Pela primeira vez em 23 anos, a polícia não autorizou a marcha que, em todo 1º de julho, marca a devolução à China de Hong Kong, até então um protetorado britânico. A proibição não pegou — milhares foram às ruas para protestar em altos brados contra a nova Lei de Segurança Nacional, baixada pelo governo chinês. O saldo do dia foram 370 presos, nove deles sob os dispositivos draconianos agora em vigor. Divulgada e implementada às 23 horas de terça 30, a legislação enquadra o movimento que há meses desafia o controle central de Pequim e, na prática, enterra o conceito de “um país, dois sistemas”, que dava semiautonomia administrativa e judiciária à ilha. A partir de agora, as agências de segurança do continente estão liberadas para atuar em Hong Kong e um comitê dotado de amplos poderes vai fiscalizar a movimentação nas escolas, ONGs, imprensa e dos estrangeiros em geral, sem qualquer restrição legal. Invadir prédios públicos, atrapalhar o transporte e erguer bandeira pró-independência são atos de subversão, passíveis de longas penas de prisão, julgamentos fechados e, eventualmente, extradição para a China. Hong Kong se transformou numa espécie de falha geológica onde se chocam interesses variados. A pandemia desinflou dez meses seguidos de manifestações e o presidente Xi Jinping quer aproveitar para fincar de vez as garras na ilha. Em represália, os Estados Unidos removeram o status de parceiro especial de Hong Kong, o que pode abalar uma economia pujante, que rende dividendos a Pequim. Pela retórica dos envolvidos, a previsão é de mais tremores de alta intensidade.
Publicado em VEJA de 8 de julho de 2020, edição nº 2694