“Imagine o nosso desespero”, diz embaixador do Brasil na Palestina
Alessandro Candeas conta como os brasileiros que tentam abandonar a Faixa de Gaza foram retirados do centro do conflito
O embaixador do Brasil na Palestina, Alessandro Candeas, está empenhado em trazer para o país todos os cidadãos brasileiros que moram na Faixa de Gaza — um grupo, por enquanto, de 26 pessoas. Nesta entrevista a VEJA, o embaixador fala sobre as dificuldades da operação de resgate, que depende de autorização de Israel, do Egito e dos terroristas do Hamas:
Qual a situação dos brasileiros que estão na Faixa de Gaza? Graças a Deus, estamos conseguindo levar comida e água. Estamos diante de uma crise humanitária, que vai se agravar nos próximos dias. Todo o nosso esforço é amenizar essa crise para o grupo de brasileiros, para que não sofram o que os outros estão sofrendo. Isso significa comprar água e ir ao supermercado. Fiquei muito feliz em vê-los fazendo a feirinha.
Quantos brasileiros vivem na Faixa de Gaza? É um número pequeno, são 35 ou 36. Desses, num primeiro momento, 30 desejaram ser evacuados, depois o número caiu para 26. Flutua a cada dia, às vezes a família desiste, outra família entra, outra sai. Esses brasileiros são binacionais, moram em Gaza, são palestinos-brasileiros. A vida deles, a família, a escola estão em Gaza. Muitos já não têm contatos no Brasil.
Como são as condições de vida na Faixa de Gaza? Muito precária. Gaza é uma crise humanitária permanente. Muito antes do conflito, já havia a perspectiva de fome no final deste ano. As Nações Unidas já tinham lançado um apelo humanitário de emergência para a doação de alimentos nos meses de outubro, novembro e dezembro. Com essa crise, o drama humanitário se potencializa. Por causa do bloqueio, Gaza tem muita dificuldade de produção local e de entrada de alimentos, combustíveis e remédios.
Há brasileiros entre os cerca de 200 reféns do Hamas? Não tenho nenhuma informação sobre isso.
Como estão as negociações com o Egito para a passagem de brasileiros que querem voltar ao país? Essa é uma fronteira muito sensível. Estávamos esperando que o Egito autorizasse a passagem. No momento que dissessem que estava tudo certo, levaríamos os brasileiros em dois ônibus e eles passariam pela fronteira. A autorização do Egito, porém, não saiu e a passagem da fronteira foi bombardeada três vezes.
Eles correm risco? Os brasileiros tiveram suas casas bombardeadas, ficavam andando com crianças no colo, de carro pra lá e para cá, em casas de parentes. Reunimos todos na escola católica, as Irmãs do Rosário. Avisamos Israel que havia brasileiros nessa escola, para que não fosse bombardeada, porque os prédios perto eram bombardeados. Avisamos que ali não havia suspeitos.
Por quanto tempo os brasileiros ficaram nessa escola? Os brasileiros ficaram dois dias nessa escola, mas a situação continuou a se agravar. Os prédios do bairro ao redor começaram a ser bombardeados. Imagine o nosso desespero. Havia um anúncio de bombardeio no prédio ao lado da escola e Israel dizendo para todo mundo ir para o sul porque iam atacar o norte e ao mesmo tempo dizendo que o corredor para o Egito estava fechado.
Como foi a operação para levar os brasileiros para o sul da Faixa de Gaza? Isso aconteceu no sábado. O ônibus que levava os brasileiros estava em deslocamento para a escola, mas a pista central foi bombardeada por Israel. Morreram 70 pessoas indo para o sul. Eu estava com muito receio de que isso acontecesse com nosso pessoal. Orientei que todos ficassem lá. Avisamos Israel que sairia o ônibus com 20 brasileiros, enviamos placa, foto do ônibus, avisamos que ia com bandeira do Brasil, para que não houvesse nenhum ataque. Pedi que ficassem na escola até que chegasse a liberação de segurança. Conseguimos alugar uma casa a um quilômetro da fronteira do Egito.
Qual a relação da população da Faixa de Gaza com o Hamas? Houve eleições em 2006, o Hamas ganhou as eleições, mas houve a condenação da comunidade internacional ao Hamas, por causa das posições do Hamas, houve um conflito interno em Gaza entre o Hamas e o Fatah, que governa a Cisjordânia e a Autoridade Palestina. O pleito de 2006 foi considerado inválido. O Hamas expulsou o Fatah da faixa de Gaza. O Hamas exerce a autoridade de fato em Gaza.
A impressão que se tem ao ver protestos pelo mundo é que vários palestinos são condescendentes com as ações do Hamas. Aqui, tudo é muito confuso, tudo é muito apaixonado. O que eu posso dizer é que há, infelizmente, uma tendência à polarização, à radicalização, ao extremismo. O ânimo hoje é de extremismo. O ódio é generalizado, infelizmente. Isso é verdade, isso é muito preocupante porque as vozes de consenso, as vozes moderadas, daqueles que desejam a paz, estão sendo escanteadas, estão sendo alijadas do processo político.
O ex-chanceler Celso Amorim disse que o Brasil tem que conversar com o Hamas. É necessário um canal, sim, de comunicação com a autoridade de fato em Gaza para garantir a segurança e a saída dos brasileiros. Como é que eles irão passar a fronteira entre Gaza e Egito se as autoridades que controlam Gaza não autorizarem? Não significa reconhecimento do Hamas, não significa diálogo político, não significa canal formal. Tudo isso é uma comunicação informal.
O senhor vê risco de uma guerra ainda maior na região contra Israel, envolvendo Irã, Egito e Líbano? Há um risco de escalada regional, infelizmente há esse risco, inclusive escalada dentro da Cisjordânia também. Tudo isso tem que ser evitado.
O Brasil decidiu finalmente classificar o Hamas como terrorista, isso pode dificultar a comunicação com o grupo? Isso não é Brasil, isso são as Nações Unidas. Depende do debate e do consenso que emergir de lá. O Brasil está presidindo o Conselho de Segurança, claro, mas a designação como grupo terrorista depende de uma posição de consenso das Nações Unidas. Não vejo isso dificultando aqui a nossa operação.
O que poderia ser feito a longo prazo para evitar os conflitos entre Israel e Hamas? A resposta para a sua pergunta é o que a gente chama de solução de dois Estados: o Estado de Israel e o Estado da Palestina. Enquanto houver essa expansão de assentamentos de israelenses dentro do território da Cisjordânia, o bloqueio de Gaza, tudo isso prejudica a criação do Estado Palestino. O povo da Palestina se sente muito revoltado, se sente muito oprimido com isso. Hoje em dia, o clima é de extremismo, não é um clima de moderação, de paz. Enquanto não houver consenso, o que está acontecendo agora pode acontecer mais vezes. O ambiente já era tenso, explodiu, vai continuar tenso e a próxima explosão pode ser ainda maior.