A Polícia Federal (PF) informou nesta quarta-feira, 8, que realizou uma operação para prevenir atos terroristas no Brasil. Fontes familiarizadas com o assunto disseram a VEJA que havia agentes do Hezbollah, grupo paramilitar xiita do Líbano, recrutando brasileiros para ataques a prédios da comunidade judaica em território brasileiro, como sinagogas.
A chamada Operação Trapiche tinha como objetivo “interromper atos preparatórios de terrorismo e obter provas de possível recrutamento de brasileiros para a prática de atos extremistas no país”, segundo comunicado da PF. Policiais federais cumpriram dois mandados de prisão temporária e 11 mandados de busca e apreensão nos estados de Minas Gerais, São Paulo e no Distrito Federal (DF).
Ainda de acordo com a PF, os recrutadores e os recrutados devem responder pelos crimes de constituir ou integrar organização terroristas e de realizar atos preparatórios de terrorismo – cujas penas máximas, se somadas, chegam a 15 anos e 6 meses de reclusão.
Os crimes previstos na Lei de Terrorismo são equiparados a hediondos, considerados inafiançáveis, insuscetíveis de graça, anistia ou indulto, e o cumprimento da pena para esses crimes se dá inicialmente em regime fechado, independentemente de trânsito em julgado da condenação.
O principal grupo na mira da PF, o Hezbollah, atua em território libanês, mas é financiado pelo governo do Irã. Além disso, na guerra que eclodiu no Oriente Médio entre Israel e Hamas, se aliou ao grupo palestino, tendo atacado o norte do território israelense com mísseis anti-tanque e foguetes. Analistas temem que os embates possam levar a uma ampliação da guerra, atualmente concentrada na Faixa de Gaza, para um conflito regional.
A PF já agiu anteriormente contra o Hezbollah em território nacional. Em setembro de 2018, foi preso o comerciante Assad Ahmad Barakat, 51, acusado pelos Estados Unidos de ser um dos principais financiadores do grupo libanês. Na época, a justiça paraguaia acusou-o do crime de falsidade ideológica, e o Supremo Tribunal Federal autorizou sua detenção, que ocorreu em Foz do Iguaçu, no Paraná.
Segundo o governo americano, Barakat usava suas empresas de importação e exportação de eletrônicos na Tríplice Fronteira para enviar dinheiro a agentes do Hezbollah no Líbano e na Síria.
Quem é o Hezbollah
O grupo político e militante muçulmano, que também realiza operações terroristas, foi fundado em 1982, ano em que eclodiu a guerra entre Beirute e Tel Aviv. O conflito foi instaurado após o início da operação “Paz para a Galileia”, na qual Forças de Defesa de Israel (FDI) invadiram o sul do Líbano sob a justificativa de expulsar os centros de operação da Organização para Libertação da Palestina (OLP), instalados no país árabe.
A OLP foi considerada por muito tempo como uma organização terrorista por parte da comunidade internacional. Após os Acordos de Oslo, negociações entre o governo israelense e o grupo palestino em 1993, mediadas pelo presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, contudo, passou a ser reconhecida como uma organização política comprometida com a solução de dois Estados e realização da paz entre os dois povos. Também foi o início do fim com a guerra com o Líbano, que perdurou por 15 anos e é considerada uma das piores da história de Israel.
No entanto, três anos após o início do conflito, o Hezbollah lançou seu primeiro manifesto, em que determinava o Partido Social Democrata Libanês – relacionado aos cristãos, a Israel, à França e aos Estados Unidos – como seu grande inimigo. A carta estabeleceu a expulsão de todos os adversários de Beirute como seu principal objetivo. Ao contrário da OLP, além disso, o grupo se declarou contrário à solução de dois Estados e não reconhece o Estado de Israel até hoje.
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O Hezbollah estreou na política libanesa em 1992, alcançando popularidade apenas 17 anos depois, com um manifesto atualizado que apelava à “verdadeira democracia”. Desde então, obteve conquistas significativas nos últimos 30 anos, por meio da via política. Nas eleições de 2022, o partido obteve 13 assentos no parlamento, composto por 128 cadeiras. Perdeu, no entanto, a maioria na corte legislativa.
A opinião internacional quanto à organização radical libanesa não é uníssona. A União Europeia só condena o braço militar do círculo libanês, não a sua atuação política. Os Estados Unidos, por sua vez, definem o grupo como “terrorista”, associando-o a diversos ataques a civis ao redor do globo, como os ocorridos em quartéis militares dos Estados Unidos e da França em Beirute, em 1983.
Além disso, a Departamento de Estado americano acusa o Irã de ser o grande responsável por treinar, armar e financiar o Hezbollah, em um investimento que supera centenas de milhões de dólares anualmente. Como consequência, os militantes contam com bons recursos bélicos e uma força de tamanho médio, capaz de derrotar muitos exércitos árabes.
O Instituto Internacional de Estudos Estratégicos estimou em 2020 que a facção libanesa tinha até 10 mil combatentes ativos e cerca de outros 20 mil reservistas, com um arsenal de tanques, drones e vários foguetes de longo alcance. O analista e brigadeiro-general aposentado Assaf Orion, do Instituto de Estudos de Segurança Nacional de Israel, afirma que o Hezbollah possui “um arsenal de artilharia maior do que a maioria das nações”, e um relatório de 2018 do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais chamou o grupo de “o ator não estatal mais fortemente armado do mundo”.