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Nova era da exploração

O progresso tecnológico está ajudando a desvendar mistérios de civilizações antigas. Mas a juventude digital ainda se interessa por expedições aventureiras?

Por Filipe Vilicic Atualizado em 4 jun 2024, 16h40 - Publicado em 5 abr 2019, 07h00
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  • “Tenho relatos confiáveis de que províncias muito extensas e ricas e de poderosos chefes que as governam (…) excederão o México em riquezas, e o igualarão na grandeza de suas cidades.” O depoimento foi escrito pelo explorador espanhol Hernán Cortés (1485-1547) em 1526, na célebre “Quinta Carta”, endereçada a Carlos V, à época imperador romano-­germânico e rei da Espanha. Cortés, que comandou a conquista do México, complementava o texto com a descrição de uma civilização que estaria situada na região de Honduras, em algum lugar das montanhas de Mosquitia. Assim nasceu o mito da Ciudad Blanca, ou A Cidade do Deus Macaco, narrado em livro que acaba de chegar às livrarias brasileiras.

    Desde então, e lá se vão quase cinco séculos, aventureiros de todo tipo, motivados pela lenda de que haveria ouro enterrado no local, procuraram a misteriosa cidade em meio à floresta. Foi o caso do excêntrico explorador, diplomata e espião americano Theodore Morde (1911-1954), que até sua morte jurava ter encontrado a tal cidade, mesmo se recusando a compartilhar informações sobre ela (décadas mais tarde, chegou-se à conclusão de que ele simplesmente mentira). O mistério prevaleceu até 25 de fevereiro de 2015, quando finalmente se anunciou a descoberta da Ciudad Blanca.

    O que possibilitou a façanha, no entanto, não foi a sorte, o brio ou a genialidade de algum famoso aventureiro, como aconteceu no caso da maioria das descobertas arqueológicas ao longo da história da civilização. A proeza, dessa vez, deveu-se a uma nova tecnologia. O pulo do gato se deu em 2012, quando um grupo de exploradores liderados pelo cineasta americano Steve Elkins sobrevoou a mata a bordo de um bimotor Cessna. Ao avião foi acoplado um equipamento de 1 milhão de dólares e então de uso sigiloso do governo dos Estados Unidos: um lidar. O aparelho, desenvolvido pela agência espacial Nasa durante o programa que levou o homem à Lua, foi aprimorado ao longo das décadas. Funciona como um radar, mas, em vez de ser sensível ao som, emite luzes em direção a superfícies, tecendo mapas em 3D de acordo com a forma como se dá a reflexão dos raios laser. Na operação, revelaram-se prédios, praças, uma pirâmide feita de barro e outras construções.

    Em 2015, uma expedição de arqueólogos, antropólogos, botânicos, documentaristas e militares hondurenhos, além de mercenários, confirmou a descoberta não apenas de uma Ciudad Blanca, mas de um complexo de monumentais cidades que compunham toda uma civilização — ainda não nomeada — que desapareceu nas selvas hondurenhas, sem registro histórico até então.

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    (Arte/VEJA)
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    “Há razão em chamar o século XXI de ‘a nova era da exploração’’’, declarou, à época, o arqueólogo americano Fredrik Hiebert, doutor na área pela Universidade Harvard e que liderou escavações importantes — em especial na Ásia, onde se dedicou a tentar desvendar a antiga Rota da Seda, de 4 000 anos atrás. “As oportunidades para o que podemos descobrir parecem ilimitadas”, disse, ao comentar a tecnologia do lidar. De fato, de lá para cá a inovação já foi usada em diversas iniciativas — como a busca pela cidade de Ubar, no Deserto Rub ’al-Khali, na Península Arábica; o mapeamento da cidade maia de Caracol, em Belize; e a localização dos destroços do maior império do século XII, no Camboja.

    Essa “nova era da exploração” tem como motor exatamente os progressos tecnológicos. Além do lidar — considerado por pesquisadores o mais impactante entre todos os novos equipamentos —, estão sendo empregados em expedições arqueológicas aparelhos sensíveis a variações de temperatura, satélites e radares especiais capazes de identificar o que há enterrado sob o solo. Entretanto, os mesmos avanços científicos que permitiram todas essas novidades — o GPS, chips cada vez mais potentes, a digitalização — também são os que criaram produtos que têm reduzido o interesse dos jovens por aventuras, digamos, “reais”.

    Disse a VEJA o escritor Douglas Preston, membro da expedição de Honduras e autor de A Cidade Perdida do Deus Macaco, livro recém-­lançado no Brasil pela editora Vestígio: “Crianças observam o mundo hoje apenas pelas telas. Estamos criando uma geração que corre menos riscos, que é menos curiosa e menos aventureira. O problema é que o progresso científico sempre foi impulsionado por pessoas ousadas”. A percepção de Preston é respaldada em estatísticas. Sessentões, os cientistas que se embrenharam por Mosquitia para desvendar o enigma iniciado por Cortés no século XVI cresceram em uma época em que 60% dos pais incentivavam pré-­adolescentes a sair sozinhos de casa nos EUA. Hoje, a coisa se inverteu: 71% deles fazem exatamente o contrário.

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    Lançado em 2017 pela psicóloga americana Jean Twenge, o livro iGen compila dados como esses, baseados numa extensíssima pesquisa, para compor o retrato de uma geração isolada. Além do mais, segundo Twenge, os jovens de hoje apresentam dificuldades para se concentrar numa tarefa única por mais de dezenove segundos — imagine se tivessem de se dedicar à longa procura de mistérios nos confins do planeta. A conclusão: novas tecnologias podem se tornar, sim, ferramentas poderosas para exploradores. Isso se ainda houver um bom número de aventureiros nas próximas décadas. A juventude atual parece não se empolgar com o empenho audaz assim traduzido pelo alpinista inglês George Mallory (1886-1924), ao responder por que queria escalar o Monte Everest, onde morreu: “Porque ele está lá”.

    Publicado em VEJA de 10 de abril de 2019, edição nº 2629

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