No governo de Barack Obama, nada mais coerente que a decisão de trocar o rosto do ex-presidente populista e escravagista Andrew Jackson (1829-1837) na nota de 20 dólares pelo de Harriet Tubman, escrava que conseguiu fugir de uma fazenda do sul dos Estados Unidos e que se tornou líder abolicionista e chefe de 13 operações de resgate de negros. No governo de Donald Trump, nada mais esperado que a suspensão dessa medida.
O secretário do Tesouro, Steve Mnuchin, decidiu no mês passado interromper o trabalho de confecção da nova nota de 20 dólares por seis anos e escolher outra cara para o papel-moeda, segundo o jornal The New York Times. De acordo com os planos do ex-secretário Jacob Lew, durante a gestão de Obama, a nova nota deveria estar pronta até 2020, quando se comemorará nos Estados Unidos os 100 anos da Emenda Constitucional 19, que garantiu às mulheres o direito ao voto, em 1919.
Trump já havia prometido, durante a campanha presidencial, que a troca do rosto de Jackson, um proprietário de escravos estampado na nota de 20 dólares desde 1928, pelo da abolicionista Tubman, seria “pura correção política”. Dentro do Tesouro, em seu governo, a decisão de Lew foi considerada uma tentativa de politização da escolha.
Ao Times, a porta-voz do Tesouro, Monica Crowley, afirmou que o lançamento da nova nota será em 2030, como estava previsto pelo governo anterior. Ela esquivou-se de responder se a imagem de Tubman estará estampada no papel moeda. Questionado, o próprio secretário Mnuchin, alegou que o atraso na conclusão da nota se deve a “problemas técnicos” e não à imagem que será escolhida.
A questão tornou-se controversa dentro dos próprios círculos aliados a Trump. O governador de Maryland, o republicano Larry Hogan, escreveu uma carta na semana passada ao presidente dos Estados Unidos para pedir a reconsideração de sua decisão e a “união aos nossos esforços para prontamente perpetuar a vida e as conquistas de Tubman”. A abolicionista nascera no condado de Dorchester, no estado de Maryland, em 1822.
Também na semana passada, um grupo de deputados federais democratas pediu explicações à Secretaria do Tesouro sobre os “problemas técnicos” que estariam impedindo a emissão da nova nota.
De acordo com o Arquivo Nacional dos Estados Unidos, Tubman teve uma “vida legendária” desde que escapou da escravidão durante a Guerra Civil Americana (1861-1865). Nascida Araminta Ross, em 1822, ela mudou seu nome para Harriet depois de se casar com John Tubman, um afro-americano liberto, em 1844. Mesmo casada, continuou escrava até fugir, cinco anos depois.
Harriet Tubman trabalhou para as forças da União como espiã, olheira, cozinheira e enfermeira e ainda foi uma das principais integrantes do Underground Railroad, um grupo que atuou em 13 missões para libertar mais de 70 escravos do Condado de Dorchester.
As atividades de Tubman estão registradas em centenas de documentos do Arquivo Nacional – até mesmo o seu pedido de pensão, depois da morte de seu segundo marido, o soldado Nelson Davis, que atuou em uma brigada de infantaria de negros na guerra. Mais tarde, ela pediu benefícios adicionais por seus trabalhos para a União e sua solicitação foi corroborada por inúmeras cartas de conhecidos.
Depois da Guerra Civil, Tubman comprou uma fazenda em Auburn, no estado de Nova York, onde fundou um asilo para idosos que levava seu nome e que se tornou um local de amparo para os afro-americanos em situação de vulnerabilidade. Em março de 2013, na proclamação de criação do monumento nacional Harriet Tubman – Underground Railroad, o então presidente Barack Obama escreveu ser ela uma “heroína americana”.
“Elas nasceu escrava, libertou-se sozinha e retornou a sua região natal muitas vezes para conduzir familiares, amigos e outros escravos afro-americanos para a liberdade no norte”, anotou.
“Harriet Tubman batalhou sem descanso pela causa da União, pelos seus direitos de pessoa escravizada, pelos direitos da mulher e pelos direitos de todos. Ela foi uma líder na luta pelos direitos civis que sempre foi motivada pelo amor a sua família e comunidade e por sua fé profunda e permanente”, completou Obama.