Representados pelo seu vice-presidente, Mike Pence, os Estados Unidos enfrentaram mais resistência do que esperavam a uma solução de força para a crise venezuelana. Reunidos em Bogotá, Colômbia, os 13 parceiros do Grupo de Lima, entre os quais o Brasil, concordaram com uma transição democrática conduzida pelos próprios venezuelanos, “sem uso da força”.
Em um documento final do encontro, o Grupo de Lima fez um apelo aos países aliados ao “regime ilegítimo” de Nicolás Maduro – Rússia, China, Cuba, Turquia, Irã, entre outros – para que “ajudem a facilitar a busca de soluções” para a transição democrática.
“(Os países do Grupo de Lima) reiteram sua convicção de que a transição para a democracia deve ser conduzida pelos próprios venezuelanos pacificamente e com base na Constituição e no direito internacional, apoiada pelos meios políticos e diplomáticos, sem uso da força”, diz a declaração final em seu tópico número 16.
A posição avessa ao “uso da força” foi defendida especialmente pelo Brasil, representado no encontro pelo vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, e pelo chanceler Ernesto Araújo.
O texto também pede ao Tribunal Penal Internacional que considere a “grave crise humanitária”, a “violência criminosa do regime de Nicolás Maduro” e a degeneração do acesso da população civil à ajuda humanitária como “crimes de lesa humanidade”.
Embora nem todos os países tenham concordado, como o Brasil, seis membros do Grupo de Lima – Argentina, Canadá, Colômbia, Chile, Paraguai e Peru – solicitaram à Corte Penal Internacional a investigação do regime venezuelano por crime de lesa humanidade. O pedido foi apresentado em setembro do ano passado e respaldado também pela Costa rica, França e Alemanha.
Ao contrário do texto anterior, a declaração de Bogotá não trata Nicolás Maduro como um “ditador”, mas como líder de um “regime ilegítimo”capaz de valer-se do emprego da violência indiscriminada de suas forças de segurança e de grupos paramilitares para “bloquear a distribuição” da ajuda humanitária internacional no último sábado 23 e “para impedir o pleno exercício dos direitos e das liberdades pelos venezuelanos”.
No encontro dos 13 países mais os Estados Unidos, acabou prevalecendo a proposta de uma ação internacional mais ambiciosa e vigorosa contra o regime de Maduro. O texto claramente orienta seus membros a levarem o tema a outras nações e aos principais organismos internacionais, como forma de engrossar a pressão contra Caracas e de ampliar o reconhecimento de Juan Guaidó como presidente interino do país e condutor do processo de transição democrática.
O texto menciona o esforço do Grupo de Lima para a discussão da situação venezuelana no Conselho de Segurança das Nações Unidas – tarefa que os Estados Unidos já levantou nesta segunda-feira – e lembrou da continuidade dos debates na Organização dos Estados Americanos (OEA). Mencionou ainda as gestões diretas ao secretário-geral das Nações Unidas, António Guterrez, que tem se abstido de tomar posição nesse caso, em favor de medidas.
Os 13 países concordaram ainda em pedir a designação de um especialista independente ou de uma comissão de investigação sobre a situação da Venezuela pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Em especial, para tratar das “graves violações de direitos humanos no contexto das crises política, econômica, social e humanitária”.
Chamados
Além do esforço de convencimento dos países aliados de Maduro, o Grupo de Lima fez chamados especiais para os militares da Força Armada Nacional (FANB) – o texto suprime a expressão final, “Bolivariana” – a reconhecer Juan Guaidó, autoproclamado presidente interino do país, como seu comandante em chefe e parem de “servir como instrumentos do regime ilegítimo de Nicolás Maduro para a opressão do povo venezuelano e a violação sistemática dos seus direitos humanos. Pediu o mesmo reconhecimento aos altos funcionários do Judiciário e o apoio deles para a transição democrática.
Os representantes do Grupo de Lima agregaram Guaidó em seu encontro desta segunda-feira, como forma de reiterar o apoio que dão ao político de 35 anos de idade, presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, como condutor do processo de redemocratização. Na liderança de um possível governo de transição, Guaidó terá de convocar eleições democráticas e facilitar a posse de um novo governo.
Em Bogotá, porém, todos os membros do Grupo de Lima e Mike Pence se mostraram preocupados com o grau de violência do regime de Maduro contra os venezuelanos que, nas fronteiras com a Colômbia e o Brasil, aguardavam a chegada dos caminhões com alimentos e remédios no sábado. As agressões da Força Armada e de grupos paramilitares resultaram em nove mortos só nas divisas e cerca de 400 feridos. Na cidade de Santa Elena de Uairén, a 15 quilômetros de Pacaraima (RR), no Brasil, mais 25 venezuelanos teriam sido assassinados.
A resistência de Maduro em permitir o acesso da ajuda humanitária internacional, solicitada por Guaidó, tem argumentos insustentáveis – das migalhas não necessárias ou envenenadas, como mencionou, ao pretexto para uma invasão militar americana. Em discurso no sábado, em Caracas, Maduro chegou a dançar com sua mulher, Cília Flores, enquanto a violência corria nas fronteiras.
Mais de 3 milhões de venezuelanos emigraram do país desde 2015 em função das crises econômica e política do país. Em 2018, o Produto Interno Bruto (PIB) da Venezuela representou a metade do valor que tinha em 2013, quando Maduro chegou ao poder, em substituição a Hugo Chávez.
O país convive com uma hiperinflação que, neste ano, está estimada em 10.000.000%, com desemprego massivo e desabastecimento de produtos básicos, remédios e utensílios médico-hospitalares. A expectativa é de aumento ainda maior na emigração, dado que pesa para os países vizinhos. Sobretudo, para a Colômbia, que já acolheu mais de 1 milhão de venezuelanos.