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Kamala Harris: ares inovadores em perfil moderado parecido com o de Biden

Pragmática, a senadora negra circula com desenvoltura entre os caciques do partido e tem perfil aceitável para os eleitores cativos

Por Julia Braun Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Caio Saad Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 15h40 - Publicado em 14 ago 2020, 06h00
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  • Jovem e relativamente novato na política, Barack Obama, ao se firmar como candidato democrata à Casa Banca em 2008, escolheu para vice o veterano senador Joe Biden, uma raposa política. Sagrado agora para disputar com Donald Trump a eleição de novembro, Biden, aos 77 anos, também usou a tática da diferença de idade, só que ao contrário: optou por Kamala Harris, 55 anos, senadora em primeiro mandato. Com Kamala, Biden emplaca uma vice como nunca se viu: mulher, negra e de descendência asiática (pai jamaicano, mãe indiana). Kamala entra na corrida para, como se diz, compor com Biden. Ela, como ele, é moderada e pragmática, circula com desenvoltura entre os caciques do partido e tem perfil aceitável para os eleitores cativos. “Candidatos a vice raramente mudam o rumo da campanha, mas podem causar problemas. Harris tem experiência e qualificação”, afirma John Pitney, especialista em política americana da Claremont McKenna College, da Califórnia.

    Embora o vice seja, por definição, alguém talhado para viver na sombra, o processo de sua escolha é repleto de nuances. Ele tem de ter certa luz própria, mas não pode embaçar a do chefe. Precisa agradar a quem não gosta tanto assim do primeiro da chapa, mas sem desagradar aos que já decidiram votar nele. No caso americano, deve fazer diferença nos cobiçadíssimos estados-gangorra, que pendem ora para um partido, ora para outro. Kamala, ao que tudo indica, cumpre esses e outros requisitos: nasceu e fez carreira na Califórnia, estado-chave no Colégio Eleitoral, preenche a cota feminina obrigatória da chapa democrata neste ano (leia a coluna de Vilma Gryzinski, ao lado) e traz consigo o reconhecimento e a experiência adquiridos no quase um ano em que disputou com Biden (e mais duas dezenas de esperançosos) a indicação democrata à Presidência. “Joe é o líder que nos fará avançar, e eu sinto orgulho de estar ao seu lado”, declarou ela na primeira entrevista conjunta, pondo uma pedra no único momento épico de sua pré-campanha, ao atacar justo Biden por ter votado contra o fim da segregação racial nos ônibus escolares. “Havia uma garotinha na Califórnia que fazia parte da segunda turma mista em sua escola e ela ia de ônibus todo dia. Aquela garotinha era eu”, disse na época, deixando-o sem fala. Pazes feitas, os dois se uniram para desancar Trump, cujas trapalhadas são o maior motivo para Biden estar à frente nas pesquisas.

    Advogada de formação, Kamala fez carreira como promotora e secretária estadual da Justiça, com um empurrãozinho do namorado poderoso, o deputado estadual Willie Brown (depois prefeito de São Francisco). Quase vinte anos mais tarde, o romance ainda lhe dá dor de cabeça, porque Brown era trinta anos mais velho e, embora separado, não se divorciara da mulher. Bonita, segura e bem-sucedida, Kamala só se casou em 2014, com o advogado (branco) Douglas Emhoff. A escolha da vice foi um banho de água fria na estridente ala esquerda do partido e um alívio para o establishment democrata — mais ou menos como a indicação do próprio Biden. Se a dupla ganhar, em 2024, com 81 anos, ele provavelmente dispensará a reeleição. Nesse caso, a candidatura, por tradição, cairia no colo de Kamala Harris. Estariam os Estados Unidos preparados para tanta correção política?

    Publicado em VEJA de 19 de agosto de 2020, edição nº 2700

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