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O ‘crush’ diplomático de Bolsonaro na América do Sul

Nas relações de Bolsonaro com demais líderes da região, a afinação ideológica é essencial para o presidente conseguir o ‘match’ estratégico

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 18 mar 2021, 20h24 - Publicado em 5 dez 2019, 19h23

Alberto Fernández ainda nem tomou posse como presidente da Argentina e já acumula uma série de problemas em sua lista de pendências a resolver. Entre inflação incontrolável, altas taxas de desemprego e desvalorização do peso, uma das muitas pedras no sapato do novo chefe de Estado é sua relação com Jair Bolsonaro. Antes mesmo de ser eleito, o peronista já era alvo de críticas do líder brasileiro e, após sua vitória, acirrou ainda mais os ânimos ao declarar seu apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No dia da eleição argentina, Fernández fez um gesto pedindo a liberdade do ex-presidente brasileiro ao posar para uma foto. Depois de eleito, publicou uma carta reivindicando a soltura de Lula. Bolsonaro, por sua vez, criticou a escolha dos hermanos no pleito e, durante a campanha, chegou a dizer que a Argentina se tornaria a “nova Venezuela” se o peronista ganhasse.

O líder brasileiro se recusou a parabenizar Fernández por sua vitória e a comparecer em sua cerimônia de posse, marcada para a próxima terça-feira, 10. Quem representará seu governo será o ministro da Cidadania, Osmar Terra. Bolsonaro ainda colocou em dúvida a permanência do Brasil no Mercosul diante do novo gabinete argentino – que ainda é formado pela ex-presidente Cristina Kirchner, no cargo de vice.

As trocas de farpas aumentaram os temores de uma quebra nas relações entre os dois aliados históricos. Especialistas afirmam, contudo, que os laços comerciais que unem os dois vizinhos são fortes e não devem se quebrar tão facilmente em longo prazo.

“A Argentina é um grande vizinho, sócio, mercado e parceiro do Brasil. Mas, no curto prazo, nos tornamos um sócio incômodo”, afirma o diplomata Marcos Azambuja, que foi embaixador em Buenos Aires entre 1992 e 1997. “Bolsonaro é imprevisível em seu comportamento errático, mas a realidade é tão determinante que ele terá que se curvar e trabalhar com Fernández ou com quem quer que esteja no comando”.

A Argentina é o principal parceiro comercial do Brasil na América Latina e a maior compradora dos produtos brasileiros manufaturados, ou seja, com maior valor agregado: em 2018, o valor das exportações para esse país foi de 14,9 bilhões de dólares. Já o Brasil importou mais de 11 bilhões da nação vizinha.

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“A decisão do presidente de não comparecer à posse de Fernández é um embaraço diplomático, uma finalização ruim para as relações bilaterais”, diz André Reis da Silva, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Uma lição que o Brasil precisará aprender em curto prazo é colocar a questão ideológica de lado e se concentrar nos interesses pragmáticos”.

Na América do Sul, para além das relações truncadas com a Argentina, Bolsonaro também está em impasse com a Venezuela, de Nicolás Maduro. Do lado das amizades que evoluíram para o crush – sinônimo de paquera ou amor platônico, nas redes – estão Paraguai, Colômbia e Uruguai. Entenda o estado das relações brasileiras na região e saiba como quem o presidente brasileiro ‘dá match’ no Tinder da diplomacia.

A articulação estratégica entre Brasil e Argentina sempre foi um fator importante da relação bilateral, especialmente para resolver e abordar as crises dos demais países sul-americanos. Agora, com a nova indisposição entre Bolsonaro e Fernández, essa coordenação pode ficar prejudicada, segundo especialistas.

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“Criou-se uma incerteza devido à falta de diálogo”, diz Oliver Stuenkel, cientista político da Fundação Getulio Vargas (FGV). “A completa falta de coordenação entre o Brasil e o novo governo argentino afeta negativamente os dois lados e também toda a região”.

Em novembro, após a renúncia de Evo Morales na Bolívia, o governo de Jair Bolsonaro foi rápido em reconhecer a legitimidade da Presidência de Jeanine Áñez. Diferentemente, Fernández defendeu o legado de Morales e afirmou, inclusive, que o ex-presidente poderia se refugiar na Argentina se quisesse. Stuenkel explica que em situações como essa há alguns anos, a resposta dos dois países à crise boliviana seria compassada, e não totalmente oposta.

Desde que assumiu o governo, Jair Bolsonaro e seu chanceler, Ernesto Araújo, têm insistido na mudança da diplomacia do Brasil e em ideias como o “fim da esquerda” no país. O Itamaraty chegou, inclusive, a instruir seus diplomatas a reforçarem a posição de que o Brasil é contra a “ideologia de gênero” e a evitarem votar a favor de resoluções que mencionassem direitos reprodutivos femininos e diversidade em órgãos internacionais.

“Há uma nova diplomacia que surgiu nos últimos 4 ou 5 anos, sobretudo entre os líderes conservadores, que preza por frases feitas e agressividade”, diz André Reis da Silva. “Talvez para alguém como Donald Trump esse modelo funcione melhor, mas para um país com bem menos poder e que precisa de seus vizinhos, como o Brasil, pode ser muito prejudicial”, completou, referindo-se ao presidente americano.

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As declarações agressivas de Bolsonaro atingiram até mesmo um país com quem o Brasil nunca havia tido atritos em 200 anos de parcerias: o Chile. A cidade de Santiago foi escolhida como o primeiro destino do presidente brasileiro na América do Sul por conta do suposto “alinhamento ideológico”, segundo o governo.

Porém, declarações de Bolsonaro exaltando a ditadura de Augusto Pinochet, em setembro, causaram constrangimentos entre os dois governos. Sebastián Piñera foi obrigado a responder seu colega brasileiro e a criticar sua posição, esfriando um pouco as relações.

“Os comentários de Bolsonaro soaram como incontinência verbal, intromissão nos assuntos alheios e gafe política”, diz o embaixador Marcos Azambuja. “Felizmente, a diplomacia é uma novela de longos capítulos e essa turbulência momentânea vai passar”.

Atualmente, o Chile vive sua pior crise social desde a restauração da democracia, com protestos contra o governo que já duram quase dois meses e uma nova Constituição em breve. Desde que assumiu o cargo, Piñera vem tentando ocupar uma posição de mediador regional. Preso em seus próprio dramas, o país agora deixou um vácuo de poder na América Latina.

“A nova dinâmica é de instabilidade, porque nem Brasil, nem Argentina têm condições de assumir esse papel deixado pelos chilenos atualmente”, afirma Oliver Stuenkel.

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