até 9%. Como resposta, o governo colocou usinas de carvão mineral para funcionar a todo gás, na esperança de reduzir o estrago.

O movimento é semelhante ao de crises anteriores. Em 2009, ano seguinte ao colapso econômico global, as emissões de CO2 caíram 1,5%. Só que, em 2010, houve um aumento rebote muito acima da média, em que a presença de gás carbônico na atmosfera cresceu 5,1%.

A crise econômica ligada à Covid-19 é muito diferente por estar ligada a restrições que afetam a população do ponto de vista individual, mas a ânsia por recuperação também neste caso deve gerar um boom de emissões.

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Políticas públicas

Mesmo com a perspectiva lúgubre, as taxas decorrentes da pandemia de coronavírus ainda representam a maior queda anual de emissões desde a Segunda Guerra Mundial e uma grande diferença em comparação com as tendências recentes – já que as emissões têm aumentado cerca de 1% ao ano.

“Não temos o que celebrar, porque estamos passando por uma crise de saúde sem precedentes, mas a Covid-19 fez mais pelo meio ambiente do que as últimas 25 COPs”, disse Eugênio Singer, presidente da Ramboll, referência mundial em consultoria ambiental.

Só que Singer frisa que apenas as ações dos governos e os incentivos econômicos pós-crise influenciarão a poluição nas próximas décadas. No estudo britânico publicado na Nature Climate Change, os autores escrevem que “as respostas sociais” não são capazes de zerar as emissões líquidas, “pois não refletem mudanças estruturais nos sistemas econômico, de transporte ou de energia”.

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O transporte terrestre, responsável por mais de 20% das emissões de CO2 no mundo, foi o que mais influenciou o declínio da poluição, com redução global de 63% na movimentação das pessoas, de acordo com dados da Apple.

A experiência da crise mostrou que mudanças no comportamento individual, como trabalhar em “home office” e dirigir menos, podem ser parte do caminho necessário para reduzir emissões. Além disso, a aviação também pode sofrer um grande baque e reduzir a poluição, após comprovada a eficácia de ferramentas virtuais para realizar reuniões e conferências.

Mas é o setor da energia o mais relevante no momento de pensar em políticas, segundo Vivaldo José Breternitz, professor da Faculdade de Computação e Informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie, já que é responsável por 44,3% das emissões globais. “Leva anos para mudar a matriz energética de um país, mas esse é o principal caminho para impedir o aumento nas temperaturas”, diz.

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O fim da pandemia está longe de ser o fim de nossos problemas, e o airpocalypsis – jogo de palavras com as expressões inglesas “air” e “apocalypsis” – vai estar no topo da lista de preocupações.

Brasil, a exceção

Apesar das quedas significativas de 25% nas emissões de CO2 apontadas pelo estudo na Nature Climate Change, cientistas brasileiros estão ainda menos otimistas que o resto do mundo. Desde o dia 3 de abril, as taxas começaram a cair menos a cada dia. A redução foi a 8% em 10 de abril e se manteve nesse patamar até o final do mês, quando o estudo parou de analisar os dados.

Além disso, ao contrário do resto do mundo, não é o setor energético nem o de transportes o mais problemático para a poluição em terras brasileiras . Segundo o Ministério de Minas e Energia, 83% da matriz energética do Brasil se origina de fontes renováveis. O vilão do Brasil é o desmatamento, responsável por 44% das emissões de CO2 do país em 2018.

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Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), durante os primeiros meses deste ano foram emitidos alertas de desmatamento na Amazônia, que aumentou 51,45% em relação ao mesmo período de 2019 e consumiu para 796,08 km² de florestas. “Nem todas as emissões reduzidas pelas medidas de confinamento vão compensar o CO2 liberado por desmatamento”, diz Thelma Krug, pesquisadora do INPE e Diretora do Departamento de Políticas para o Combate ao Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente.

“Pode ser até mesmo que haja aumento das emissões em 2020 no Brasil, ao contrário do resto do mundo, porque a falta de políticas públicas contra o desmatamento gerou uma tendência de aumento da prática”, afirmou a especialista em mudanças climáticas.

Krug também aponta que os níveis do gás metano na atmosfera devem aumentar. No fim de abril, pelo menos sete frigoríficos haviam sido fechados no país devido a contaminações por coronavírus. Por isso, os abates foram reduzidos e há mais cabeças de gado ruminando nos pastos.

“As emissões podem ser muito responsivas a políticas públicas, como observamos globalmente com as quarentenas, mas o Brasil está longe dessa realidade”, completou a pesquisadora. Por enquanto, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, preocupa-se em fazer “passar a boiada”.

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