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Os terroristas esquecidos pelos Estados Unidos de Trump

Supremacistas brancos, milícias anti-governo, grupos de oposição violenta ao aborto e outros foram responsáveis por 35% das mortes por terrorismo desde 2001

Por Daniela Flor Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 15 ago 2017, 00h01 - Publicado em 2 jun 2017, 11h13
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  • Conspirações do Estado Islâmico (EI) ou ataques por jihadistas solitários são sinônimos de terrorismo no imaginário americano. No governo de Donald Trump, a ameaça do extremismo islâmico foi motivo de decretos contra viajantes e discursos contra a radicalização. O retrato numérico, porém, mostra um cenário de terror heterogêneo nos Estados Unidos: desde o 11 de setembro de 2001, 35% das mortes por terrorismo foram causadas por radicais motivados por deturpações da ideologia de extrema direita, como a supremacia branca e o movimento antigoverno, segundo o centro de estudos políticos New America.

    Em 26 de maio, Ricky Best, de 53 anos, e Taliesin Myrddin Namkai Meche, 23, foram assassinados a facadas em um trem de Portland, Oregon, após tentarem defender duas jovens que aparentavam ser muçulmanas (uma usava o hijab, lenço típico da religião). Segundo a polícia, as mulheres foram vítimas de xingamentos “de cunho étnico e religioso”, proferidos por Jeremy Joseph Christian, 35. Revoltado, ele atacou os homens que quiseram impedir as ofensas e foi preso ao descer do trem.

    Christian é mais um dos extremistas que não estavam no radar da polícia, porque defende um tipo de violência que recebe cuidado reduzido do governo americano. Ele já havia participado de marchas em defesa da supremacia branca, fez saudações nazistas em público e publicava com frequência em seu Facebook mensagens de ódio a seguidores do islã, judeus e negros. O assassinato duplo cometido por ele será julgado, com agravante por crime de ódio, mas foi mencionado só três dias depois, via Twitter, pelo presidente Donald Trump  – que costuma se manifestar em longos e urgentes comunicados em casos semelhantes, cometidos por muçulmanos.

    O terrorismo islâmico e aquele ligado à extrema direita têm níveis “bastante semelhantes” de perigo, ao menos no território americano, diz o professor de Públicas Públicas da Universidade Duke, David Schanzer. Até julho de 2016, quando um atentado jihadista deixou 49 mortos na boate Pulse, em Orlando, eram inclusive mais numerosas as vítimas fatais do “outro extremismo”. Enquanto políticos e agências de inteligência listam operações para controlar radicais islâmicos, pouca atenção pública é dada a supremacistas brancos, milícias anti-governo, grupos de oposição violenta ao aborto, anti-muçulmanos e xenófobos.

    Em comum entre os radicais “esquecidos” estão visões deturpadas sobre liberdades e direitos individuais – nada diferente do próprio jihadismo, exceto pela escolha de alvos. Suas ações consistem em violência extremista tanto quanto as recentes tragédias causadas por seguidores do EI,  defende a organização de combate a crimes de ódio Anti-Defamation League (ADL). Basta, segundo a definição do grupo, ser um ato violento, ou tentativa, “com a intenção de expandir uma causa ideológica, social ou religiosa”, ou ferir adversários inventados, contrários em determinadas visões de mundo.

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    O jihadismo veio à tona no país com a tragédia do World Trade Center, mas outras manchas na história americana, da origem ao presente, provam a persistência das demais linhas de terrorismo doméstico. “Nos Estados Unidos, há formas de violência racista, nascida em seu território, desde o Ku Klux Klan nos anos 1860”, diz Schanzer. “Existem outras linhas radicais ligadas à extrema direita, mas a intenção constante é suprimir minorias e reter o poder para os brancos”, explica o professor. O próprio KKK não foi destruído: atua abertamente na internet e um grupo da Pensilvânia chegou a realizar uma “queima de cruz”, tradição racista, no início do mês de maio.

    Extremismo esquecido

    Oklahoma City Bombing - 1995
    Edifício federal de Alfred P. Murrah na cidade de Oklahoma, nos Estados Unidos, completamente destruído após atentado a bomba em abril de 1995 (Gregory Smith/Getty Images)

    Antes de 2001, o ato terrorista que fez mais vítimas em território americano eram as bombas de Oklahoma City, em 19 de abril de 1995 – 170 pessoas morreram e 680 ficaram feridas na explosão de um prédio governamental. Além de neo-nazista, os criminoso antigoverno Timothy Mcveigh e Terry Nichols eram membros de uma milícia armada do Movimento Patriota, que acredita que o Estado conspira para que os cidadãos sejam submissos e, assim, acumular poder. Grupos desse ramo se opõem totalmente ao controle de armas e querem aplicar suas próprias leis em propriedades privadas. Até hoje, esse é o maior atentado conduzido por um americano em seu país.

    Por um conjunto de fatores sociais, de legislação criminal e da forma como aparecem na imprensa, o chamado extremismo de direita está longe das conversas da população ou dos discursos presidenciais. “É difícil determinar sua extensão completa, porque o ângulo político da história nem sempre é mostrado, ou ela permanece em veículos locais”, diz o analista político David Sterman, do Programa de Segurança Internacional New America.

    Não quer dizer, segundo Sterman, que os ataques públicos não apareçam em jornais e TVs. O que acontece é que “as motivações extremistas e redes de indivíduos por trás dos crimes recebem pouca atenção”, diferente do terrorismo conduzido por muçulmanos. O supremacista branco Dylann Roof foi responsável por matar nove pessoas, a tiros, em uma igreja voltada à comunidade negra em Charleston, Carolina do Sul, em 2015, para iniciar uma “guerra racial”. Sua acusação cita o crime de ódio como agravante, mas não toca no termo “terrorismo”.

    O suspeito Dylann Storm Roof do ataque em igreja de Charleston é preso nos EUA
    Dylann Storm Roof, responsável pelo ataque em uma igreja de Charleston, nos EUA (Jason Miczek/Reuters)

    Jihadistas e terroristas do conservadorismo radical fazem questão de se diferenciar – a inventada superioridade, para ambos, é o motivo da disputa. Entretanto, são mais semelhantes do que desejam: atuam com as mesmas armas, se unem através de redes de contato e cultivam o ódio mútuo. “Certamente, há a tendência de extremistas se alimentarem entre si, com a violência islâmica motivando a de extrema direita e vice-versa”, avalia Sterman.

    Na origem, os extremismos funcionam no esquema de “nós contra eles”, diz o autor do livro Suástica Yankee (lançado no Brasil em 2016)  e ex-skinhead Christian Picciolini. “Me envolvi no primeiro grupo neonazista dos Estados Unidos aos 14 anos, em 1997. Quando alguém vulnerável busca um senso de identidade, comunidade e propósito, é fácil para um recrutador, independente da sua ideologia, lhe ensinar a culpar os outros”, conta.

    Segundo Picciolini, agora diretor da fundação Vida Após o Ódio (Life After Hate), o terrorismo da supremacia branca e seus derivados não é novo, “só não costuma ser chamado pelo nome”. Para o escritor, até que receba a atenção merecida do governo, como é feito com o Estado Islâmico (EI), será impossível combater a ameaça do extremismo de direita. “Pelo contrário, é possível que, os deixando atuar, se incentive que mais membros entra para os grupos jihadistas, que combatemos com tanta força”.

    O efeito Trump

    Desde a campanha, o magnata republicano foi energético em sua estratégia para combater o jihadismo por métodos questionáveis  – a intenção de banir cidadãos de sete países muçulmanos ainda é discutida na Justiça. Em março, oficiais de sua administração disseram à agência Reuters que o governo estudava mudar o nome do programa de Combate ao Extremismo Violento (CVE) para “ Combate ao Extremismo Islâmico Radical”, o que tiraria neonazistas e outras linhas de supremacistas do foco. A ação não se chegou a se concretizar, talvez pela resposta negativa à ideia, mas mostra o perfil da atual retórica do governo.

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    Nas redes sociais, supremacistas raciais comemoraram abertamente a possível troca de foco. “Maravilhoso que o meu governo não me vê mais como inimigo”, escreveu o usuário do fórum de “orgulho branco” White Pride World Wide. “Ótimo, afinal não somos uma ameaça à América, apenas aos que ameaçam o povo americano”, disse outro.

    Segundo o professor da Universidade Duke, apesar de Trump não desejar criar essa reação, seu discurso é contraproducente. Com comentários negativos sobre o islã e os imigrantes, o presidente “mostra uma incompatibilidade entre ser muçulmano e americano”. É esta a própria intenção do EI nos Estados Unidos: dizer a seguidores do islamismo que não são aceitos no ocidente, por isso devem reagir. “Me preocupo que essa retórica possa gerar mais extremismo, dos dois lados”, diz ele.

    O medo dos cientistas políticos, de acordo levantamentos preliminares, já começa a se concretizar. Atentados jihadistas matam cada vez mais na Europa e nos Estados Unidos, enquanto os crimes de ódio contra muçulmanos também têm um pico. Em 2015, estatísticas do FBI mostraram 257 atos de violência contra seguidores do islã ou ataques a mesquitas, um aumento de 67% em relação ao ano anterior. Ainda não há dados oficiais para 2016, mas o Centro de Relações Islâmico-Americanas (CAIR, na sigla em inglês) anunciou ter registrado um número de denúncias 44% superior.

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    A polêmica bandeira dos confederados

    Bandeira dos confederados
    Manifestante segura uma bandeira de dos confederados em Nova Orleans, no estado americano de Loiusiana – 04/05/2017 (Justin Sullivan/Getty Images)

    Para alguns, um símbolo histórico dos Estados da cultura do sul do país; para vítimas do racismo, a lembrança de um passado de segregação no território americano. A “bandeira da batalha” dos Estados Confederados, usada na Guerra Civil americana, aparece até hoje em souvenires e como parte da bandeira do Mississipi. O símbolo data do ano 1860, mas ainda é motivo de debate feroz entre americanos, como outras heranças culturais do período.

    Há 157 anos, onze Estados ao sul do país entraram em dissidência com o poder federal, principalmente por seu desejo de manter a escravidão, e formaram, assim, os Estados Confederados da América. A bandeira desapareceu com a derrota da Confederação, mas voltou a surgir como uma marca do orgulho sulista. As críticas surgiram quando grupos de supremacia branca, com o KKK, começaram a adotá-la. Roof, o atirador de Charleston, apareceu em fotos em que portava a bandeira.

    Desde então, diversos estados americanos proibiram o uso oficial do símbolo, que foi barrado até da gigante varejista online Amazon. Aqueles que defendem seu uso – nem sempre extremistas brancos, mas também eles – ainda a exibem com orgulho em protestos conservadores, que cresceram com a vitória de Trump.

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    Em 15 de maio deste ano, o debate voltou ao centro da cidade de Charlottesville, em Virginia. Manifestantes portaram tochas, além de alguns símbolos racistas, em protesto contra a retirada de uma estátua de Robert Lee, o general dos Estados escravistas da Confederação, por decisão da Câmara Municipal. A manifestação, convocada pelo supremacista branco Richard Spencer, foi criticada pelo prefeito democrata Michael Signer, que comparou o ato com “os dias do KKK”.

    Judeu, Singer chegou a receber mensagens anti-semitas nas redes sociais, mas não voltou atrás na decisão. Moradores da cidade também fizeram eventos de oposição ao protesto dos “confederados” – bem maiores, claro, que a manifestação em prol da homenagem a Lee.

    Neoconfederados trazem tochas para 'proteger' a estátua nos EUA
    Neoconfederados trazem tochas para ‘proteger’ a estátua do general Lee em Charlottesville, nos Estados Unidos – 14/05/2017 (@WrrrdNrrrdGrrrl/Twitter)
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