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Na Ucrânia, eleitor escolhe neste domingo o líder que enfrentará a Rússia

Inimigo de Moscou, o presidente Poroshenko disputa a reeleição com a carismática Yula Timoshenko e o comediante Vladimir Zelenski na frente nas pesquisas

Por Da Redação
Atualizado em 30 jul 2020, 19h51 - Publicado em 31 mar 2019, 08h00

Ao votarem nas eleições presidenciais deste domingo, 31, os cidadãos da Ucrânia optarão a favor ou contra o possível ingresso na Organizacão do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e na União Europeia e escolherão como serão as relações entre a Rússia e o Ocidente. Nesta eleição, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, tornou-se o principal inimigo de quase todos os candidatos.

O atual presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, busca a reeleição depois de cinco anos lindando com perda da península da Crimeia, com um conflito no leste do país, com crescentes tensões com a Rússia, com uma economia à beira do colapso e um população cada vez mais descontente com sua gestão. Principal desafiante de Poroshenko, a ex-primeira-ministra Yulia Tymoshenko é considerada personificação da resiliência na complexa política nacional e uma das figuras mais carismáticas da história pós-soviética do país. Mas há outrso candidatos no páreo.

O comediante Vladimir Zelenski lidera há meses as pesquisas, com 24,9% dos votos, seguido de Timoshenko, com 18,8%, e de Poroshenko, com 17,4%. Os porcentuais  indicam um segundo turno em abril. O único candidato pró-Rússia com alguma força é o ex-ministro da Energia Yuri Boiko, com 10,2% das intenções de voto. Há outros 35 candidatos na disputa.

Se há cinco anos a Ucrânia estava dividida em duas partes – uma europeísta e outra, pró-Rússia -, agora a primeira tornou-se majoritária, como se viu na campanha eleitoral. O Kremlin perdeu a Ucrânia como parceira há cinco anos, mas não saiu de mãos vazias. Invadiu a península da Crimeia e bloqueou as iniciativas de Kiev, política e economicamente, ao apoiar  separatistas pró-russos do país.

Enquanto isso, o Ocidente tem em Kiev um fiel aliado e não deixou de condenar as supostas violações russas do direito internacional. Mas não foi além de declarações de boas intenções e jamais entregou ao governo de Poroshenko o armamento letal prometido.

Durante a campanha eleitoral, as diplomacias ocidentais apoiaram claramente o atual presidente, o candidato que garante a defesa de seus interesses de conter ímpeto da Rússia no mar Negro. Considerado “o homem da guerra” pela propaganda russa, Poroshenko cumpre seu papel: negou-se categoricamente a dialogar com Putin, a quem acusou abertamente de dirigir uma máquina de guerra que se propõe, a qualquer momento, a invadir a Ucrânia.

Moscou espera vitória do candiato que poderia ser o menos ruim para seus interesses. “Independentemente do nome do próximo presidente da Ucrânia, é muito difícil esperar mudanças radicais nas relações entre Kiev e Moscou, embora possam acontecer algumas correções”, declarou à Sergei Zhiltsov, professor de Ciência Política e Filosofia Política da Academia Diplomática da Rússia.

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Presidente da guerra

“Há muitos candidatos, mas apenas um presidente” é o lema da campanha eleitoral do nacionalista Poroshenko, de 53 anos, que chegou ao poder por meio de uma revolução que desbancou o então governo pró-Rússia. Sua credibilidade, porém, está desgastada pela piora da qualidade de vida dos ucranianos, resultado do seu gerenciamento macroeconômico, e pelo fracasso no combate à corrupção.

Poroshenko financiou do próprio bolso as duas revoluções populares que o país teve desde a independência – em 2004 e em 2014 – para liberar-se da asfixiante dependência da Rússia. O atual presidente chegou ao poder logo depois de a Rússia ter anexado a península da Crimeia e instigado uma rebelião armada no leste do país. Seu mandato já começou em torno de um estado de guerra que limitou sua capacidade de manobra.

Diante da ameaça latente de divisão do país, Poroshenko teve muitas vezes de vestir o uniforme de comandante-em-chefe e vender o papel de “salvador da pátria” para evitar a desintegração do país. “Exército, língua e fé” foram os pilares que guiaram sua gestão nos últimos cinco anos.

Uma vez assinados os Acordos de Paz de Minsk, em fevereiro de 2015, Poroshenko dedicou grandes esforços a recuperar o moral de um Exército que tinha perdido a guerra, principalmente devido aos reforços chegados da Rússia para os militantes separatistas. Seu maior sucesso foi a criação de uma Igreja Ortodoxa independente, após mais de 300 anos de subordinação ao Patriarcado de Moscou, aliado de Putin.

Dada a importância da fé neste país, o advento da nova igreja ortodoxa é um passo crucial para a libertação definitiva da Ucrânia do jugo russo.

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Na semana passada, o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, disse que, com o atual presidente da Ucrânia, “as coisas não vão melhorar”.  “Para o Kremlin, seria muito melhor que (…) os ucranianos elegessem um presidente que avalie com sensatez a realidade, que tenha sabedoria política, que não seja um presidente da guerra, mas da paz e partidário de ter boas relações com os vizinhos, inclusive a Federação Russa”, ressaltou Peskov.

Único homem

Yulia Tymoshenko
A ex-primeira-ministra Yulia Tymoshenko, em evento da campanha presidencial: mulher dura e resiliente na política ucraniana – 29/03/2019 (Vasily Fedosenko/Reuters)

Aos 58 anos, a ex-primeira-ministra Tymoshenko está entre as favoritas para vencer as eleições do próximo domingo. Também nacionalista, a candidata é vista pelo Kremlin como “mais pragmática” que Poroshenko e menos avessa a uma negociação com Putin.

“Alguma forma de gestão mais eficaz das relações poderia acontecer se ela for eleita”, afirmou Dmitri Suslov, analista do ‘think thank’ Clube Valdai que considera Tymoshenko menos radical em sua postura com a Otan e na sua rejeição à Rússia. “Por outro lado, se Poroshenko ganhar, provavelmente teremos outro período perdido nas relações com a Ucrânia”, acrescentou.

Mark Galeotti, pesquisador do programa Jean Monnet do Centro para Estudos Avançados Robert Schuman do European University Institute em Florença, concorda. “Para Moscou, qualquer candidato é melhor que Poroshenko”, frisou.

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Tymoshenko é uma mulher “dura”, lembrou Galeotti. Assim como Poroshenko e Zelenski, ela exigiu devolução da Crimeia durante a campanha e defendeu – também como os outros dois – a entrada do país na União Europeia e na Otan.

“Ela é o único ‘homem’ na política ucraniana”, definiu certa vez o ex-presidente Leonid Kuchma.

De ascendência letã por parte de pai e ucraniana pelo lado da mãe, a ex-premiê teve sua empresa Ukrainski Benzin (Gasolina Ucraniana, que se tornaria a Sistemas Energéticos Unidos da Ucrânia) transformada em “terra arrasada” pelas autoridades. A indignação a levou à carreira política. Em 1997, a ex-empresária conquistou uma cadeira na Rada Suprema, o parlamento do país, com mais de 90% dos votos. Sua ascensão foi meteórica.

Em 2001, foi destituída do cargo de vice-primeira ministra por causa de divergências com o presidente Kuchma e presa sob a acusação de contrabando de gás e evasão tributária. Depois de 42 dias na cadeia, um tribunal decidiu que as denúncias contra ela eram inconsistentes.

Líder opositora de peso, Tymoshenko tornou-se  principal liderança da “Revolução Laranja”, uma série de protestos contra o governo de Viktor Yanikovych, cuja eleição em 2004 fora denunciada como fraudulenta. Os protestos fizeram com que a Justiça determinasse a repetição das eleições. Viktor Yushchenko venceu e nomeou Tymoshenko como primeira-ministra, cargo que ocupou por apenas oito meses.

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Quem exerceu um papel-chave para a saída de Tymoshenko foi Poroshenko, na época secretário do Conselho de Segurança e Defesa. A ex-primeira-ministra voltou ao cargo em 2007 e conseguiu costurar um acordo com a Rússia para encerrar a “guerra do gás” entre os dois países, que provocara o desabastecimento da Europa.

Tymoshenko tentou assumir a presidência em 2010, mas foi derrotada por Yanukovich nas eleições daquele ano. Em outubro de 2011, ela foi considerada culpada por abuso de poder e condenada a sete anos de prisão. Na cadeia, Tymoshenko realizou várias greves de fome, enquanto a União Europeia e várias organizações internacionais exigiam sua liberdade por considerá-la presa política.

Em fevereiro de 2014, quando Yanukovich foi cassado pelo parlamento após uma insurreição popular, Tymoshenko foi libertada e voltou à política.

Estado de guerra

Se havia alguma dúvida sobre a posição do Ocidente, a Otan e a União Europeia concordaram, duas semanas antes da eleição ucraniana, em impor uma nova rodada de sanções ao Kremlin pelo incidente naval de novembro do ano passado perto da Crimeia. A captura de três navios da Marinha da Ucrânia pela Guarda Costeira russa estampou a ameaça que Moscou representa para seus vizinhos, desde o Cáucaso até a Ucrânia e os Bálticos.

O incidente obrigou Poroshenko a decretar estado de exceção no país e a mobilizar tropas nas regiões de fronteira com a Rússia e naquelas banhadas pelos mares Negro e de Azov, o que lhe permitiu subir nas pesquisas de opinião antes do começo da campanha eleitoral.

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Os Estados Unidos também não perderam a oportunidade de enviar um destróier da Sexta Frota ao porto ucraniano de Odessa. Mas isso limitou o reforço da presença da Otan no mar Negro, já que o acesso ao mar de Azov através do estreito de Kerch está proibido.

Esses episódios despertaram os eleitores para o fato de que o país está em estado de guerra e que, na hora de votar, será preciso levar em conta quem dispõe de aliados poderosos em caso de uma agressão do vizinho do norte.

Poroshenko incluiu em seu programa de governo a promessa de que a Ucrânia solicitará, em 2023, seu ingresso na União Europeia e na Otan. Pouco importa que ambos os objetivos sejam utópicos, algo do qual tanto em Bruxelas como em Kiev estão conscientes. Viver como os europeus é um chamariz muito atrativo para a maioria dos ucranianos, inclusive para os que vivem no leste do país.

A Rússia sabe muito bem que um conflito no leste da Ucrânia será sua garantia de que Kiev nunca fará parte da aliança militar. A propaganda russa faz todo o possível para descredenciar todos os candidatos, com a exceção do pró-Rússia Yuri Boiko, ex-ministro no governo de Victor Yanukovich e o único que defende um diálogo franco com Moscou.

Putin, que no início estendeu a mão a Poroshenko para normalizar as relações, lhe deu as costas nos últimos tempos e o acusou diretamente de ser a favor de o conflito se eternizar no leste do país para ganhar votos. Poroshenko acusa desde o início do ano o Kremlin de ingerência na campanha eleitoral e proibiu por lei a entrada no país de observadores russos.

Seja como for, o Kremlin não tem muito a ganhar no pleito, já que os três candidatos com chances de passar para o segundo turno utilizam palavras de ordem anti-Rússia para ganhar votos e defendem a entrada do país, o mais rápido possível, nas instituições ocidentais.

(Com EFE)

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