O Congresso do México anunciou nesta quarta-feira, 15, que vai abrir uma comissão federal para investigar suspeitas de abusos de direitos humanos pelos militares do país. A investigação, que deve começar ainda nesta semana, ocorre após denúncias de que o Exército estaria usando uma poderosa tecnologia de spyware para espionar ativistas.
A comissão, composta por legisladores das câmaras alta e baixa do Congresso mexicano, solicitará um relatório do Exército em resposta a reportagens da mídia local que alertaram para atos de espionagem.
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Segundo a investigação de uma coalizão de meios de comunicação mexicanos, militares usaram um software israelense conhecido como Pegasus para hackear o telefone de um proeminente ativista de direitos humanos Raymundo Ramos, com objetivo de interceptar mensagens trocadas com jornalistas sobre supostas execuções extrajudiciais pelo exército.
“A espionagem é algo delicado e sério em qualquer sociedade e em qualquer momento”, disse na segunda-feira 13 o senador Ricardo Monreal, chefe do partido Morena no Senado, mesma legenda do presidente Andrés Manuel López Obrador.
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“Fui espionado toda a minha vida e obviamente desaprovo qualquer tipo de espionagem imprópria ou ilegal”, acrescentou Monreal.
A denúncia da coalização de meios de comunicação foi baseada em um documento de servidores militares que foi hackeado, no ano passado, pelo coletivo de direitos humanos Guacamaya. O registro mostra evidências de que o Exército mexicano estava monitorando conversas privadas em agosto daquele ano entre Ramos e repórteres de jornais como o El País e El Universal.
Além disso, uma análise do telefone de Ramos, conduzida pelo Citizen Lab, da Universidade de Toronto, descobriu que ele havia sido alvo do Pegasus no mesmo período. As conversas ocorreram em plataformas criptografadas, o que significa que apenas uma ferramenta sofisticada poderia interceptar as mensagens.
Os militares do México têm uma longa história de espionagem de ativistas e jornalistas. Em 2017, o Exército foi acusado de usar o Pegasus para hackear os telefones de advogados que investigavam o desaparecimento de 43 estudantes no ano de 2014.
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Defensores dos direitos humanos dizem que esse uso de tecnologia sofisticada pelo Exército é ilegal, uma vez que militares não podem investigar civis – e, mesmo que pudessem, precisariam da aprovação do Judiciário mexicano.
As acusações ocorrem em um momento delicado para o governo mexicano, que enfrenta intenso escrutínio sobre a militarização da segurança pública no país, bem como sua incapacidade de frear os crescentes índices de violência no México.
O presidente López Obrador, ou AMLO, como é popularmente conhecido, foi eleito com a promessa de tirar os militares das ruas e acabar com a espionagem característica de governos anteriores. Contudo, desde que assumiu o cargo, expandiu o orçamento e os poderes dos militares, colocando-os no comando desde a construção de aeroportos até a campanha de vacinação contra a Covid-19 no México.
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Quando questionado na semana passada sobre o uso de spyware por militares, o presidente reiterou seu apoio ao Exército, descartando as alegações como uma mera operação de “inteligência” e acusando os meios de comunicação de fazer parte da oposição.
“Não espionamos ninguém”, disse AMLO durante uma entrevista coletiva matinal. “Tenho confiança na liderança [dos militares], porque eles sabem muito bem que a espionagem é proibida.”
Tais comentários indicam que há poucas chances de que o Ministério da Defesa seja responsabilizado. A investigação do Congresso é um passo positivo, avaliam defensores dos direitos humanos, mas ainda não se sabe se realmente produzirá resultados.