Mueller entrega relatório sobre conluio da Rússia na eleição de Trump
Conclusões devem sair neste final de semana, quando documento chegar ao Congresso; presidente se cerca de advogados de defesa na Flórida
O mais esperado relatório sobre a interferência da Rússia na eleição presidencial de 2016 chegou às mãos do secretário de Justiça dos Estados Unidos, William Barr, no fim da tarde desta sexta-feira, 22. Sob silêncio e segredo aterradores para os políticos de Washington, o procurador especial Robert Mueller passou 20 meses investigando o caso, que poderá constatar crime de obstrução de justiça cometido pelo governo de Donald Trump.
Mueller não recomendou novos indiciamentos, mas os promotores federais de Nova York, que investigam parte das supostas operações de influência de Moscou e indícios de práticas ilegais na campanha de Trump, poderão se valer do relatório e intimar novos atores.
O Secretário de Justiça deve submeter sua própria versão do relatório ao Congresso americano depois que os advogados de Trump examinarem o texto original. A defesa do presidente deve examinar o texto original em busca de revelações que possam se enquadrar no contexto do privilégio executivo do presidente e tentar impedir sua divulgação. William Barr, porém, indicou que pode revelar sua versão ao Congresso já no fim de semana.
A investigação de Mueller indiciou seis pessoas diretamente ligadas a Trump. Desse grupo, os mais proeminentes foram seu ex-assessor de Segurança Nacional, Michael Flynn, o ex-diretor da campanha, Paul Manafort, e seu ex-advogado e “faz tudo”, Michael Cohen. Mueller indiciou outras 28 pessoas, das quais 26 eram russos associados às atividades de hacking, inteligência e negócios nos Estados Unidos.
Nesta sexta-feira, o presidente americano viajou para seu clube privado de Mar-a-Lago, na Flórida, em companhia de seus advogados. Embora Trump tenha dito que favoreça a transparência, nos bastidores, afirmou à rede de televisão CNN que sua defesa trabalha para manter qualquer conteúdo incriminador do relatório longe do público.
Na condição de procurador especial, Mueller tem a obrigação oficial de explicar sua possível decisão de processar ou não indivíduos e instituições. Uma das grandes incertezas da investigação é o suposto consenso no Departamento de Justiça sobre a constitucionalidade de indiciar um presidente no exercício do cargo – recomendação que pode constar do relatório. Não há consenso sobre o assunto entre juristas independentes.
A reação da liderança democrata sobre a conclusão da investigação foi imediata e enérgica. Temerosos de que Trump, de posse do relatório, o use seu púlpito na rede social para manipular a opinião pública, deputados e senadores cobraram de William Barr total transparência.
Fúria e caos
A partir de agora, o secretário de Justiça se torna o mais importante personagem da presidência mais caótica da memória recente nos Estados Unidos. A Secretaria de Justiça é a única no gabinete da presidência regulada por critérios de independência do Poder Executivo.
Robert Mueller foi nomeado em maio de 2017, quando Donald Trump demitiu o diretor do FBI, James Comey, porque ele não concordara em sustar a investigação iniciada pelo ex-assessor de Segurança Nacional Michael Flynn. O então Secretário de Justiça Jeff Sessions se desincompatibilizou da investigação por ter, como senador, feito campanha para o presidente.
A decisão provocou a fúria de Trump, que assistiu impotente à decisão do subsecretário de Justiça, Rod Rosenstein, de nomear o procurador especial para apurar como a Rússia interferiu na eleição de Trump, comandou o hacking do servidor do Partido Democrata e ajudou a vazar e-mails da campanha de Hillary Clinton. O mandato de Mueller envolvia também o exame da suspeita de obstrução de Justiça por Trump. Por exemplo, no episódio da demissão de Comey.
Robert Swan Mueller III, de 75 anos, é um condecorado ex-fuzileiro naval que serviu na guerra do Vietnã. Foi o diretor do FBI que passou mais anos à frente da FBI, a polícia federal americana, depois do controverso anticomunista J. Edgar Hoover. Mueller serviu sob os governos do republicano George W. Bush e do democrata Barack Obama.
Em sua primeira semana no cargo, no dia 11 de setembro de 2001, ele estava se dirigindo a um briefing sobre uma nova organização terrorista de Osama bin Laden, quando o primeiro avião comandado por terroristas da Al Qaeda bateu numa torre do World Trade Center. Sem qualquer experiência no assunto, ele se lançou à tarefa de transformar uma polícia que combatia principalmente o crime doméstico em uma agência de combate ao terrorismo internacional.
Entre a história e o líder
Com a saída de cena do discreto e tenaz Robert Mueller, toda a atenção se volta para o secretário de Justiça William Barr. Ele deve sofrer pressões da Casa Branca, da nova maioria democrata na Câmara e também da opinião pública, que é esmagadoramente a favor de conhecer o que Mueller descobriu. Barr tem 68 anos e já ocupou o cargo de secretário de Justiça no governo de George H. W. Bush, entre 1991 e 1993, quando foi chefe de Robert Mueller, que dirigia a Divisão Criminal do departamento.
Depois do governo de Bush pai, Barr voltou à iniciativa privada. Deve ter atraído a atenção do entorno de Donald Trump por ter escrito um artigo de opinião crítico do papel de James Comey na investigação do uso por Hillary Clinton, quando era secretária de Estado no governo de Barack Obama, de um servidor privado para receber e enviar emails.
Diversos promotores americanos que tiveram contato com William Barr o classificam como um “institucionalista”, ou seja, alguém que não arriscaria sua reputação de integridade apenas para servir ao presidente. Donald Trump é notório por sua expectativa de lealdade de seus subordinados, que só encontra rival na crônica de famílias mafiosas. William Barr, o homem que passará a ter um papel crucial para esta presidência, vai escolher o chefe ou seu lugar na história?