A igualdade de gênero é uma realidade cada vez mais visível no mercado de trabalho, na rotina das famílias e no convívio social entre os sexos. Ninguém mais, pelo menos não assumidamente, acredita que mulheres deveriam ocupar um lugar inferior em qualquer área ou campo de atuação. Tudo isso é verdadeiro, mas há um espaço na sociedade ainda pouco afeito à presença feminina: a política. De acordo com a Organização das Nações Unidas, elas chefiam apenas 23 países entre os 200 associados à ONU. E pior: 119 deles jamais tiveram uma mulher no posto máximo da nação. Os avanços são modestos. Entre 1998 e 2018, a participação de mulheres nos Parlamentos saltou de 11,8% para 23,5%, algo bastante decepcionante considerando que o sexo feminino corresponde a pouco mais da metade da população mundial. Sob diversos aspectos, portanto, a humanidade é governada por homens, e essa barreira está longe de ser superada.
A partir dessa premissa, o cientista político americano Jonathan Homola, da Universidade Rice, no Texas, começou a se perguntar como seria o mundo se elas, e não eles, fossem maioria entre os chefes de Estado ou em outros cargos executivos. Homola suspeitava, e não sem razão, que há diferenças entre homens e mulheres na maneira de conduzir a política. O pesquisador decidiu então dedicar boa parte de seu tempo a estudar o assunto. Ele analisou 57 eleições realizadas em doze países (dez europeus, além de Estados Unidos e Canadá) e compilou 7 770 promessas de campanha. O resultado não deixou dúvidas: as mulheres são mais propensas a cumprir o que foi prometido ao eleitorado. “Elas são superiores nesse quesito”, disse Homola a VEJA.
Umas simples comparação demonstra que a teoria faz sentido. Em 2019, entre as 296 promessas feitas pela coalizão liderada por Angela Merkel, na Alemanha, 43% foram cumpridas antes do final da primeira metade do mandato. Enquanto isso, o americano Donald Trump entregou, em todo o seu governo, menos de 30% dos compromissos defendidos durante a campanha presidencial de 2016. É óbvio que, nesse caso, põe-se lado a lado políticos com visões de mundo opostas. Merkel é uma das líderes mais ponderadas do planeta, e seu desempenho à frente do governo alemão reforça que foi bem-sucedida em diversas frentes, inclusive no combate ao coronavírus. Trump, por sua vez, é um canastrão que não só ameaçou a democracia americana como parecia governar para si mesmo, indiferente aos interesses do país. De todo modo, a comparação é justa, na medida em que foram pareados dois dos principais líderes de uma era, certamente o homem mais poderoso e a mulher mais proeminente.
Homola diz que, em sua análise recém-publicada, a recordista no cumprimento de promessas foi uma política sueca, que entregou 91% do que havia dito durante a campanha. No campo oposto, um político austríaco não fez mais do que 28%. No geral, elas foram muito mais assertivas do que os homens, comprovando a suspeita inicial de que as mulheres são mais fiéis às suas promessas.
A história política está repleta de exemplos notáveis de lideranças femininas. No Reino Unido, a Dama de Ferro, Margaret Thatcher, foi uma das principais vozes do liberalismo econômico e uma referência para políticos de diversas partes do mundo. Na Rússia, a imperatriz Catarina ganhou o epíteto “a Grande” após modernizar o império, tornando-o uma das maiores potências europeias.
Mais recentemente, Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile, liderou uma agência da ONU em prol da igualdade de gênero e, nos Estados Unidos, a atual vice-presidente, Kamala Harris, foi fundamental na campanha de Joe Biden, ajudando-o a angariar votos e dando ares de modernidade a um político de 78 anos. Talvez o exemplo mais consistente seja o de Jacinda Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia, a chefe de governo que melhor lidou com a pandemia no planeta. Suas medidas rígidas de lockdown, fechamento de fronteiras e distanciamento social fizeram com que a Nova Zelândia navegasse quase tranquilamente pelas águas da Covid-19. Somente 26 neozelandeses perderam a vida para a doença, e o número atual de infectados está abaixo de setenta. Trata-se, de fato, de um desempenho para lá de louvável.
O Brasil, como a maioria dos países, tem um longo caminho a percorrer. Segundo dados da Fundação Heinrich Böll Stiftung, as mulheres não passam de 15% dos representantes políticos. Uma delas, Dilma Rousseff, chegou à Presidência da República, teve uma péssima administração e acabaria sofrendo um processo de impeachment. É óbvio que existem políticos bons e ruins dos dois sexos, mas também é verdade que as mulheres merecem mais chances em cargos eletivos. Elas, pelo menos de acordo com o inédito estudo da Universidade Rice, parecem menos dispostas a ludibriar os eleitores. Isso já é um grande avanço.
Publicado em VEJA de 10 de março de 2021, edição nº 2728