Morre a rainha Elizabeth II, aos 96 anos
A monarca mais longeva da história do Reino Unido faleceu após uma deterioração rápida no estado de saúde que a deixou sob observação médica
A rainha Elizabeth II, dona do segundo reinado mais longo da história, faleceu nesta quinta-feira, 8, aos 96 anos.
O Palácio de Buckingham comunicou: “A rainha morreu pacificamente em Balmoral esta tarde. O rei e a rainha consorte permanecerão em Balmoral esta noite e retornarão a Londres amanhã.”
The Queen died peacefully at Balmoral this afternoon.
The King and The Queen Consort will remain at Balmoral this evening and will return to London tomorrow. pic.twitter.com/VfxpXro22W
— The Royal Family (@RoyalFamily) September 8, 2022
O príncipe Charles, herdeiro do trono desde os 3 anos de idade, agora é rei e será oficialmente proclamado no Palácio de St. James, em Londres, o mais rápido possível.
Bandeiras em edifícios de referência na Grã-Bretanha e em toda a Commonwealth estavam sendo abaixadas a meio mastro quando um período de luto oficial foi anunciado.
A rainha Elizabeth Alexandra Mary do Reino Unido e dos 14 reinos da Commonwealth, governou como chefe de Estado durante 70 anos, tendo comemorado seu Jubileu de Platina em junho de 2022. No entanto, a soberana iniciou neste ano uma sutil transição de funções para seu filho e herdeiro, Charles, o príncipe de Gales, devido à sua idade avançada.
Em maio, o príncipe Charles substituiu a rainha fazendo, pela primeira vez, o discurso do monarca diante do Parlamento britânico. Durante sete décadas de seu reinado, a monarca só perdeu a ocasião duas vezes – em 1959 e 1963 –, quando estava grávida dos filhos Andrew e Edward.
Ela esteve ausente de quase todos os eventos públicos de alto escalão nos últimos meses, inclusive de algumas aparições da comemoração de seu longevo reinado no Jubileu, já indicando sinais de um possível fim da era Elizabeth II.
Embora tenha sido popularmente conhecida como “a rainha imortal”, seu estado de saúde despertava preocupações desde que ela precisou ser levada ao hospital em outubro de 2021 — sua primeira internação desde 2013.
Ascensão ao trono
A rainha subiu ao trono após a morte de seu pai, o rei George VI, que faleceu em 6 de fevereiro de 1952. Ela tinha apenas 25 anos na época.
Demorou pouco mais um ano até que ela fosse coroada, em 2 de junho de 1953, seguindo o costume de esperar vários meses após a morte do ex-soberano por conta de longos preparativos para a cerimônia e um período apropriado de luto.
Elizabeth, no entanto, não nasceu para ser rainha. Na verdade, seu pai, o rei George VI, cujo nome de batismo era Albert, tornou-se rei somente depois que seu irmão mais velho, o rei Edward VIII, abdicou para se casar com uma americana divorciada, Wallis Simpson. Depois que seu tio abdicou do trono, Elizabeth começou a se preparar para suceder a seu pai.
Embora tenha passado grande parte de sua infância com babás, ela foi muito influenciada por sua mãe, que incutiu nela uma fé cristã devota, bem como um profundo entendimento das exigências da vida real. Sua avó, a rainha Mary, consorte do rei George V, também instruiu Elizabeth e sua irmã mais nova Margaret nos pontos mais delicados da etiqueta real.
Educada por professores particulares, com ênfase em história e direito britânicos, a princesa também estudou música e aprendeu a falar francês fluentemente. Ela treinou como Girl Guide (o equivalente britânico das pequenas escoteiras dos Estados Unidos) e desenvolveu uma paixão por cavalos (seu famoso apego aos corgis, uma raça de cachorro, também começou na infância, e ela veio a possuir mais de 30 corgis ao longo de seu reinado).
Na primeira década de seu reinado, Elizabeth se estabeleceu em seu papel de rainha, desenvolvendo um vínculo estreito com o primeiro-ministro Winston Churchill (o primeiro dos 15 primeiros-ministros com quem ela trabalharia durante seu reinado), resistindo a um desastre de relações exteriores na crise de Suez de 1956 e fazendo inúmeras viagens de Estado ao exterior – ela ficou conhecida por sua assiduidade nas relações internacionais.
Em resposta às críticas da imprensa, a rainha adotou medidas para modernizar sua própria imagem e a da monarquia, incluindo o início da transmissão anual do Natal da família real pela primeira vez em 1957. Extremamente popular por quase todo o seu longo reinado, a rainha foi creditada por modernizar muitos aspectos da monarquia.
Um dos marcos do reinado de Elizabeth II foi seu Jubileu de Prata, em 1977, marcando 25 anos no trono durante um período de dificuldades econômicas. Sempre uma viajante vigorosa, ela construiu uma agenda intensa para marcar a ocasião, viajando cerca de 90.000 quilômetros ao redor da Commonwealth, incluindo as nações insulares Fiji e Tonga, Nova Zelândia, Austrália, Papua Nova Guiné, Índias Ocidentais Britânicas e Canadá.
O casamento com Philip
Antes de sonhar em tornar-se rainha, Elizabeth (junto com sua irmã, Margaret) passou grande parte da II Guerra Mundial vivendo longe de seus pais no Castelo de Windsor, uma fortaleza medieval nos arredores de Londres. Durante esse período, ela passou a se corresponder com um primo de terceiro grau (ambos eram tataranetos da rainha Victoria e do príncipe Albert), em quem estava de olho desde os 13 anos de idade. Este era Philip.
Em 1947, logo após a família real retornar de uma visita oficial à África do Sul e Rodésia, o Palácio de Buckingham anunciou o noivado de Elizabeth com o príncipe Philip da Grécia, tenente na Marinha Real. Embora muitos no círculo real o vissem como um par imprudente, devido à sua falta de dinheiro e sangue estrangeiro (alemão), Elizabeth estava determinada e muito apaixonada. Ela e Philip se casaram em 20 de novembro de 1947, na Abadia de Westminster.
Durante os primeiros anos de casamento, Philip se concentrou em sua carreira militar e serviu como comandante de um navio da Marinha Real em Malta, onde Elizabeth era menos uma princesa do que a esposa de um militar. A existência despreocupada chegou ao fim com a morte inesperada do pai de Elizabeth, apenas cinco anos após o casamento. Quando ela assumiu o trono, a carreira militar de Philip chegou ao fim para dar lugar à de consorte real, que foi um desafio para ele.
A relação dos dois também teve suas turbulências, e Philip foi acusado de infidelidade diversas vezes. Um documentário exibido há dois anos, pelo Canal 5 da TV britânica, revelou episódios de traição de Philip, incluindo uma viagem com uma mulher misteriosa no iate Britannia. O tema também é abordado na série The Crown, da Netflix, que foi premiada com três Globos de Ouro. no entanto, como relata a revista americana Vanity Fair, “nunca houve prova empírica de que Philip tenha traído [a rainha Elizabeth II], e a família real tem ignorado as acusações na maioria das vezes”.
Apesar disso, o príncipe Philip foi conhecido por seu apoio inestimável à rainha, realizando muito trabalho nos bastidores para que sua monarquia fosse tão longa e bem-sucedida. Elizabeth II não quis ficar à frente, mas ao lado do marido: tomou a decisão de que, se ela fosse chefe de Estado, ele seria o chefe da família.
Seu primeiro filho, Charles (príncipe de Gales) nasceu em 1948; uma filha, Anne (princesa real) chegou dois anos depois. Ela teve mais dois filhos, Andrew (nascido em 1960) e Edward (nascido em 1964). Em 1968, Charles recebeu o título formal de príncipe de Gales, marcando sua maioridade e o início do que seria um longo período como rei em espera.
Elizabeth e Phillip foram casados por extraordinários 73 anos, até que o príncipe morreu em abril de 2021, aos 99 anos.
A relação com seus primeiros-ministros
Ao longo de seu tempo como chefe de Estado, Elizabeth II teve a nomeação de novos primeiros-ministros como um de seus principais deveres constitucionais, junto à abertura de Estado do Parlamento e a assinatura de projetos parlamentares em lei. Nesses anos, nos quais foram 15 premiês, muitas parcerias foram formadas, de Winston Churchill a Margaret Thatcher, a Dama de Ferro, e algumas se mostraram mais difíceis que outras. A rainha se encontrou com todos eles semanalmente para “audiências” privadas. Ainda assim, alguns trechos dos encontros vazaram, em conversas, biografias e momentos inesperados.
Quando Elizabeth assumiu o trono após a morte de seu pai, Winston Churchill foi uma das primeiras pessoas a recebê-la. Historiadores afirmam que Churchill, grande admirador do pai da rainha, inicialmente pensava que ela era muito inexperiente para assumir o cargo. Com o tempo, no entanto, criou-se uma relação muito cordial.
Ao ser perguntada uma vez com qual deles mais gostava de se encontrar, respondeu: “Winston, claro, porque é sempre muito divertido”. Churchill, por sua vez, disse que “todas as pessoas do mundo, se tivessem vasculhado o globo, não teriam encontrado ninguém capaz do papel”. Após Churchill se aposentar, a rainha escreveu uma carta na qual dizia que nenhum sucessor nunca iria “ser capaz de assumir o lugar do meu primeiro-ministro”.
Alguns mandatos depois, Elizabeth conheceu seu primeiro premiê do Partido Trabalhista (todos os outros quatro foram do Partido Conservador). As tendências socialistas de Harold Wilson geraram tensão, a princípio, mas depois os dois se deram bem. O livro Rainha Elizabeth II e a Monarquia conta que Wilson tratava-a como par, como se fosse um membro de seu gabinete.
A relação de Elizabeth com Margaret Thatcher, sua oitava premiê, foi conhecida como difícil – o que Thatcher descreveu como “sexista”. Para a Dama de Ferro, a rainha era uma mulher forte cheia de ações corretas, mas “histórias sobre brigas entre ‘duas mulheres poderosas’ eram boas demais para não serem inventadas”, segundo escreveu em sua autobiografia.
Na terça-feira 6, ela recebeu Liz Truss para torná-la a 15ª premiê de seu reinado, e a terceira mulher a governar o país. Em um sinal de que ela já estava com a saúde debilitada, o encontro foi feito em Balmoral, na Escócia, pela primeira vez, já que não havia como fazer a viagem de mais de 1.600 quilômetros até Londres. De acordo com fontes da realeza, que falaram com a rede CNN, a decisão foi tomada para evitar quaisquer problemas repentinos caso a rainha tivesse algum problema de locomoção.
Escândalos reais
A lista é longa, mas um escândalo do reinado de Elizabeth sempre chama atenção. Em 1981, todos os olhos estavam voltados para a família real quando o príncipe Charles se casou com uma plebeia, Lady Diana Spencer, em Londres. Embora o casal logo tenha dado as boas-vindas a dois filhos, William e Harry, seu casamento desmoronou rapidamente devido a infidelidades de ambos os lados, causando considerável constrangimento público para a rainha.
Em uma frase famosa, Diana brincou que “havia três de nós neste casamento, então estava um pouco lotado”, aludindo ao caso de Charles com Camilla, com quem ele veio a se casar depois, tornando-a duquesa da Cornualha. A relação de Lady Di com Elizabeth II ficou conhecida como conturbada.
Em 1992, o 40º aniversário de Elizabeth no trono e o “Annus Horribilis” de sua família (de acordo com um discurso que ela fez em novembro daquele ano), tanto Charles e Diana quanto o príncipe Andrew e sua esposa, Sarah Ferguson, se separaram, enquanto a princesa Anne e seu marido, Mark Phillips, se divorciaram.
Anne e Mark tiveram um casamento que a revista People descreveu como uma “farsa sem alegria”. O que motivou o divórcio foi quando um tabloide britânico relatou cartas “extremamente íntimas” e “quentes” entre Anne e um de seus escudeiros – um oficial da Marinha britânica chamado Timothy Laurence.
Naquele mesmo ano, o Castelo de Windsor também foi alvo de protestos sobre o uso de fundos do governo para reformar a residência real. A rainha Elizabeth concordou em pagar impostos sobre sua renda privada, o que não era exigido pela lei, embora alguns outros monarcas também tivessem feito a mesma escolha. Na época, sua fortuna pessoal era estimada em 11,7 bilhões de dólares.
Depois que Charles e Diana se divorciaram em 1996, Diana permaneceu incrivelmente popular entre o público britânico (e internacional). Sua morte trágica no ano seguinte desencadeou uma tremenda onda de choque e tristeza, bem como indignação com a família real pelo que o público chamou de maus tratos à “Princesa do Povo”.
Os anos 1990 foram cheios de acontecimentos, mas os netos da rainha deram continuidade aos escândalos. Em 2012, foram vazadas fotos do príncipe Harry nu, então com 27 anos, enquanto estava de folga em Las Vegas antes de sua missão no Afeganistão. O mesmo príncipe, mais maduro, casou-se em 2018 com a atriz Meghan Markle, mas os dois decidiram se afastar dos deveres reais em 2020, gerando mais turbulência na monarquia britânica.
Em uma entrevista à apresentadora Oprah Winfrey sobre o desentendimento, os dois revelaram que membros da família real tinham “preocupações e conversas” sobre como a pele de Archie seria escura. Meghan também se abriu sobre ter pensamentos suicidas em meio a constantes críticas de tabloides e situações de racismo, e disse que um membro sênior da instituição real não a deixou procurar ajuda.
Além disso, um dos maiores escândalos do reinado envolve o príncipe Andrew, que foi acusado de assédio sexual por Virginia Guiffre, menor de idade na época do incidente. No início de 2022, em meio ao processo civil contra ele, Andrew foi destituído de seus cargos militares honorários, bem como de seus patrocínios reais.
Esses escândalos mostram claramente que, embora a vida real pareça um sonho, pode ser, na verdade, um pesadelo.
Monarquia 2.0
A rainha foi conhecida por modernizar alguns aspectos da monarquia, como abrir um pouco mais as portas do castelo para a população britânica – tanto por meio das citadas transmissões do Natal da família real, quanto literalmente a abertura do Palácio de Buckingham para visitações públicas enquanto ela não estivesse trabalhando lá.
Uma das maneiras mais conhecidas de se aproximar da população foi através da invenção do “passeio real”. Antes só era possível ver os membros da família real em sacadas durante um casamento, ou um vislumbre pela janela de um carro. Mas tudo mudou durante a turnê da rainha pela Austrália e Nova Zelândia em 1970, ao lado do príncipe Philip, quando ela decidiu cumprimentar a multidão a pé. A prática pretendia ajudar a realeza a conhecer o maior número de pessoas possível, não apenas autoridades.
Mas a popularidade da rainha e de toda a família real disparou durante a primeira década do século 21. Em 2005, a rainha foi aplaudida quando deu seu consentimento ao casamento, antes impensável, do príncipe Charles com seu amor antigo, Camilla Parker Bowles.
Em sua sétima década no trono, a rainha Elizabeth presidiu a pompa e circunstância de outro casamento real na Abadia de Westminster, o do príncipe William com Kate Middleton (que adotou a prática do “passeio real” com fervor, em abril de 2011. E, em maio de 2018, o príncipe Harry se casou com a atriz americana Meghan Markle, uma afrodescendente divorciada que deu um sopro de modernidade ao longo reinado de Elizabeth (apesar de expor gafes).
Apesar de ainda longe de ser uma instituição propriamente moderna, a monarquia britânica encontrou caminhos para se transformar por causa da rainha. Em entrevista para à Page Six, o especialista em família real e historiador Hugo Vickers revelou que, após tantos anos em uma era de ouro comandada pela rainha Elizabeth II, mudanças profundas são esperadas.
“Esta foi uma era de ouro extraordinária que ela presidiu e as coisas vão mudar drasticamente em um certo ponto. Os próximos dias serão muito importantes”, disse Vickers.