Uma ligação telefônica de Donald Trump ao príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman foi decisiva para que a Arábia Saudita encerrasse sua “guerra do petróleo” com a Rússia no início deste mês. O presidente americano ameaçou derrubar uma aliança militar estratégica de mais de 75 anos caso o país do Oriente Médio não concordasse em reduzir a produção do combustível em meio ao colapso econômico imposto pela pandemia de coronavírus.
Segundo informações da agência Reuters, a chamada aconteceu em 2 de abril, quando Trump disse a Mohammed bin Salman que, caso a Arábia Saudita não aceitasse as condições, não conseguiria impedir a aprovação de uma lei para a retirada das tropas americanas do reino saudita. Na semana seguinte, sauditas e russos chegaram a um acordo sobre cortes na produção de petróleo.
Uma fonte ouvida pela Reuters informou que Mohammed bin Salman ficou tão surpreso com as palavras de Trump que ordenou a seus assessores deixarem a sala para que ele pudesse continuar a discussão em particular. O objetivo de Trump era proteger a indústria petrolífera dos Estados Unidos de um colapso histórico nos preços. De acordo com uma autoridade ligada ao caso, o argumento do presidente foi o de que “os Estados Unidos estão defendendo a indústria saudita que, por sua vez, está destruindo a americana.”
Questionado sobre o telefonema na última quarta-feira 29, na Casa Branca, Trump disse que Bin Salman já sabia do perigo de acabar com a aliança militar. “Eu nem precisava contar a ele. Ele e o presidente Vladimir Putin são muito razoáveis (…). Eles estavam tendo dificuldade de chegar a um consenso, fiz um telefonema e conseguimos chegar a um acordo”, admitiu, referindo-se ao presidente da Rússia.
Uma autoridade saudita que pediu para não ser identificada disse que o acordo representava a vontade de todos os países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e aliados, a Opep +, que inclui membros do cartel e uma coalizão liderada pela Rússia. “A Arábia Saudita, os Estados Unidos e a Rússia tiveram um papel importante, mas sem a cooperação dos 23 países que participaram do acordo, isso não teria acontecido.”
Na semana anterior ao telefonema de Trump, os senadores republicanos Kevin Cramer e Dan Sullivan apresentaram um projeto de lei para remover todas as tropas e os sistemas de defesa antimísseis da Arábia Saudita caso o país não atuasse para aumentar o preço do petróleo. O apoio à medida estava ganhando força em meio à ira do Congresso.
A parceria estratégica entre Estados Unidos e Arábia Saudita data de 1945, quando o presidente Franklin D. Roosevelt se reuniu com o rei saudita Abdul Aziz Ibn Saud no navio militar USS Quincy, da Marinha americana. Eles chegaram a um acordo: proteção militar americana em troca do acesso às reservas de petróleo sauditas. Hoje, os Estados Unidos têm cerca de 3.000 soldados no país, e sua Quinta Frota naval protege as exportações de petróleo da região.
A pressão surtiu efeito e, em 12 de abril, as maiores nações produtoras de petróleo do mundo fora dos Estados Unidos concordaram com o maior corte de produção já negociado, de 9,7 milhões de barris por dia, ou cerca de 10% da produção global. Metade desse volume veio de cortes de 2,5 milhões de barris por dia na Arábia Saudita e na Rússia, cujos orçamentos dependem de altas receitas de petróleo e gás.
A indústria petrolífera é uma das mais expostas ao impacto do coronavírus, já que as pessoas não estão enchendo os tanques dos carros (ou pelo menos com menos frequência) e as companhias aéreas estão com os seus aviões parados nos hangares. O petróleo Brent, referência internacional, fechou na última quarta-feira negociado a 21,44 dólares por barril, uma miséria comparada aos 70 dólares do início de janeiro. Já o petróleo americano, o WTI, fechou negociado a apenas 14,36 dólares o barril.
Reportagem da última edição de VEJA mostrou que, apesar dos cortes, Arábia Saudita e Rússia foram os países que mais se beneficiaram da atual crise do petróleo, pois o plano de redução de 9,7 milhões de barris por dia compreende menos de 10% de suas produções diária. Por causa da pandemia do novo coronavírus, o consumo global afundou em 29 milhões de barris por dia só em abril. Com isso, russos e sauditas conseguiram manter os preços no menor patamar desde 2002, barrar os investimentos de petrolíferas em outros países, suspender o desenvolvimento da cadeia de xisto nos Estados Unidos e, de quebra, derrubar a demanda por opções mais sustentáveis.
(Com Reuters)