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Geisel determinou execução sumária de presos políticos

Memorando da CIA para o Departamento de Estado relata a ordem do presidente para João Figueiredo autorizar cada execução

Por Denise Chrispim Marin Atualizado em 11 Maio 2018, 18h28 - Publicado em 10 Maio 2018, 19h20
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  • Em 1º de abril de 1974, o então presidente do Brasil, general Ernesto Geisel, deu seu aval ao chefe do Centro de Inteligência do Exército (CIE), general João Batista Figueiredo, para a continuidade da política de execução de “subversivos perigosos” adotada por seu antecessor, o general Ernesto Médici. Geisel recomendou a Figueiredo ter um “grande cuidado” para que as execuções ocorressem apenas nesses casos. O presidente ainda instruiu Figueiredo, que o sucedeu na Presidência da República em 1979, dar sua autorização para cada execução levada a cabo pelo CIE.

    Esse relato foi extraído de um memorado do então diretor da CIA, Willian Egan Colby, para o secretário de Estado, Henry Kissinger, datado de 11 de abril de 1974. Trata-se de um dos milhares de documentos da relação dos Estados Unidos com a América do Sul entre 1969 e 1976 mantidos em confidencialidade por mais de quatro décadas e que, desde dezembro de 2015, estão disponíveis para consulta pública no portal do Escritório de História do Departamento de Estado.

    O item 99 dos arquivos sobre o Brasil traz o memorando de Colby a Kissinger. O texto expõe o fato de Geisel ter pensado ao longo de dois longos sobre sua decisão sobre a política de extermínio dos “subversivos perigosos”, como eram considerados os membros de organizações políticas e de guerrilha que atuavam contra o regime militar nas décadas de 1960 e 1970. Em 30 de março, o presidente havia se reunido com os principais organizadores e comandantes dos aparelhos de repressão durante a ditadura: os generais Milton Tavares de Souza, Figueiredo e Confucio Danton de Paula Avelino.

    Nessa reunião, segundo o memorando, Tavares foi o que mais falou. Deu a Geisel um apanhado sobre o trabalho do Centro de Inteligência do Exército contra os “subversivos” e recomendou ao presidente que os “métodos extralegais deveriam continuar a ser empregados contra os “subversivos perigosos”. Por métodos extralegais, o general Tavares referia-se à execução sumária de prisioneiros. “Sobre esse assunto, o general Milton disse que cerca de 104 pessoas desta categoria tinham sido sumariamente executadas pelo CIE durante o ano anterior. Figueiredo apoiava essa política e apelou por sua continuidade”, informou o texto.

    O arquivo sobre o Brasil traz documentos que circularam entre o Departamento de Estado, a CIA e a embaixada dos Estados Unidos em Brasília ao longo desses sete anos. Tratam de questões comerciais, da busca do Brasil de uma aliança com a Alemanha para o desenvolvimento de seu programa nuclear, da crise do petróleo, da cooperação bilateral e inclusive das ações conjuntas em prol da gestão do general Augusto Pinochet, no Chile, logo depois de seu golpe militar contra o governo democrático de Salvador Allende.

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    Desaparecidos

    O arquivo mostra também a guinada do Departamento de Estado sobre a questão dos Direitos Humanos a partir de 1975, quando deixa de fazer vistas grossas para a prática indiscriminada de tortura, sequestro e execução sumária pelas ditaduras da América do Sul, por causa das pressões vindas do Congresso dos Estados Unidos. No telegrama 46847 do Departamento de Estado para a Embaixada americana em Brasília, de 3 de março de 1975, Kissinger questiona se o governo brasileiro “está ciente do grande interesse nos Estados Unidos sobre a promoção internacional dos direitos humanos”.

    A mensagem lembra os briefings dados por congressistas americanos sobre o tema aos embaixadores dos Estados Unidos em países sul-americanos dois meses antes. Kissinger, ainda assim, tem o cuidado de pedir ao embaixador no Brasil, John Hugh Crimmins, que alertasse pessoalmente com o então chanceler brasileiro, Azeredo da Silveira, sobre o tema e que citasse os casos de Ana Rosa Kucinski e de Wilson Silva, ambos desaparecidos.

    “O Departamento (de Estado) está continuadamente recebendo um fluxo constante de questionamentos sobre a situação geral dos diretos humanos no Brasil, assim como sobre casos específicos de alegadas violações aos direitos humanos nesse país”, diz o secretário de Estado no texto.

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    Kissinger cita como exemplo a iniciativa do deputado Donald M. Fraser, democrata de Minnesota, de ter questionado e expressado sua preocupação com “o bem-estar” de Ana Rosa Kucinski Silva e de seu marido, Wilson Silva. Professora de química da Universidade de São Paulo e doutora em Filosofia, Ana Rosa e seu marido, também professor universitário, desaparecidos em 1974. Ambos eram militantes da Aliança Libertadora Nacional (ALN).

    Kissinger relata também ter recebido questionamentos de Fraser sobre Paulo Stuart Wright, filho de missionários americanos e militante da Ação Popular morto em 1973. Paulo era irmão do pastor presbiteriano Jaime Wright, um dos organizadores, com o arcebispo Paulo Evaristo Arns e o rabino Henry Sobel, do documento “Brasil Nunca Mais”, publicado em 1985.

    Kissinger menciona no telegrama que esses questionamentos são “complicados” por dois fatores. Primeiro, o então ministro da Justiça Armando “Falcão afirma que o paradeiro de Wilson Silva é desconhecido, e que sua mulher não tem registro (nos órgãos de segurança brasileiros) e é desconhecida pelas autoridades”. Segundo, “o fato de que, de acordo com os nossos arquivos, nós nunca fizemos questionamentos diretos no Brasil sobre qualquer pessoa que não tenha cidadania americana”. Ele não detalha, no documento, se pedira informações sobre o caso Wright, que teria cidadania americana.

    O livro “Direito à Memória e à Verdade”, publicado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, lista 475 pessoas mortas ou desaparecidas por motivos políticos durante a ditadura militar. A publicação é resultado de 11 anos de trabalhos da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Apesar de ter lançado ao processo de abertura política no Brasil, o governo Geisel é considerado por historiadores tão repressor quanto o de seus antecessores.

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