Promotores franceses pediram a sentença máxima de 20 anos de prisão para Dominique Pelicot, acusado de orquestrar o estupro em massa de sua então esposa por mais de uma década. O caso apresentado em um tribunal de Avignon, na França, detalhou como o homem de 71 anos drogava a mulher, Gisele, até deixá-la inconsciente e aliciava dezenas de estranhos em uma sala de bate-papo online para violá-la em sua própria casa.
Pelicot se declarou culpado das acusações no processo que atraiu olhares ao redor do globo e se transformou em um exame da extensão da violência sexual na França e no mundo. Gisele, de 71 anos, poderia ter exigido que o julgamento fosse realizado a portas fechadas, mas escolheu levar a história a público para ajudar outras mulheres a se manifestarem, denunciarem abusadores, e mostrarem que as vítimas não têm nada do que se envergonhar. Um julgamento a portas fechadas “era o que seus agressores queriam”, disse Antoine Camus, um de seus advogados.
Outros envolvidos
Cinquenta outros homens também serão julgados por participar dos atos sexuais. Estima-se que Gisele tenha sido estuprada quase 100 vezes, por mais de 70 homens, entre 2010 e 2020.
Os promotores, que nos próximos dois dias dirão quais sentenças buscam contra os co-acusados, rejeitaram a narrativa apresentada pela defesa: os homens “aliciados” por Pelicot afirmaram que não perceberam que estavam estuprando Gisele, ou não pretendiam fazê-lo. Segundo eles, muitos assumiram que o ato fazia parte de uma espécie de “fantasia sexual” do casal, enquanto outros alegaram que não sabiam que a vítima estava inconsciente.
A polícia encontrou milhares de fotos e vídeos gravados pelo então marido no seu computador pessoal. O material, mostrado no tribunal nas últimas semanas, evidenciou que Gisele estava completamente imóvel e sem reação durante os abusos.
“Os acusados estão tentando fugir da responsabilidade dizendo que achavam que Gisele Pelicot tinha dado consentimento (ao sexo)“, disse a promotora pública Laure Chabaud ao tribunal nesta segunda-feira. “Mas não é possível, hoje, em 2024, considerar isso”, afirmou acrescentando que Gisele Pelicot estava inconsciente durante as violações e, portanto, incapaz de dar seu consentimento.
Quanto a Dominique Pelicot, que admitiu ter estuprado sua esposa, bem como organizado seu estupro por outros, Chabaud afirmou que a pena de 20 anos é “muito, mas ao mesmo tempo pouco, em vista da gravidade dos atos que foram cometidos e repetidos”.
Os demais vereditos e sentenças devem ser emitidos por volta de 20 de dezembro.
Modus operandi da maldade
Dominique Pelicot, ex-funcionário da empresa de energia elétrica francesa EDF, teria colocado soníferos e medicamentos contra ansiedade nas refeições ou no vinho da esposa na residência do casal em Mazan, na Provença, relatou a polícia local. Ele supostamente usava uma sala de bate-papo online para recrutar homens para abusar sexualmente de sua esposa, e não pedia dinheiro em troca.
A polícia contabilizou um total de 92 estupros, cometidos por 72 homens, dos quais 51 foram identificados. Camus afirmou que o marido “sempre se declarou culpado” e teria dito: “Eu a coloquei para dormir, a ofereci (aos outros) e filmei tudo”.
Entre os acusados estão um vereador local, um jornalista, um ex-policial, um funcionário público, um guarda prisional, um soldado, um bombeiro e enfermeiros. A maioria abusou da vítima uma vez, mas alguns foram várias vezes ao domicílio.
A polícia começou a investigar Dominique quando ele foi preso em setembro de 2020, depois que um segurança o flagrou usando uma câmera para filmar três mulheres em um supermercado por baixo das saias. Ao acessar o computador do réu, a polícia encontrou um arquivo com o título “abusos”, que continha 20 mil fotos e vídeos de sua esposa sendo estuprada quase 100 vezes. Os investigadores também encontraram conversas em um site chamado coco.fr, onde ele recrutava os abusadores.
Os registros de saúde do marido mostram que ele comprou 450 comprimidos para dormir em apenas um ano. Segundo os investigadores, a mulher, agora divorciada, havia sido drogada “quase até o estado de coma.”
Debate sobre leis
O julgamento desencadeou protestos em apoio a Gisele Pelicot na França e em outros países da Europa, além de estimular um debate sobre se a lei de estupro francesa deveria ser atualizada.
Ao contrário de alguns outros países europeus, a lei francesa não menciona a exigência de que o sexo envolva consentimento e exige que os promotores provem a intenção do perpetrador de estuprar usando “violência, coerção, ameaça ou surpresa”.
A advogada de Dominique Pelicot, Beatrice Zavarro, disse a repórteres que não foi uma surpresa que os promotores tenham buscado a sentença mais longa possível.