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Governo e ONU defendem ‘interiorização’ de venezuelanos no Brasil

Brasil acolheu 120.800 imigrantes venezuelanos até o final de 2018

Por Pietra Carvalho
Atualizado em 20 jun 2019, 13h35 - Publicado em 20 jun 2019, 13h22

A solução para a crise de refugiados na fronteira entre o Brasil e a Venezuela é a interiorização dos imigrantes que chegam em Roraima para outras áreas do país, concordam o governo federal e a Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). Na manhã de quarta-feira 19, durante a divulgação do documento Tendências Globais 2018, em São Paulo, a Acnur reuniu representantes da agência, do governo federal e da prefeitura paulistana para discutir os números e ações de auxílio às pessoas forçadas a migrar por causa de conflitos, guerras e perseguições. O Dia Mundial dos Refugiados é celebrado nesta quinta-feira, 20.

Até o final de 2018, o Brasil recebeu 120.800 imigrantes da Venezuela, principalmente pela fronteiriça cidade de Pacaraima (RR). Trata-se de um fluxo muito menor do que o escoado para a Colômbia, que recebeu 1,2 milhão de venezuelanos, e do Peru, que acolheu outros 656.200.

Entre as maiores crises migratórias, a mais comentada pelas autoridades presentes no evento foi a da Venezuela que, apenas no último ano, gerou 341.800 novos pedidos de refúgio no ano passado, em comparação a 111.600 requerimentos em 2017. Segundo o relatório, o Peru foi o principal destino dos venezuelanos em 2018, com 192.000 pedidos de refúgio em análise.

Federico Martinez, representante adjunto do Acnur no Brasil, le elogiou o “exemplo” da força-tarefa brasileira, instalada em Paracaima, para levar os refugiados venezuelanos a outras regiões do país.

“Em 2018, no Brasil, mais de 12 mil pessoas foram reconhecidas como refugiados, de mais de 100 nacionalidades, e com certeza os venezuelanos, pelo volume, estão sendo priorizados, principalmente por programas como a Operação Acolhida”, explicou o representante, mencionando os abrigos do Exército em Pacaraima, que acolhem os migrantes recém-chegados na fronteira. 

“Nós estamos aqui apenas para apoiar o que as autoridades brasileiras já vem fazendo. O nível de engajamento e de investimento dos recursos públicos brasileiros para ajudar com o básico para os refugiados é exemplar”, continuou Martinez. “O Brasil é terra de acolhida para imigrantes da América Latina.”

Desvincilhando-se de polêmicas internas, ele lamentou os problemas migratórios em outras nações do subcontinente. O representante ainda incentivou o “desenvolvimento das pessoas” em seus novos países de residência e incentivou os programas de reassentamento. 

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De acordo com análises da Revista Internacional de Direitos Humanos, existem diversas explicações para o elevado deslocamento interno de colombiano. Entre elas, estão a violência propagada pelo conflito armado – o embate entre guerrilhas, como os dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) com grupos paramilitares.

No Mundo

Segundo o relatório global lançado pela agência da ONU nesta quarta-feira, 19, o número de refugiados pelo mundo bateu seu recorde histórico desde o início da apuração, há 70 anos, chegando a 70,8 milhões de pessoas em 2018.

Deste total, 26 milhões já conseguiram o status de refúgio, 3,5 milhões estão com pedidos em análise e outras 41,3 milhões estão forçadamente deslocadas dentro de seus países de origem.

Apenas no ano passado, 13,6 milhões de pessoas foram obrigadas a sair de suas casas fugindo de conflitos e crises econômicas, o equivalente a população da Turquia, gerando uma média de 37.000 novos refugiados ao dia.

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Na manhã desta quarta, durante a divulgação do documento Tendências Globais 2018, em São Paulo, a Acnur reuniu representantes da agência, do governo federal e da prefeitura paulistana para discutir os números e ações de auxílio aos refugiados.

 

 

Acolhimento histórico

Índios venezuelanos da etnia Warao em Manaus
Índios venezuelanos da etnia Warao ficam acampados em frente à rodoviária de Manaus (AM) há dois anos: emigração forçada – 08/05/2017 (Edmar Barros/Futura Press/Folhapress)

Bernardo Laferté, coordenador geral do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), também exaltou a “coordenação” entre as instituições públicas em pról da inclusão dos refugiados.

“Ontem, por exemplo, a imigração japonesa completou 111 anos. A primeira grande onda migratória do estado. E foram ondas migratórias que recebemos com muita responsabilidade e com o espírito de ‘venham, integrem-se a nós’.”

Laferté ainda citou as ondas migratórias do século XX, com a expansão das comunidades italiana, espanhola e libanesa no interior paulista, como mais um argumento à favor da distribuição dos migrantes no norte do país para áreas melhor estruturadas.

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“Eu estou há 12 anos no governo federal. Nas reuniões da Casa Civil sempre defendi que a solução era tirar os venezuelanos de Roraima e levar para outras áreas do Brasil. Nesse processo de convencimento eu ouvi de tudo, várias pessoas compraram a ideia e várias outras disseram que aquilo era insano, e hoje o Brasil faz isso com louvor. Vários ministérios trabalham juntos e com um respaldo político muito forte”, comemorou.

Ele ainda mencionou o esforço do goveno para superar a distância entre Roraima e as regiões ao sul do Brasil, já que as colônias de europeus se deslocavam pela malha férrea interligada com o porto do Santos, uma possibilidade inexistente no caso dos venezuelanos.

“O tempo passou e as formas de deslocamento se atualizaram. Mas, mais uma vez, o uso de aeronaves tem dado super certo. Nós já tivemos carência de vagas para tirar todas essas pessoas de Pacaraima e trazê-las para munícipios do sul, mas agora temos 500 vagas em aeronaves apenas esperando estes venezuelanos chegarem.”

O coordenador exaltou a integração como “chave” para amenizar o problema migratório. Ele lamentou o acúmulo dos pedidos de refúgio no Conare, mais de 50% deles apenas de venezuelanos, mas afirmou que o reconhecimento da situação de Grave e Generalizada Violação de Direitos Humanos na Venezuela pelo comitê, na última sexta-feira 14, deve facilitar o deferimento dos vistos.

“Me da muito orgulho o que estamos fazendo. Gostaria ainda de destacar a responsabilidade de muitos estados além de São Paulo. O Rio Grande do Sul, por exemplo, é o estado que mais reassentou venezuelanos e que nos últimos 10 anos mostrou muita abertura para as grandes ondas imigratórias, tanto com os haitianos quanto com os senegaleses. Ele é mencionado injustamente como um estado xenófobo, os três estados do sul estão de parabéns”, completou.

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Visão venezuelana

Marifer Vargas, educadora social do Programa Pana, uma iniciativa de organizações humanitárias da Igreja Católica, mora no Brasil há dois anos com um visto de residência provisória e também integrou o evento da Acnur.

Seu marido, Carlos Daniel Escalona, trabalhava na rede de televisão estatal da Venezuela e foi perseguido ao denunciar um esquema de corrupção do governo chavista. Ele fugiu antes da mulher, em 2016, e ganhou um status de refugiado político no Brasil.

“A gente foi sequestrado por ele ter denunciado o esquema de corrupção. O chefe dele naquele momento era o vice-presidente da República. Entre as agressões, perguntavam porque ele não se juntava ao esquema de propina, e ele falava que não queria. O sequestro durou dois dias, mas quando nós fomos liberados começaram as ameaças de morte, contra a minha família, contra a dele e contra nós mesmos”, contou a venezuelana.

“Ele fugiu para o Brasil em março de 2016 e chegou um mês depois. Ele trouxe todos os documentos, o boletim de ocorrência, provas de que ele trabalhava para o governo, gravações de testemunhas, os documentos alterados e solicitou refúgio por perseguição política. E em janeiro deste ano ele foi reconhecido como refugiado. Vocês não imaginam como isso da paz para nossa família, como isso tira o medo das pessoas.”

Marifer explicou que não pediu o mesmo status que o marido porque deseja voltar à Venezuela em um futuro próximo, para casos de emergência com sua mãe, já idosa. O retorno ao país de origem é algo que logisticamente não seria viável a um refugiado.

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A mãe da educadora se recusa a sair de seu país natal, mas afirmou querer visitar o Brasil para “conhecer o país que recebeu seus filhos de braços abertos, como o Cristo.” A venezuelana ainda lamentou a situação de pessoas que, diferente de seu marido, não chegam ao Brasil munidas de documentos.

Segundo ela, a maioria dos venezuelanos apela rapidamente para os requerimentos de refúgio por não se sentirem legalmente amparados. Marifer elogiou os mutirões de emissão de documentos para os migrantes, instalados já em Pacaraima, como uma forma de desafogar o Conare e amenizar este problema.

Entre outros auxiliares das iniciativas federais está o Programa Pana, no qual Marifer trabalha, que propõe acolhimento e integração a imigrantes em situação de risco. Ela está na sucursal do projeto na Vila Prudente, na zona leste da capital paulista, sendo a única falante de espanhol em uma equipe multidisciplinar de cinco pessoas.

Lá, doze casas abrigam famílias de refugiados, em sua maioria venezuelanos. Os inscritos podem ficar até quatro meses no local, período em que recebem todo o auxílio para integração na sociedade. Depois, o programa continua fornecendo comida e aulas de português.

“Uma característica do processo de inserção é que muitos de nós, interiorizados, viemos de cidades muito pequenas da Venezuela, tão pequenas que não tem nem semáforo. Então imaginem, quando eles chegam aqui e se deparam com tudo isso. Conhecer a cidade é essencial para que eles se adaptem, porque partimos desse principio de que somos nós que devemos nos adaptar ao Brasil e não o contrário.”

A venezuelana também destacou o processo de adaptação das crianças e adolescentes que chegam no Brasil. Segundo ela, o último grupo a chegar no abrigo da Vila Prudente, em dezembro, era composto de 94 pessoas. Dessas, 42 eram menores em idade escolar. Em dois meses, a equipe do programa trabalhou para ensinar o português básico e realizou a matrícula das crianças na rede pública.

Marifer ainda exaltou a importância de identificar dificuldades excepcionais entre os imigrantes, para evitar situaçõs extremas como depressão e alcoolismo.

“Um dos nossos refugiados, quando chegou aqui, começou a ter problemas com álcool e com drogas porque não se sentia acolhido, porque não achava que São Paulo era a cidade para ele. Ele se mudou para Rondônia e agora é outra pessoa. Por isso a gente tem que ter muito cuidado com os perfis ao interiorizar, já que não queremos criar outro problema, como o dos moradores de rua.”

Por meio de convênios com a inciativa privada, o Pama ainda consegue empregos para os integrantes do programa. “Tudo isso é para mostrar que não é em vão a travessia que a gente faz. Não é em vão que a gente cruza a fronteira andando. Não são em vão as 40 horas de ônibus até Roraima. Não é em vão ficar dias nas filas da Polícia Federal. E não é em vão recomeçar a vida no Brasil ou no país que a gente escolher.”

 

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