Depois de a pandemia desabar sobre o continente, a Europa se movimenta agora para relaxar o distanciamento social e tomar o caminho de volta à vida normal — a normalidade possível, com o novo coronavírus ainda indomado. Na falta de parâmetros bem definidos, os governos tateiam para encontrar a saída mais segura, debruçando-se sobre estatísticas, monitorando com lupa o contágio entre a população e olhando para a China, a Coreia do Sul e outras nações do Oriente onde a disseminação aconteceu primeiro. A Organização Mundial da Saúde considera requisitos básicos para o relaxamento que o país tenha vagas suficientes em hospitais para atender e isolar novos casos e um sistema de testes que permita identificar rapidamente focos de contágio que venham a surgir. A partir daí, é cada um na sua trilha, e todos preparados para os inevitáveis desvios e sobressaltos.
Tida como um exemplo de sucesso no controle da Covid-19, a Alemanha (161 000 casos, 6 000 mortes) reabriu as lojas pequenas na segunda-feira 20 e permitiu aos alunos retornar às aulas, mediante cuidados redobrados de higiene, distanciamento e medição da temperatura corporal, mas continua a proibir aglomerações e instituiu o uso obrigatório de máscara em lugares públicos. O governo levou um susto uma semana depois, quando o “índice de contágio” — a quantidade de pessoas que um doente pode infectar — subiu de 0,7 para 1, o ponto máximo a partir do qual passa a haver necessidade de UTIs. “Estamos caminhando sobre gelo fino”, disse a chanceler Angela Merkel, reiterando o apelo para que os alemães não saiam de casa sem motivo. Bem mais castigadas, Espanha (239 000 casos, 24 000 mortes), Itália (203 000 casos, 27 000 mortes) e França (166 000 casos, 24 000 mortes) também traçaram cautelosos cronogramas para a retomada a partir de maio.
O plano do primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez se divide em quatro etapas ao longo de oito semanas. A partir do sábado 2, ficam permitidos os exercícios ao ar livre. Em seguida vem a reabertura de lojas pequenas, igrejas com capacidade reduzida e centros para atletas profissionais. Em junho, voltam os restaurantes, com mesas espaçadas, os cinemas, com um terço da plateia, e os espetáculos ao ar livre para até 400 pessoas — limites que serão ampliados a partir de julho. Com cerca de 300 casos novos por dia na Itália, o mais baixo nível desde março, o primeiro-ministro Giuseppe Conte determinou, a partir de 4 de maio, o fim gradual de um dos mais radicais isolamentos do planeta. Parques, fábricas e repartições vão reabrir, e os italianos poderão visitar familiares, em pequenos grupos. As aulas, entretanto, só retornam em setembro e as missas seguem proibidas. Por sua vez, o presidente francês Emmanuel Macron marcou o início do desconfinamento para 11 de maio, quando promete empreender 700 000 testes diários e devolver à quarentena qualquer um que tenha diagnóstico positivo. Dois pilares da vida francesa, restaurantes e cafés, só voltarão a funcionar no fim de maio — se tudo correr como previsto.
Outros modelos de lição de casa benfeita, Austrália (6 700 casos, 92 mortes) e Nova Zelândia (1 400 casos, dezenove mortes) também abriram janelas para a normalidade. Lojas e restaurantes continuam fechados e a recomendação é evitar sair de casa, mas a pesca, a caça e as caminhadas, muito populares, foram liberadas — bem como a ida à praia, mantendo o devido distanciamento. Não é o caso da Califórnia, onde o isolamento continua em vigor mas ninguém diria: no ensolarado começo de primavera, as areias lotaram, a ponto de as autoridades cogitarem fechar as ruas de acesso. “O vírus não tira folga no fim de semana”, alertou o governador Gavin Newsom.
Com mais de 1 milhão de casos confirmados e 61 000 mortos, os Estados Unidos não cumprem os critérios usuais para a retomada de atividades. Mesmo assim, Oklahoma, Alasca, Texas e Carolina do Sul se preparam para permitir o funcionamento de estabelecimentos não essenciais, seguindo o exemplo radical da Geórgia, onde o governador republicano Brian Kemp, crítico de primeira hora do afastamento, liberou geral até cinema e salão de beleza. “A curva de contágio parece estar se estabilizando, mas ainda não há dados suficientes para confirmar isso”, diz Carlos del Rio, especialista em doenças infecciosas da Universidade Emory, em Atlanta. Por mais que a paralisação esmague a economia — a americana recuou quase 5% no primeiro trimestre, quando a pandemia ainda engatinhava —, pôr a máquina para andar vai exigir a infinita paciência de um passo depois do outro.
Publicado em VEJA de 6 de maio de 2020, edição nº 2685