Rick Bright, o m��dico americano que liderava pesquisas sobre vacinas contra o coronavírus nos Estados Unidos, disse ter sido afastado de seu cargo nesta semana por ter questionado o presidente Donald Trump. Bright disse ter sido “involuntariamente transferido” do cargo de diretor da Autoridade Biomédica Avançada de Pesquisa e Desenvolvimento (Barda, na sigla em inglês), a agência responsável por desenvolver e comprar vacinas no país, depois de pedir um teste clínico mais rigoroso sobre a hidroxicloroquina, medicamento fortemente promovido por Trump – e também pelo presidente brasileiro Jair Bolsonaro.
Em carta enviada por seu advogado a jornais americanos, Bright disse que perdeu o cargo por desafiar a “insistência para que o governo invista os bilhões de dólares liberados pelo Congresso para enfrentar a Covid-19 em soluções seguras e cientificamente examinadas, não em medicamentos, vacinas e outras tecnologias que não têm mérito científico“.
“Ao contrário das diretrizes equivocadas, limitei o amplo uso de cloroquina e hidroxicloroquina, promovido pelo governo como uma panaceia, mas que claramente carece de mérito científico. Enquanto estou preparado para analisar todas as opções e pensar ‘fora da caixa’ para tratamentos eficazes, resisti com razão aos esforços para fornecer uma droga não comprovada sob demanda ao público americano”, completou Bright, que foi transferido para o cargo de vice-secretário assistente de preparação e resposta, função mais restrita aos institutos nacionais de saúde.
O médico também disse ter aberto uma denúncia ao inspetor-geral do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, o Ministério da Saúde americano. “Minha formação profissional me preparou por um momento como este, de enfrentar e derrotar um vírus mortal que ameaça americanos e pessoas do mundo inteiro. Até agora, liderei os esforços do governo para investir na melhor ciência disponível para combater a pandemia da Covid-19″, afirmou.
Trump defendeu o uso experimental da cloroquina com base em um pequeno projeto de pesquisa na França, que sugeria alguns resultados positivos quando a droga era combinada com a azitromicina, um antibiótico. “O que você tem a perder?”, questionou Trump. No início deste mês, os líderes do estudo francês, no entanto, disseram que o produto estava sujeito a um reexame. Nesta semana, uma pesquisa com 368 pacientes de Covid-19 nos Estados Unidos não apresentou efeitos benéficos: os infectados medicados com cloraquina morreram mais (28%) do que aqueles que não a consumiram (11%).
Os conflitos entre Trump e as autoridades de saúde têm sido constantes. Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA desde 1984 e médico conselheiro da Casa Branca, chegou a ficar na corda bamba por constantemente discordar do presidente, especialmente em relação ao uso da hidroxicloroquina. O médico de 79 anos resistiu à pressão e se manteve no cargo.
Recentemente, Trump também entrou em rota de colisão com Robert Redfield, diretor do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), o principal instituto nacional de saúde pública americano, que alertou em uma entrevista ao The Washington Post que uma segunda onda do coronavírus pode ser muito mais devastadora do que a atual. Trump, então, recorreu ao Twitter para negar a informação e dizer que as palavras do médico foram mal interpretadas.
A situação se assemelha à ocorrida no Brasil, onde os debates sobre a eficácia da cloroquina e normas de isolamento social contribuíram para o desgaste na relação e consequente demissão do ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta por parte do presidente Jair Bolsonaro.