Em meio à devastação de negócios parados ou em retomada de atividades após meses de portas fechadas, um setor vem se mostrando não só resistente à crise, como também em franca expansão: a indústria da maconha. Nos Estados Unidos, as vendas em geral aumentaram consistentemente desde que as restrições à locomoção começaram e, entre os consumidores, 30% dizem estar consumindo mais durante a pandemia (e por causa dela). Um relatório detalhado do banco de investimentos Cowen & Co revela que a venda de cannabis subiu 17% entre março e abril na Califórnia, Colorado, Nevada e Washington, estados onde a droga é legalizada, convém reforçar. Em certas cidades, há casos de explosão do consumo: em Denver e São Francisco, o salto chegou a 120% nos primeiros dias de isolamento, quando o valor gasto em cada compra disparou cerca de 50% (veja o quadro) — indício de que consumidores temerosos de escassez trataram de fazer estoque. A providência mostrou-se, ao contrário do que ocorreu em relação ao papel higiênico, dispensável. Na maioria dos 33 estados americanos em que o comércio e o consumo de maconha são permitidos, o produto foi incluído na lista de essenciais (por causa do uso medicinal), e as lojas que o oferecem não fecharam.
O cenário de negócio pujante se repete, com mais vigor ainda, no vizinho Canadá, onde a produção, a venda e o consumo da maconha são regulamentados desde 2018. No país, a euforia inicial provocada pela legalização foi seguida de um crescimento desproporcional da oferta, o que resultou em encalhe de estoques. A reviravolta das rotinas em decorrência da pandemia mudou esse quadro. “As pessoas entenderam que ficarão um bom tempo em casa e trataram de se suprir dos produtos que vão lhes fazer falta. A maconha definitivamente está nesse rol”, arrisca Briana Vaags, dona de uma loja em Vancouver. Na província de Ontário, a mais populosa, as compras on-line de maconha e derivados cresceram cinco vezes durante o confinamento. Na de Quebec, o salto foi de 40% nas lojas físicas e de espetaculares 200% na internet.
A disseminação do novo coronavírus trouxe uma mudança de comportamento observada tanto nos Estados Unidos quanto no Canadá no que se refere ao canal utilizado para consumir a droga. Por medo do efeito da fumaça de cigarros e vaporizadores nos pulmões, o órgão mais castigado pela Covid-19, os usuários incluíram na lista de compras as bebidas com infusão de cannabis (alta de 14%) e os bolos e outros itens comestíveis que levam a erva na massa (mais de 28%), tirando do limbo uma mercadoria que, antes, representava 1% das vendas.
Também o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, agência da União Europeia, detectou um avanço de 25%, entre janeiro e março, na busca por maconha na chamada dark web, a rede invisível utilizada para o comércio de produtos e serviços ilegais. Um dos motivos para a indústria da maconha estar indo tão bem é, além do medo inicial de falta do produto, a universalização da oportunidade de uso — preso em casa o dia todo, inclusive no horário de trabalho, o apreciador considera que qualquer hora é hora para dar sua, digamos, relaxada, longe de olhares indiscretos. “Tenho sempre um estoque para quinze dias. É uma maneira de lidar com o stress neste período de incertezas”, argumenta a empresária canadense Maureen Duflot. Em contrapartida, o uso de ecstasy, consumido em festas, entrou em declínio com o isolamento. “O desempenho excepcional mostra que essa é uma indústria à prova de tempos difíceis”, diz John Hudak, que estuda políticas para a maconha na Brookings Institution de Washington.
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Clique e AssineNos Estados Unidos, o maior mercado do planeta, com 38 milhões de usuários declarados, a venda anual de maconha e derivados alcança 12 bilhões de dólares e rendeu ao governo, em 2019, 5 bilhões em arrecadação de impostos. Cerca de 340 000 americanos trabalham na produção, transporte e comercialização da planta. Analistas preveem que, em plena crise, o setor crescerá 14% no país em 2020, dado animador inclusive para locais onde a droga não é legalizada. Em situação de insolvência fiscal, o Líbano autorizou em abril a exportação do produto, tornando-se a primeira nação árabe a regulamentar o cultivo — a proibição de consumo interno foi mantida. Os libaneses deverão arrecadar 1 bilhão de dólares por ano, quantia decisiva para equilibrar os cofres públicos. Desde 2017, cinco nações africanas também permitem a exportação da droga para fins industriais e medicinais. Com custos bem mais em conta, Malawi, Uganda, Lesoto, Zimbábue e Gana vêm atraindo empresas do Canadá, Estados Unidos e China. Na visão desses governos, maconha é um mal, sim, mas business is business.
Publicado em VEJA de 3 de junho de 2020, edição nº 2689