O meticuloso tratamento de beleza de Davi de Michelangelo
A cada dois meses, a restauradora Eleonora Pucci limpa com cuidado solitário e milimétrico, com pincéis especiais, a estátua do mítico herói bíblico
Não É fácil ser o Davi de Michelangelo. Desde que passou por uma extensa restauração, há cerca de vinte anos, a estrela da Galeria da Academia de Florença, na Itália, recebe um tratamento periódico de beleza para manter o mármore livre de impurezas. A cada dois meses, a restauradora Eleonora Pucci, única técnica autorizada a fazer o serviço, limpa com cuidado solitário e milimétrico, com pincéis especiais, a estátua do mítico herói bíblico. É um trabalho meticuloso. O banho de produtos acontece apenas às segundas-feiras, dia da semana em que as portas do museu estão fechadas para os visitantes — 2 milhões de pessoas por ano passam por lá em média. Só assim é possível erguer os andaimes que permitem à profissional italiana se aproximar do gigante de 5 metros e 17 centímetros e 5 toneladas. A poeira é a principal vilã, combatida nos piores casos com aspiradores. O maior desafio está nos caracóis dos cabelos do personagem, repletos de curvas e reentrâncias difíceis de serem alcançadas. A partir do momento em que foi revelada ao público, em 8 de setembro de 1504, a obra despertou a fascinação de quem se detinha para admirar a delicadeza anatômica da imagem. A estátua, originalmente depositada na entrada do Palazzo Vecchio, na Piazza della Signoria (onde hoje há uma cópia), trazia detalhes em dourado — com coroa, o tronco atrás da perna e a funda, arma em forma de tira de couro sobre o ombro —, que se perderam com o tempo. Todo cuidado com Davi de pedra, agora e para a eternidade, é pouco.
Publicado em VEJA de 23 de fevereiro de 2024, edição nº 2881